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Nossa obsessão por
adquirir coisas tem muito menos a ver com nossos desejos pessoais que
com nossa recusa em ter menos que os outros.
Após aposentar-se aos sessenta e poucos anos, Rabi Benjamin Blech,
rabino e professor na Yeshive University, subiu a montanha russa da fortuna
até o topo, e então, assustadoramente, desceu até
o fundo. Eram os anos do desenvolvimento rápido do último
século, e nada dava errado. Ações custando centavos
subiam de repente para centenas de dólares. Os investimentos de
capital fizeram dele um multimilionário. A Internet e as ações
ponto.com lhe trouxeram uma fortuna que superou suas melhores expectativas.
Não foi difícil para ele planejar o que faria com esta bênção
inesperada. Faria vultosas doações para caridade, viagens
fabulosas, ajudaria seus filhos e netos, e asseguraria o futuro de toda
a família.
Porém o dinheiro, com a mesma rapidez que veio, desapareceu.
Segue-se um trecho exclusivo do novo livro de Rabi Blech, “Taking
Stock”, que é o resultado de sua odisséia pessoal.
É um livro de orientação para aqueles que sofreram
perda financeira e estão buscando uma maneira de voltar a ter paz
de espírito e bem-estar pessoal.
Os Dez Mandamentos resumem os ensinamentos mais importantes
de toda a Torá. A Torá nos diz que estes mandamentos foram
entregues em duas tábuas, cinco leis em uma e cinco na outra. O
motivo? Eles tratam de duas categorias diferentes de preocupação
religiosa. Os primeiros cinco nos ensinam nossas responsabilidades para
com D'us. Os últimos cinco resumem nossas obrigações
com respeito ao próximo. Começam com três advertências
que englobam transgressões muito sérias: “Não
matarás”, “não cometerás adultério”,
“não roubarás”. A seguir, expressando um nível
de responsabilidade moral ainda mais elevado, vem o próximo mandamento:
"Não darás falso testemunho contra teu vizinho",
ensinando-nos que podemos ser considerados culpados até mesmo por
falar o mal.
É o último mandamento, porém, que os comentaristas
explicam ter a finalidade de nos levar ao mais alto grau de santidade.
Exige não apenas que controlemos nossas ações e nossa
fala, como também nossos pensamentos. Está dirigido a uma
falta universal, e obviamente crê que podemos vencê-la: "Não
cobiçarás a casa de teu vizinho; não cobiçarás
a mulher de teu vizinho, nem seu servo, ou sua serva, nem seu boi ou seu
burro, nem coisa alguma que pertença a teu vizinho."
Estas cinco importantes leis sobre relacionamentos interpessoais seguem
uma seqüência lógica e óbvia. Estão claramente
relacionadas por ordem de dificuldade. Não matar? Muito fácil.
Adultério? Bem, um pouquinho mais difícil. Não roubar
coisa alguma, nem mesmo alguns clips no escritório? Muito difícil.
Nem sequer posso partilhar alguma fofoca interessante só porque
talvez não seja totalmente verdadeira? Você deve estar brincando.
E você quer que eu não cobice a casa ou o carro de meu vizinho?
Bem, isso é ir longe demais, não acha?
Estas leis, assim como os exercícios físicos, mudam para
níveis cada vez mais complicados. Há um bom motivo para
um seguir depois do outro.
Porém os eruditos sugerem outra maneira de contemplar a seqüência
destes mandamentos. Aparecendo na segunda tábua, as leis de seis
a dez podem ser entendidas como ensinando uma idéia profunda se
as estudarmos na ordem inversa, de baixo para cima.
Para tornar isso mais claro, listaremos os mandamentos de seis a dez:
6. Não matarás
7. Não cometerás adultério
8. Não roubarás
9. Não levantarás falso testemunho contra teu vizinho
10. Não cobiçarás…
Examinando-os de baixo para cima, o que a Torá está nos
ensinando de maneira muito perceptiva é como entender a causa do
mal. Como é possível para alguém matar um outro ser
humano? Como é possível justificar a infidelidade para si
mesmo e dormir com outro parceiro?
A seqüência dos mandamentos nos diz como chegar ao fundo destas
ações aparentemente incompreensíveis. Assim como
o alicerce de uma casa está por baixo, assim também está
a causa dos crimes contra o próximo na lista dos Dez Mandamentos.
A raiz de uma árvore é responsável por tudo que ocorre
acima dela. Portanto, também a "raiz" de todos os pecados
mais graves é a cobiça.
Você diz a si mesmo que merece aquele objeto mais que seu vizinho.
A inveja o motiva a tentar conseguir o que deseja dando falso testemunho
no tribunal. Se isso não funcionar, você se permite roubar.
Se o objeto de seu desejo é a mulher de seu próximo, sua
cobiça leva ao adultério. E se nenhum desses se provar possível,
então a única solução para seu desejo insaciável
é matar.
É por isso que a cobiça conclui o Decálogo. É
tanto o fim como o começo. É o mandamento mais exigente,
e conclui a lista de todos os outros porque é a chave para sua
violação, o "alicerce" do motivo que pode até
mesmo levar ao assassinato.
Acompanhar o padrão de vida dos vizinhos
Para entender por que a Bolsa de Valores é tão
importante para nós, temos de perceber seu relacionamento com o
ideal americano de "ter o mesmo padrão de vida dos vizinhos".
Nossa obsessão para adquirir fortuna tem muito menos a ver com
nossos desejos pessoais que com nossa recusa em possuir menos que os outros.
É por isso que existe hoje no mundo uma indústria multi-bilionária
cujo propósito é a propagação sistemática
da inveja, a aceitação do novo décimo mandamento,
que proclama: "Tu cobiçarás." O nome da indústria
é Propaganda. Seu objetivo, como admite francamente B. Earl Puckett,
Presidente da Allied Stores Corporation, é este: "Nosso trabalho
é tornar homens e mulheres infelizes com aquilo que têm."
"Eu tenho de ter aquilo, senão morro"
A cada poucos meses, criam-se novas modas. Aquilo que num mês é
"in", no mês seguinte está "out". Numa
semana você é um pária se não estiver usando
uma determinada marca de tênis. Na semana seguinte, você está
ultrapassado se não tiver mudado para outra marca. Por que você
deve ter constantemente alguma outra coisa? Porque as grandes empresas
precisam de consumidores. Portanto, os consumidores têm de ser ensinados
sobre aquilo que precisam ter, em vez de terem aquilo que realmente precisam.
Não é segredo qual sentimento os grandes publicitários
mais desejam despertar. Gucci foi suficientemente corajoso para admiti-lo,
quando deu a um novo perfume que estava tentando popularizar o nome de
"Inveja". Notável, não é, que aquilo identificado
pela Torá como a causa básica do sofrimento humano –
o pecado da inveja – tenha se tornado o próprio sentimento
que a Era da Propaganda deseja que adotemos mais fortemente.
Quantas vezes por dia ouvimos dizer que não devemos ser felizes
com aquilo que possuímos porque outros têm mais? Thomas Clapp
Patton, em seu livro A Política da Inveja, nós dá
o assombroso número de anúncios comerciais a que os americanos
estão expostos todos os dias: cerca de 3.000. Setenta a noventa
por cento do que se vê nos jornais das grandes cidades são
anúncios, não notícias. A mensagem subliminar é
sempre a mesma: Precise você ou não, é importante
ter aquilo que os outros têm.
Este é o verdadeiro significado da expressão que se ouve
com freqüência dos fanáticos por compras: "Se eu
não comprar aquilo, eu morro." Como pode a palavra "morrer"
ser aplicada à falta de um objeto material? Somente porque alguma
outra pessoa pode comprá-lo e eu não, isso me torna um "nada".
E ser "nada" vale tanto quanto estar morto.
Quanto
é Suficiente?
Se o desejo de possuir algo está baseado na necessidade,
então a realização traz o contentamento. Se, no entanto,
o objetivo é deixar de lado a necessidade e cobiçar as aquisições
de outros, então estamos fadados ao desapontamento e a uma insatisfação
ainda maior. Sempre existe alguém que tem um pouquinho mais –
pelo menos o suficiente para provocar em nós inveja suficiente
para nos impedir de ficarmos contentes com aquilo que é nosso.
O New York Times publicou uma entrevista com um homem chamado Nelson Petz.
Investindo em companhias com problemas nos anos de 1980, ele apareceu
na lista dos executivos mais ricos da Forbes por quase uma década.
O valor de suas posses está agora estimado em 890 milhões
de dólares. Porém, veja o que ele disse na entrevista: "Estou
ultrapassado pelos padrões atuais. Olho para estes jovens com três
ou quatro bilhões, e penso: ‘O que eu fiz de errado?’"
Não importa que Nelson Petz jamais conseguirá gastar todo
o dinheiro que tem. Existem pessoas à frente dele na corrida pela
fortuna, portanto, a inveja o torna um fracassado a seus próprios
olhos.
O Vício da Inveja
Se você precisa de uma prova mais contundente da inveja controlando
irracionalmente as pessoas, considere os incontáveis casos de pessoas
viciadas em Canais de Compras ou "Compre pela Internet". Eles
admitem francamente que não conseguem se controlar e compram coisas
que não precisam e não têm dinheiro para pagar. São
pessoas que não têm mais espaço em casa para guardar
tudo que compram. Nem sequer têm tempo para abrir as caixas ou desembrulhá-las.
Precisam alugar locais para armazenar suas compras. Apesar disso, continuam
comprando e comprando. Na mente desses indivíduos, há uma
definição equivocada de seu valor pessoal. É como
se o subconsciente lhes estivesse dizendo: "Não importa o
preço. Quero que outras pessoas saibam que sou tão bom quanto
elas."
"Os Viciados na Inveja" dão um jeito de passar sua doença
adiante para a próxima geração. No Wall Street Journal,
uma enorme manchete apregoa a notícia de uma "Empresa Italiana
Cria Um Visual Sob-Medida para Pais Indulgentes". O anúncio
prossegue dizendo que uma firma chamada Pinco vende uma linha de roupas
infantis que está se espalhando como fogo nos Estados Unidos. Vestidos
para meninas de seis anos custando 600 dólares e bolsas combinando,
ao preço de 200 dólares, mal permanecem por um dia nas araras.
Pinco deixa claro qual é o seu público alvo: "Para
mães que consideram seus filhos um acessório da moda".
Não, elas não são crianças com suas próprias
identidades. São reflexos de nosso status, de nosso valor, e do
quanto podemos gastar para sermos iguais às pessoas cujas vidas
cobiçamos.
O Professor Pobre
Ele é um amigo muito querido. Para proteger sua privacidade,
darei a ele o nome de Harry. Como professor universitário que recentemente
recebeu sua cátedra, tem um salário razoável, tem
artigos publicados em diversos jornais de prestígio, e sua vida
é intelectualmente estimulante e recompensadora. É feliz
no casamento: tem três filhos maravilhosos e uma casa de classe
média muito apropriada.
Está fazendo vinte anos que ele se formou na High School, e foi
convidado para uma reunião da classe. Ele decide ir, para descobrir
o que aconteceu aos seus antigos colegas de classe. Ao encontrar os velhos
amigos, percebe que não é o mais bem-sucedido da classe.
Alguns têm mais dinheiro que ele, embora Harry saiba que foi melhor
aluno que eles. Outros têm mulheres que parecem mais sofisticadas
e mais bonitas que a sua. Quando falam sobre os filhos, alguns são
pais de jovens com maiores realizações que os seus. Quando
vão embora, Harry vê que muitos deles têm carros melhores
e mais caros.
Ele volta para casa naquela noite ruminando dentro de si uma espécie
de desconforto que não consegue explicar. Estava tão feliz
com sua vida quando saiu de casa para ir à reunião. Agora
está roído pela inveja. Está insatisfeito com seu
trabalho, sua casa, sua mulher, sua vida. E na verdade, o que mudou? Nem
um aspecto sequer de sua realidade! Porém ele não está
mais contente, porque violou o Décimo Mandamento. A cobiça
é uma doença da alma que traz consigo as conseqüências
automáticas de sofrimento, amargura e frustração.
O que realmente o aborrece mais?
Digamos que você perdeu bastante dinheiro. Perdeu seu emprego.
Seu fundo de aposentadoria teve os rendimentos reduzidos à metade.
Você está na verdade lamentando por aquilo que não
possui mais, ou por aquilo que outras pessoas ainda têm? É
porque você não tem o suficiente para sua necessidade ou
para sua ganância? Se não houvesse alguém a quem se
comparar, você ainda se sentiria tão deprimido? Quanto do
que você sente é o resultado de seu declínio financeiro,
e quanto se deve à inveja incontrolável de outras pessoas
que escaparam aos efeitos da queda no mercado de ações?
Algumas pessoas não ficam felizes, diz um famoso provérbio
yidish, a menos que outros sofram grandes infortúnios. Seja honesto
consigo mesmo sobre o que está realmente lhe incomodando. Se o
seu problema principal é a inveja, aceite o conselho de Claudiano,
o poeta latino do quarto século: "Aquele que cobiça
é sempre pobre."
Biografia do Autor
Rabi Benjamin Blech é autor de sete livros aclamados, incluindo Entendendo
o Judaísmo: Os Fundamentos da Ação e da Crença.
É Professor da Talmud da Yeshive University e Rabino Emérito
de Young Israel Oceanside, onde serviu por 37 anos, e do qual se aposentou
para dedicar-se a escrever e conferenciar em todo o mundo.
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