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As
leis da dieta casher eliminam camarão, toucinho, cheeseburguers
e lagosta, porém a carne comum não faz parte da lista de
“nãos” da Torá – se preparada de acordo
com certas orientações. Para o melhor e para o pior, a carne
inegavelmente é um dos itens favoritos do menu casher. É
bom? Vamos dar uma olhada.
A História
Quando da sua criação, Adam, o primeiro homem, é
ensinado por D’us os caminhos do mundo: “Veja, Eu te dei toda
erva com semente que está sobre a superfície da terra e
toda árvore que dá frutos; serão tuas para alimento.1
Semente, erva, árvore e fruto – sim – qualquer
outra coisa – não.
Vários capítulos depois (e cerca de 1600 anos) mais tarde,
quando sobreviveu à devastação do Dilúvio,
Nôach sai da Arca, e ouve do Todo Poderoso: “Todo ser que
se move será teu para comer; como a vegetação verde,
Eu te dei tudo.”2 Sua dieta agora inclui também
a carne.
Poderia parecer que o plano original (e ideias) de D’us era que
não podemos comer carne.3 Um problema com essa abordagem
é que muitas declarações na Torá implicam
que comer carne é ideal e encorajado, por exemplo em honra ao Shabat
e feriados.4
E daí? D’us preferiria que fôssemos vegetarianos como
Adam ou carnívoros como Nôach?
A Abordagem Filosófica – Distinção
de Responsabilidade
O filósofo do Século XV Rabino Yosef Albo, autor de Sefer
Halkarim (“O Livro dos Princípios”), entende as instruções
de D’us a Adam como uma implicação de que o lano Divino
original era que o homem se abstivesse de matar e comer carne. Sob essa
visão, a matança de animais é um ato cruel e furioso,
o que impregna esses traços negativos no caráter humano;
além dissom a carne de determinados animais embrutece o coração
e mata sua sensibilidade espiritual.
As pessoas das primeiras gerações entenderam isto equivocadamente,
no entanto, como significando que humanos e animais eram iguais, com expectativas
e padrões iguais. Isso levou à degeneração
da sociedade em violência e corrupção; pois se o ser
humano nada mais é que um outro animal, então matar um homem
é equivalente a matar um animal. Foi essa atitude e comportamento
que levou D’us a purificar o mundo com o Dilúvio.
Após o Dilúvio, D’us estabeleceu uma nova ordem mundial.
As pessoas precisavam reconhecer as obrigações morais e
o Divino propósito confiado à humanidade. Para deixar isso
claro, D’us disse a Nôach que a humanidade pode e deve comer
a carne de animais. Nosso domínio sobre os animais destaca nossa
superioridade e nos lembra que estamos encarregados com Divina responsabilidade
de aperfeiçoar o mundo. Para minimizar seus efeitos negativos sobre
os seres humanos, quando a Torá foi outorgada D’us proibiu
a carne daqueles animais que têm uma influência nagativa sobre
a alma.
(O homem é realmente mais importante que o animal? Se é
assim, como ele é infundido com energia ao comê-lo? Veja
Nota 5.)
Segundo essa abordagem, comer carne não é bom, mas serve
a uma funcão muito importante.
A Abordagem Cabalística – Perfeição
Cósmica
Embora alguns questionem o direito do homem de matar um animal para encher
o estômago, o grande místico do Século XVI, Rabi Isaac
Luria, questiona o direito de o homem consumir qualquer organismo para
sua auto-preservação. Se tudo no mundo foi criado deliberadamente
por D’us, por que o seu sangue é mais vermelho que a existência
proposital de um tomate? E a resposta é ... não é.
Aquele que come apenas para satisfazer seus desejos egoístas engoliu
a vida significativa de um vegetal sem desculpas. “Não é
justo!” grita a planta indefesa.
Por outro lado, quando comemos com a intenção de usar a
energia para ampliar nosso serviço humano a D’us, elevamos
o alimento. Quando a pessoa realiza um ato Divino – um ato que transcende
a naturexa da pessoa – o alimento que ele come é elevado
juntamente com ele, é é reunido com sua fonte Divina.5
Porém há uma diferença entre alimentos animais e
vegetais. Para os iniciantes, você não pode viver sem pão.
Se você apenas comer pão quando você estiver pronto
para elevá-lo, poderia morrer de fome e jamas ter outra chance
para tentar de novo. Portanto não podemos restringir a ingestão
de pão àqueles voltados para o espírito. Além
disso, quando se come alimentos simples e necessários como o pão,
é mais fácil manter uma perspectiva proposital. Porém
carne é um luxo. E a indulgência com esse luxo torna a pessoa
mais materialista do que era antes de comer. Portanto a pessoa deveria
apenas comer carne se for capaz de realizar mais com a carne do que poderia
com os vegetais. Uma maneira de fazer nossa ingestão de carne valer
a pena é elevar não somente seus componentes físicos,
como também elevar seu fator de prazer. Se você puder fazer
isso, levou a si mesmo e o seu almoço a maiores alturas espirituais
e sensibilidade do que consegue atingir comendo couve. Por outro lado,
se não puder, está se arrastando – e ao animal –
a um plano mais materialista.6
Por que somente o mundo pós-Dilúvio pode aceitar o desafio
da carne?
A raça humana de Adam até Nôach tinha o potencial
e força para comer o indispensável à sobrevivência
básica, com a intenção de levar um vida com propósito,
e assim o homem e o alimento teriam atingido seu objetivo. Porém
comer carne exige muito mais que isto. A carne, com suas propriedades
que induzem ao prazer, naturalmente leva a pessoa na direção
da luxúria materialista. Elevar a carne exige a capacidade de elevar-se
acima da ordem natural, de levar vida nova e altruísta a algo que
naturalmente é a incorporação do materialismo e da
auto-indulgência. A humanidade pre-Dilúvio e a carne pre-Dilúvio
não permitiam isso.
Nôach saiu da Arca para um mundo diferente; um mundo onde tudo tem
a habilidade criativa de ir além do seu estado natural de ser e
assumir uma identidade muito maior. Uma nova era de potencial terreno
nasceu.7 O mundo era agora um local onde o homem podia elevar
a própria natureza dos componentes terrenos a alturas sobrenaturais
– e elevar até seu poder de sedução e prazer
também. Agora o homem recebeu a capacidade de comer até
carne e elevar sua energia.8
Mesmo para nós, purificados pelo Dilúvio, comer carne não
é um feito simples. Antes de mergulhar seus dentes naquele bife,
aqui estão algumas coisas para ter em mente. Os Sábios declararam
que uma pessoa de mente vazia não tem direito de comer carne.9
Eles também ensinaram a nunca comer carne por fome; primeiro satisfazer
a fome com pão.10 (Num estômago vazio, é
muito difícil se concentrar em outra coisa que não seja
rechear a cara.) Somente quando estiver “comendo pensativamente”,
concentrando-se em nossa Divina missão, estamos fazendo mais pelo
animal do que o animal está fazendo por nós.
Segundo essa abordagem, pode ser cruel não comer carne, porque
fazer isto rouba ao animal a chance de servir a um propósito mais
elevado.
Não tenha medo. Reflita e concentre-se; cabe a você completar
o plano Divino universal. Bon Appetit!
Notas:
1 – Bereshit 1:29
2 – Bereshit 9:3
3 – Em seus escritos, o Rabi A.I. Kook (1865-1935) adota essa abordagem
mas insiste que este ideal não deve ser presumido como normal até
a vinda de Mashiach, quando a natureza humana será completamente
refinada. Até então, adverte ele, tais restrições
podem ter efeitos prejudiciais ao comportamento moral do homem (Chazon Hatzimochanut
V’hashalom).
4 – Veja Devarim 27:7 e Nehemiah 8:10
5 – A Cabalá Luriânica ensina que as criaturas que aparecem
mais abaixo na cadeia alimentar se originam de um nível que na verdade
é mais elevado. Suas origens elevadas lhes permitem viajar para estados
inferiores e distantes porque um fonte mais forte é capaz de enviar
seus descendentes muito mais longe que uma origem mais fraca.
Quando vemos a hierarquia sob essa perspectiva, descobrimos que a origem
dos animais e vegetação é na verdade mais elevada que
aquela do homem. O homem não é sustentado pela substância
do alimento, mas pela energia Divina dentro dele, as origens espirituais
ali contidas, que na verdade são mais elevadas que ele. Parafraseando
o Salmista, (139:5) “Tu me formaste antes e – apesar disso –
após o restante da criação.”
6 – Segundo a Cabalá, as características de objetos
físicos são um resultado de sua fonte nos reinos espirituais.
Carne vermelha, que já foi a morada de sangue quente, é um
espelho de sua fonte no elemento espiritual do fogo – chamas ardentes,
que correspondem a um anseio apaixonado por uma existência mais elevada.
Num reino em que a dimensão fundamental é um anseio por uma
verdade além de seu estado atual, há menos foco em iluminar
a realidade atual, que deixa muito espaço para a falha daqueles que
estão nas laterais. Portanto, carne de luxúria, na periferia
da alimentação inteligente e concentrada, é muito mais
propensa a falhar, e arrastar seu consumidor em vez de ser elevada por ele.
Se, no entanto, quando ao comer a carne a pessoa mantém o foco, e
consegue converter e domar a carne para aumentar seu serviço unicamente
humano a D’us, então as chamas ardentes inerentes na carne
se traduzem num amor apaixonado a D’us, um amor muito maior do que
alguém poderia atingir através de domar alimentos baseados
em vegetais “frios”. Veja Licutê Torah (AR) Be’haalotechá
31 d, V’zos Habracha 97 d.
7 – Alternativamente, alguns explicam que os animais se tornaram mais
refinados, tornando possível sua elevação. Veja Ohr
Hatorah (TT) Bereshit vol. 3, pág. 1270.
8 – A mudança de potencial que o Dilúvio provocou é
expressa no arco-íris, o sinal do pacto de que D’us nunca mais
destruiria o mundo (Bereshit 9:15). A densidade espiritual da matéria
pré-Dilúvio estava refletida em suas propriedades físicas.
O vapor de água pré-Dilúvio era muito grosseiro para
permitir que a luz passasse por ele e criasse um arco-íris. Somente
após os efeitos refinadores do Dilúvio, a umidade na atmosfera
pôde refratar a luz do sol e formar o arco-íris.
O arco-íris também simboliza a nova humanidade. A umidade
sobe da terra, capta a luz do sol, e cria um arco-íris. Isso representa
a capacidade do homem de contribuir para a criação além
de seu estado natural, para produzir novas paisagens de beleza e cor.
9 – Pessachim 49 b.
10 – Chulin 84 a. |