|
Éramos
muito pobres. Minha família estava longe de ser rica e havia muitas
coisas além das essenciais que simplesmente vivíamos sem
tê-las. A única coisa estranha sobre aquela situação
é que nunca soube que tinha crescido pobre até viver em
Los Angeles, já adulto. Assim que cheguei e me estabeleci, meus
vizinhos viviam gritando: “Ross, você nasceu pobre, admita!”.
Não estava surpreso. Los Angeles torna-se um local confuso.
Minha cidade natal, Walnut Creek, é agora um subúrbio com
64 mil pessoas ricas e muitas livrarias. Quando me mudei para lá
com meus pais, em 1963, era uma cidade muito pacata e pequena, com 15
mil habitantes. As casas eram baratas, e jovens casais conseguiam comprar
sua primeira casa. Foi o que meus pais fizeram; compraram uma com 3 quartos
e 2 banheiros, pela soma ultrajante de U$ 26.950. Hoje em dia, em Los
Angeles você pode se considerar sortudo se puder dar mais ou menos
esta quantia como sinal para comprar uma casa.
Meu pai era a única fonte de sustento para minha mãe e nós,
cinco crianças. Vivíamos com o necessário. Raramente
fazíamos compras de roupas e se fazíamos era quando havia
liquidação na J.C. Penney no centro da cidade de Walnut
Creek. E até naquelas liquidações, meu pai primeiro
verificava o que estava com os preços mais baratos para depois
ir para o que chamamos afetuosamente de "Mesa de Desconto da Betty."
Os passeios para comprar roupas eram tão raros que, certa vez,
na quinta série, percebi através da porta de vidro da escola
que minhas calça de veludo marrom, as calças que mais amava,
estavam quatro dedos acima da canela. De repente, começou a fazer
sentido o que todas as outras crianças viviam me dizendo: “A
inundação vem vindo!” A primeira pergunta que fiz
a minha mãe quando cheguei em casa da escola foi, "Está
tendo liquidação em Penney agora?”
Eu tive uma "grande" festa de aniversário. Quando estava
na quarta série. Na maior parte dos outros anos, minha mãe
desenhava um cartaz de “Feliz aniversário” e pendurava
no corredor da casa. Os presentes de aniversário ou de Chanuca
não chegavam perto dos brinquedos “da moda” que passavam
na TV. Às vezes, quando a situação estava realmente
difícil, minha mãe embrulhava um de nossos próprios
brinquedos e nos dava como um presente. Até hoje ainda imagino
se minha mãe sabia que percebíamos que era o brinquedo usado
que ganhávamos.
Eu ganhei somente uma bicicleta em minha vida inteira, até entrar
na faculdade: usada, preta, sem nenhuma velocidade especial, com cesto
para pôr livros, enferrujada atrás. Meus familiares nunca
nos compraram novas bicicletas, mas quem se importa? Nós nos divertíamos
procurando anúncios de bicicletas usadas e baratas e saindo para
fazer um “test drive”.
Para o meu bar mitsvá eu estava realmente "limpo." Ganhei
um terno novo comprado na liquidação por $29.99 (um bom
negócio para o ano de 1976!), e um total de $35, do qual $25 estava
guardado e eu perdi. (Encontrei uns 13 anos mais tarde, quando era um
aluno sedento da faculdade de direito. Pensei que era o homem mais rico
do mundo.) A recepção foi simplesmente num sábado
normal "oneg" e na sinagoga tinha um bolo que meus pais compraram
que dizia, "Mazal Tov, Ross!" Era isso. Fim do bar mitsvá.
Comecei a trabalhar aos 11 anos vendendo jornal da Tribuna de Oakland
aos passageiros que saiam do trem na estação de Hill Bart.
Era ótimo, sendo meu primeiro trabalho. Eu sempre comparecia fizesse
chuva ou sol, congelando de frio (o que acontecia frequentemente) ou num
calor sufocante, de segunda a sexta. Trabalhei durante a escola, a faculdade
de direito e todos os dias desde lá.
Agora alguns de vocês podem estar dizendo, "Pobre coitado!
Tendo que trabalhar desde os 11 anos e tendo seus brinquedos reembrulhados”
Mas eu não vejo deste modo. Vejo todas aquelas "limitações
econômicas" com um grande "e daí? " Eu não
era privado de nada. Era só uma criança normal que cresceu
em Walnut Creek no ano de 1970 e que vestia "calças inundadas"
Nunca fui privado de nada e nem me sentia menor que os outros. Não
chore por mim, Argentina.
Então vim para Los Angeles. Terra dos mais ricos, casa dos prazeres.
De repente, me achei examinando novamente as realidades econômicas
de minha infância. E vi crianças tendo grandes festas de
aniversário todo ano, começando no 1º ano! Cada festa da
família era mais extravagante e fantástica que a próxima,
como se houvesse alguma competição ou campeonato para a
melhor e mais incrível celebração. Havia centenas
de balões que pareciam competir com os de uma convenção
política nacional, enfeites em forma de Lua, o palhaço ou
o mágico e o bolo com muitas coberturas decoradas de acordo com
as especificações e desejos da criança, era tudo
exagerado!
Essa exibição constante de crianças favorecidas com
tudo o que quiserem me fez pensar que talvez Los Angeles estava certa.
Talvez eu tenha crescido pobre mesmo!
Então tornei-me religioso e pensei que finalmente poderia ter alguma
perspectiva em relação a este assunto. E tive. Aprendi que
a Torá é o aprendizado da humildade perante D’us.
Que Moisés foi honrado com o título de ser "o mais
humilde dos homens." Que os maiores rabinos na história, como
o Chafetz Chaim, foram pobres suas vidas inteiras e mesmo assim são
considerados grandes homens nos dias de hoje. Que todo ano em Sucot celebramos
o ato de nos livrarmos de todo nosso lado material para lembrarmos que
a fonte de tudo que possuímos vem de D’us. Mas eu também
descobri que até a comunidade judaica adotou noções
seculares de como “celebrar" festas e aniversários para
as crianças. Nós também fomos mordidos pelo “lado
material”.
As coisas mudam, e nem sempre para melhor. Da mesma maneira que Walnut
Creek se foi, o J.C. Penney foi substituído por um Nordstrom, uma
loja com uma imagem muito maior do que a antiga, os tipos de festas de
aniversário de criança e as festas de bar/bat mitsvá
de minha "época" mudaram muito. Havia uma beleza definida
pela simplicidade e admiração na minha infância e
em tudo ao seu redor. Era mais uma infância de sonhos e imaginação
do que de expectativas materiais. Não existia TV em 3D e jogos
eletrônicos, então o mundo que visitávamos e brincávamos
era criado por nós mesmos em nossos quintais. Você gostava
mais das coisas porque não existiam coisas melhores do que as que
já existiam. Mas tínhamos o suficiente. Mais do que o suficiente.
O desafio de hoje não é providenciar o suficiente para nossos
filhos e sim convencê-los de que têm o suficiente. Tenho sorte,
pois meus pais viveram durante o período da Depressão. Meu
pai lutou na Segunda Guerra Mundial e meus familiares são sobreviventes
do campo de concentração. Pelo fato de terem uma mentalidade
que reflete a gratidão desde pequenos, eles nos criaram, a mim
e a minha esposa com esse mesmo senso de gratidão. É claro
que sabíamos que outras pessoas tinham mais do que a gente, mas,
por alguma razão, isto nunca nos incomodou. Nem fez com que nossos
pais tentassem viver além de suas possibilidades.
Perdemos a compreensão de desvalorizar as coisas materiais e, ao
invés disso, elevamos e até veneramos as riquezas.
Quando uma criança de 12 ou 13 anos de idade precisa de uma mega
festa em um super hotel com uma super banda para entrar em contato com
as novas responsabilidades descobertas em relação as mitsvot
de D’us, está na hora de rever nossos conceitos. Alguns rabinos
importantes fixaram diretrizes limitando extravagâncias. Mas, estamos
seguindo estas diretrizes? Ou temos medo de ficar para trás em
relação ao que é ditado ou imposto pela moda hoje
em dia?
Nossos Sábios formularam uma profunda questão: "Quem
é feliz?" A resposta não é a pessoa que possui
mais, e sim a que está satisfeita com o que tem (Ética dos
Pais, 4:1).
Como um Povo, precisamos rever este princípio tão sábio
e importante, e ensiná-lo a nossos filhos. E somos nós,
os adultos que devemos fazer isso, dando o exemplo. Nós é
que damos o tom para os valores das nossas crianças.
|