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  A Trajetória de Galileo  
 
por Bella Schapiro – em Chabad.org
 

Há três semanas, fizeram um funeral para Galileo. Bem, não exatamente um funeral, foi mais uma celebração de despedida, um tributo por centenas de pessoas que tinham passado anos trabalhando com ele. Ali havia tristeza, mas também gratidão, por tudo que Galileo tinha realizado. Como expressou Dra. Cláudia Alexander, uma amiga íntima, Galileo "valia seu peso em ouro".

Tamanha atenção e nostalgia poderiam nos fazer pensar que Galileo foi uma daquelas criaturas de comportamento perfeito, seguindo impecavelmente o programa prescrito. Bem, na verdade não. De fato, Galileo não cooperou desde o começo, e a partir dali foi piorando.

A sonda espacial da NASA, Galileo, foi concebida em 1977 e programada para lançamento em 1982, porém a decolagem foi adiada repetidas vezes, primeiro por dificuldades técnicas e depois pelo desastre da Challenger. Finalmente, em 1989, Galileo foi acoplada à nave Atlantis e enviada ao espaço. A mudança de planos necessitava de uma rota alternativa, pela qual demorou seis anos para atingir o planeta Júpiter, em vez dos dois e meio originalmente planejados.

Quando a equipe de controle finalmente o teve, em 1995, onde o queriam – circulando na órbita de Júpiter – eles perceberam que Galileo não conseguiria transmitir suas descobertas porque sua antena principal não tinha se aberto. A certa altura ele foi sujeito a uma radiação tão intensa que seu gravador parou por completo. Estas dificuldades iniciais parecem indicar que os bilhões de dólares empregados em Galileo de nada serviram, e sua missão seria um fracasso.

Então, por que o entusiasmo quando os amigos de Galileo se reuniram num laboratório em Pasadena a 21 de setembro de 2003 para ouvirem seu último sinal de rádio enquanto ele mergulhava na atmosfera de Júpiter? Porque, em toda a história da exploração espacial, Galileo é contada entre as missões de satélite mais bem sucedidas. Sua jornada de 14 anos foi abalada por uma crise após a outra, mas de alguma forma, foi encontrada uma maneira de superá-las.

Por fim, ele realmente chegou ao seu destino, foi estabelecida uma data alternativa para o sistema de transmissão de dados, e seus controladores conseguiram consertar aquele gravador quebrado, ligando e desligando-o dezenas de vezes. Quando a missão chegou ao fim, Galileo tinha nos enviado 14.000 fotos (muitas delas impressionantes, que redefiniram nossa visão do espaço), descobriu incríveis fenômenos nas quatro luas mais importantes de Júpiter, testemunhou uma colisão de cometas, descobriu o primeiro asteróide com sua própria lua – "informação inestimável" – nas palavras de um cientista, "do tipo que faz avançar o nosso conhecimento".

Ora, não sou Galileo, mas de certa forma é reconfortante pensar num sujeitinho voando cegamente em torno de nosso sistema solar a 12 mil quilômetros por hora, na maior parte do tempo em direções que parecem ser opostas ao seu destino, sendo atingido por radiação e sabendo apenas quando se proteger e desligar todos os seus sistemas – e na verdade conseguindo fazer muitas coisas úteis.

E os cientistas não são D’us, mas é reconfortante pensar num bando de caras dando um empurrãozinho para colocar a nave espacial numa órbita mais elevada, reprogramando sistemas a milhões de quilômetros de distância em maneiras que jamais foram sequer planejadas, e enviando toques eletrônicos para desenroscar um pedaço crucial de fita. Pensar neles encontrando complicações intermináveis com a sua criação, e mesmo assim amando-a mais por causa disso.
E quando eu penso sobre o alheio Galileo, insensível às colisões que quase ocorreram com a lua (como eu disse, não sou Galileo, portanto estou sempre colidindo com luas, não apenas me desviando), impressionado pelas súbitas mudanças em sua trajetória, e entontecido por choques que não parecem vir de lugar algum, sinto uma espécie de empatia. Mas sinto também uma certa alegria, porque apesar disso tudo, ou melhor, por causa disso, Galileo saiu-se melhor que as nossas expectativas, e embora Galileo permaneça para sempre desinformado sobre as cuidadosas manipulações de seu percurso, de repente, eu estou.

E quando penso sobre os cientistas, fazendo tudo ao seu alcance para que a missão fosse bem sucedida, e de fato conseguindo coisas maravilhosas para a ciência e o conhecimento, e então percebendo, finalmente (como eu disse, eles não são D’us) que nem todos os obstáculos são transponíveis e a missão chegou ao fim com a colisão de Galileo com Júpiter, sinto uma espécie de simpatia.

Mas sinto também alegria, pois os cientistas me mostraram a mão invisível que orienta meu caminho, e que com tudo que eles fizeram, seus poderes são limitados, porque eles não são D’us. Mas D’us é.

 

 

 
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