por Rabino Tzvi Freeman    
  Terminando o trabalho  
índice
   
 

Lágrimas, sangue e almas... Então, meu filho, valeu a pena?

Foi entre Pêssach e Shavuot de 1945, quando as Forças Aliadas liberavam os campos, que as notícias do que havia realmente acontecido chegaram da Europa. Yizcor (serviço memorial para as almas dos entes queridos que partiram) daquele Shavuot, as sinagogas estavam lotadas. Não posso, não quero, imaginar.

Reb Mordechai, o Guerer Rebe, fora miraculosamente salvo. "Rebe" - perguntei-lhe - "E agora?"

"Olhe a ordem das leituras da Torá agora mesmo" - replicou ele - "e terá uma resposta."

Esta é a ordem das Porções da Torá: Acharei Mot, Kedoshim, Emor, Behar, Bechucotai Telechu. A tradução é a seguinte: "Após a morte dos santos, proclame do alto de uma montanha: 'Em Meus estatutos seguirás.'"


Elas contam uma história sobre nós, a geração que foi feita órfã. Eles a contaram naquela época - agora é ainda mais verdadeira pois, aparentemente, até mesmo aqueles tsadikim (justos) que sobreviveram nos deixaram para trás.

Houve um garoto que ficou órfão de mãe ao nascer. O pai estava ocupado, cavando o sustento, e tinha pouco tempo para seu único filho. O menino, então, cresceu como a erva do campo, selvagem e indomado. Ninguém conseguia mantê-lo na escola - em vez disso, ele aprendia nas ruas.

Quando o menino chegou à idade de bar mitsvá, o pai percebeu que havia apenas uma coisa que poderia fazer.

Naquele dia, pediu ao filho que o acompanhasse. Em silêncio, foram até o cemitério judeu, parando perto de um túmulo que parecia-se exatamente com qualquer outro.

"Aqui está sua mãe" - disse o pai. "E agora, vou contar-lhe a história."

Lenta e deliberadamente, ele falou. "Amei muito sua mãe, mas ficamos muitos anos sem filhos. Finalmente, após muitas preces, ela conseguiu carregar um bebê por nove meses. Mas então, enquanto ela estava na mesa de parto, as coisas tornaram-se difíceis. O médico tentou, mas finalmente voltou-se para mim, pálido e assustado, e disse-me que teríamos de fazer uma escolha."

"Minha boca não se moveu, minha mente não funcionava. Não conseguia responder. Mas sua mãe o fez. Ela disse ao médico que a criança deveria viver."

O tempo todo, enquanto falava estas palavras, o pai fitava o túmulo diante de si. Virou-se então para o filho, olhou dentro de seus olhos, e falou com toda a sinceridade. "Então, meu filho, valeu a pena?"


Somos todos filhos de mártires. Uma centena, ou mais, de gerações de mártires.

Eles falam sobre o holocausto como se fosse uma questão de números. "Quantos" e "Qual é o número?"

Nossos avós não eram números. Eles não viajaram em trens para os campos, como gado. O gado não canta ao ir para o matadouro. Não "Ani ma'amin b'emuna shelema beviat hamashiach! Creio com fé perfeita que Mashiach virá. E embora ele esteja demorando, mesmo assim espero por ele a cada dia!"

Isso é o que eles cantavam. Trens inteiros lotados.

E quando eles paravam, esperando para morrer, apontavam para o céu e diziam aos filhos: "É para lá que estamos indo. Para Olam Habá, o Mundo Vindouro."

Não foi apenas nesta ocasião. A cada vez que as coisas ficavam difíceis para os judeus, o âmago aflorava. A essência interior de que trata o judaísmo. Quando os judeus foram expulsos da Espanha, Dom Isaac Abrabanel disse-lhes: "Estas são as dores do nascimento de Mashiach!" E se ele não o tivesse repetido muitas e muitas vezes, poderia não haver judeus hoje. Seja nos pogroms russos, a revolta cossaca, a Expulsão da Espanha, as Cruzadas, a destruição de Jerusalém - todas estas vezes e mais, a cada vez eles clamaram: "Estas são as dores do nascimento de Mashiach." E isso fez valer a pena para eles. E quando Mashiach não chegou, eles conseguiram. Porque seus filhos continuariam seu caminho, e Mashiach viria para seus filhos.

Não apenas na morte, como também na vida. Quando seus bisavós recitaram Shemá Yisrael, pela manhã e à noite, o que queriam dizer com isso? Seu simples significado, é claro. O significado que aprenderam quando foram pela primeira vez ao Chêder e aprenderam Chumash com Rashi e lhes foi dito: "Escute, povo judeu! O Eterno, que é apenas nosso D'us agora, será o Único D'us para toda humanidade no futuro."

Viveram daquela maneira, e morreram com aquelas palavras nos lábios.

Porém aconteceu uma coisa estranha e passamos por este período de rejeição, uma espécie de adolescência. Não sei ao certo quem provou que nossos pais eram tolos, se foi Newton ou Darwin, ou Sigmund Freud. De alguma forma, decidimos que somos mais espertos que eles. Nem sei claramente como provamos que Olam Habá não existe realmente, e que D'us jamais nos deu uma missão no Monte Sinai. De alguma forma, foi concordado que com os ideais modernos, universais, poderíamos nos aproximar de D'us muito mais racionalmente - se é que Ele existe. O esclarecimento não era mais uma busca pela alma, mas uma função de matéria cinzenta no crânio.

Houve uma geração do filho sábio, depois a do filho rebelde, então o filho simples que nada tinha para se rebelar, então um filho que não sabia o que pedir para começar. E então ficamos órfãos. Tornamo-nos o quinto filho - aquele que nem ao menos sabe que há um Sêder para ir.

Foi quando ocorreu um evento miraculoso. Aquela geração órfã começou a cantar as mesmas coisas que seus bisavós tinham cantado, mas num idioma estrangeiro, em um contexto diferente. Falavam sobre uma Nova Era, e foram em busca da espiritualidade da qual haviam sido afastados.

Portanto, onde foram para procurar? Aos gurus e ashrams, aos budistas, aos hindus, ao Tao. E por que estes povos têm uma riqueza de espírito, nutrição para a alma? Porque eles não rejeitaram os ensinamentos, as tradições, os rituais, a alma de seus mestres e pais. Abraçaram-nos e passaram-nos adiante com orgulho e com humildade. E assim o judeu órfão, o filho da rebelião e da rejeição, vai até eles para alimentar sua alma faminta.


As pessoas estão discutindo atualmente sobre o que é o judaísmo, o que é válido, até onde se pode ir. Uma coisa eu não vejo ninguém debater: o judaísmo é uma tradição, e uma tradição certamente quer dizer aquelas coisas pelas quais seus pais e avós e os pais deles - por milênios - viveram e morreram, e você as leva adiante por eles.

A experiência terminou. É hora de crescer. Hora de parar de se rebelar e dizer: "Deixe-me olhar para tudo que meus avós me deixaram, esta assombrosa e maravilhosa estrutura que construíram com lágrimas, com sangue, com suas almas, e deixe-me ver onde posso me encaixar nisso."

Não "o que podemos acrescentar a isso." Não "o que eles esqueceram e somente nós sabemos." Mas sim, em reverência e respeito, com orgulho e com a humildade de saber quem verdadeiramente somos. Dizer: "Onde posso me encaixar?"

E eu lhe direi onde nos encaixamos:

Nossos avós tinham um sonho. Fizeram tudo porque acreditaram que o sonho um dia se tornaria realidade. Apontaram para o céu e disseram: "Olam Habá!"

Somos aqueles que tornaremos o sonho real. Somos aqueles que não mais apontaremos para o céu, porque faremos Olam Habá aqui na terra.

Uma tarefa gigantesca. Se somos os órfãos, como podemos atingir aquilo que eles jamais conseguiram?

Porém nossos avós e os pais deles e todas aquelas gerações - ainda estão conosco. Eles são os gigantes e nós somos os anões sobre os ombros deles. Eles nos seguram a mão e nos guiam, e imploram: "Apenas façam as mesmas coisas que fizemos. Mostrem que é realmente verdade, que é tão verdadeiro em sua época como era na nossa. Que tudo aquilo que fizemos valeu a pena."

Um trabalho simples, em uma época difícil. Mas eles estão segurando nossa mão.

Agora, imagine para si mesmo uma corrida de revezamento, com gigantes passando uma tocha um para o outro por milhares de anos através de cada terreno, através de cada desafio possível. E então, assim que o último gigante aproxima-se da linha de chegada, curva-se para nós, o pequeno povo que estava bem atrás, agarrado a suas franjas e ele diz: "Aqui está, pegue a tocha. Estarei com você, mas quero que você seja daquele que terminam a corrida."

Faremos valer a pena para eles. Não os desapontaremos.

   
top