Por Dina Coopersmith  
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  Além da superfície  
 
 

Talvez você já tenha visto mulheres na rua ou em locais de trabalho cobrindo mais que o habitual, usando saias longas, por exemplo, ou blusas com mangas abaixo do cotovelo.

De que se trata? É a ditadura da moda? Questão religiosa? Ou alguma tendência feminista pós-moderna?

Em todas as culturas, as roupas são uma exigência básica. Mesmo nas quentes florestas da África, os habitantes usam algum tipo mínimo de vestimentas. Em nenhum lugar, porém, os animais se cobrem. Por quê? Qual a relação entre seres humanos e roupas no decorrer dos tempos e em todas as culturas? A verdade é que nem sempre foi assim. Houve uma época na qual os seres humanos não vestiam roupa alguma, embora por um período muito curto. Adam e Eva, antes do pecado, passeavam nus pelo Jardim do Éden.

"E estavam ambos nus, o homem e sua mulher, e não estavam envergonhados. "(Bereshit 2:25).

Depois do pecado, porém, ocorreu uma mudança em seus sentimentos sobre as roupas (ou sobre a falta delas):

"E seus olhos se abriram, e eles sabiam que estavam nus, e usaram folhas de figo... "(Bereshit 3:7).

O que provocou esta mudança de atitude quanto o "ao natural"? O que causou a necessidade de se cobrir? A resposta está enraizada no entendimento do pecado de Adam e Eva. Segundo os comentaristas, ao comer o fruto da Árvore do Conhecimento, a tendência a fazer o mal foi interiorizada na psique humana. Previamente, o homem e a mulher tinham uma opção intelectual entre o bem e o mal, mas o mal estava fora do corpo, uma questão filosófica, não um impulso interior ou um desejo emocional.

Antes do pecado, a alma da pessoa expressava-se por meio do corpo. Corpo e alma estavam em mútua consonância. Por exemplo, quando a alma desejava rezar a D'us, o corpo levantava-se cedo e rezava. Quando a alma queria estudar e crescer mais eficazmente, o corpo ingeria alimentos saudáveis e cuidava de si mesmo, para fornecer o combustível e energia necessários para a tarefa exigida.

Corpo x alma

Agora, na era pós-pecado, existe uma dicotomia. Quase uma esquizofrenia. A alma deseja rezar, o corpo resmunga, vira de lado e desliga o despertador. A alma esforça-se para se aperfeiçoar, o corpo quer comer bolo de chocolate, assistir à TV e ir à praia!

O corpo não está mais a serviço da alma, não corre mais para cumprir sua ordem. Não somente o corpo não é um reflexo da alma, como estão agora trabalhando com objetivos opostos. Mas o que tem isso tudo a ver com roupas, recato e cobrir-se?

Quando Adam e Eva estavam no Jardim do Éden, seus corpos eram um espelho de suas almas, não havia necessidade de esconder uma expressão tão pura e inocente da espiritualidade de uma pessoa, da imagem de D'us dentro de um ser humano. Contudo, assim que o mal se integrou ao homem, o corpo passou a representar algo essencialmente contrário à alma. Olhar para o corpo podia agora distrair o observador de concentrar-se em seu ser interior, e em vez disso concentrar-se no físico, no externo e no superficial. Tornou-se necessário desenfatizar o físico, a fim de enfatizar o espiritual, cobrir o corpo para deixar que a alma brilhasse através dele.

Sobre recato

Por que aparentemente o recato se aplica mais às mulheres que aos homens? Esta desarmonia entre corpo e alma não se aplica igualmente tanto a homens quanto a mulheres? Sim. De fato, o recato aplica-se a todos:

"(D'us) te diz, homem, o que Ele quer de ti, nada além de ser justo, ter bondade e caminhar modestamente com teu D'us." (Micha 6:8)

"... E com os recatados está a sabedoria." (Mishlê 11:2)

No judaísmo, os atos mais heróicos foram realizados em particular, sem alarde, publicidade ou exibição - qualidades que representam a essência do recato.

Por exemplo, o quase-sacrifício de Yitschac por Avraham, e a luta de Yaacov com o anjo foram ambos eventos que - embora assinalassem a síntese da vida dos Patriarcas - ocorreram quando eles estavam longe dos olhos do público. Apesar disso, quando o recato envolve o tema de vestir e cobrir-se, tem desdobramentos mais sérios para o gênero feminino, como tem também, de modo bem interessante, para os eruditos de Torá e para o Tabernáculo, o local de repouso de D'us no deserto.

Os eruditos de Torá deveriam ser extremamente recatados nas vestes e no comportamento. (Derech Eretz Zuta 7)

A partir do dia em que foi construído o Tabernáculo, D'us disse: 'O recato é apropriado.' (Tanchuma, Bamidbar 3)

O que as mulheres, os eruditos de Torá e o Tabernáculo têm em comum?

Os eruditos de Torá são seres humanos a quem é concedido um grau de respeito por parte do público, devido ao seu imenso conhecimento de Torá. Como representam a palavra de D'us na terra, ou a santidade, merecem todo o respeito. Entretanto, se somos levados por seu carisma, boa aparência, talentos de oratória, e como resultado, não somos capazes de discernir sua santidade interior, estamos essencialmente engajados em idolatria, por nossa reverência inoportuna.

Portanto, os eruditos de Torá têm a obrigação de serem extremamente recatados, para que não sejamos distraídos por sua aparência e comportamento externos, os quais, se dominantes, poderiam obscurecer sua essência interior.

Similarmente, o Tabernáculo representa a moradia de D'us na terra. Seus utensílios e estrutura eram feitos do material mais fino - ouro, prata, cobre, lindos tecidos. Se víssemos este templo como um mero edifício - sem conteúdo espiritual - estaríamos servindo a madeira e a pedra, distorcendo a realidade e o propósito para o qual o Tabernáculo foi construído.

Todos os utensílios, portanto, exigiam revestimentos para encobrir o ofuscante luxo exterior, de forma a permitir-nos ver a espiritualidade sob a superfície.

As mulheres

E é aqui que entram as mulheres.

As mulheres, segundo o judaísmo, possuem um traço especial denominado biná, traduzido aproximadamente como "profunda compreensão." Na Torá, as mulheres são exemplificadas como tendo um rico mundo interior, possuindo um poder único de influenciar o caráter das pessoas; são descritas como tendo discernimento e percepção além da lógica, fatos externos e fachadas superficiais.

Se as mulheres são observadas externamente, sem o caráter e espiritualidade, são privadas de seu dom e força singulares. Existe o perigo de que sejam degradadas e transformadas em objetos. De fato, vemos que as culturas que admiram as mulheres basicamente por suas características físicas, em última análise as degradam e tiram vantagem delas. Tendo em vista esta perigosa possibilidade - combinada a uma forte tendência entre os homens de perceber o físico e externo, e de serem estimulados visualmente - as mulheres fariam bem se não enfatizassem tanto o corpo, a fim de realçar aquela que é sua verdadeira beleza: sua força interior, sua alma.

"Toda a honra da filha do Rei é interior." (Tehilim 45:14)

Obviamente, nada disso implica que as mulheres não devam parecer bonitas.

De fato, uma vez que o físico não esteja distraindo, e que a santidade interior seja notada, é uma mitsvá glorificar o recipiente para a santidade, aquela representação de espiritualidade.

Assim como o Tabernáculo era estonteantemente atraente, e um erudito de Torá é ordenado a considerar sua aparência física uma prioridade, assim também a mulher, um recipiente óbvio para uma rica e potente essência interior, é ainda mais realçada por um belo exterior. Um recipiente imbuído de conteúdo espiritual. Não uma concha vazia.

 

 

 
   
       
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