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início de 1950, Rabi Menachem Mendel Schneerson, o Rebe de Lubavitch,
de abençoada memória, enviou vários rabinos e suas
famílias a locais do mundo inteiro na missão de ajudar a
orientar judeus que tinham se afastado de suas raízes a voltarem
para uma vida de Torá. Estes primeiros emissários plantaram
as sementes de um movimento que floresceu na maior organização
de divulgação judaica no mundo. Estes homens e mulheres
abnegados introduziram incontáveis programas educacionais que têm
ajudado centenas de milhares de judeus a redescobrirem suas raízes
e tradições. Eu não tinha a menor idéia de
que 50 anos após o primeiro emissário deixar as confortáveis
redondezas de Crown Heights, Nova York, a esperança e visão
do Rebe para os judeus do mundo ajudaria as sementes espirituais da Torá
a brotarem em minha própria família.
Quando eu era um garoto crescendo em Connecticut, minha família
não tinha muito dinheiro, mas o que não faltava era amor
e afeição. Meu pai e eu sempre tivemos um relacionamento
forte e especial. Desde cedo, fazíamos tudo juntos. Ele ensinou-me
a andar de bicicleta no gramado da nossa casa. Ensinou-me como andar em
linha reta ao usar o cortador de grama. Colocou uma cesta de basquete
num velho carvalho no quintal e ensinou-me a arte de encestar. Mais tarde,
quando me tornei proprietário de uma casa, ele mostrou-me como
consertar uma torneira com vazamento, instalar um triturador de lixo e
a pintar a parte externa da casa.
Minha vida está repleta de lembranças do meu pai ensinando-me
os segredos que um filho precisa saber para navegar pelos mares da vida.
Enquanto escrevia este artigo, completei meus 50 anos, e Papai está
com 76. Olhando em retrospecto para nossa jornada, a única coisa
da qual não consigo lembrar-me é meu pai e eu indo à
sinagoga no Shabat. Quando criança, lembro-me de ir à sinagoga
em Yom Kipur, sei que desempenhei bem o papel de Mordechai numa peça
de Purim e Papai certamente estava presente ao meu bar mitsvá.
Mas além dessas lembranças, não me lembro de jamais
termos ido à sinagoga no Shabat.
Em 1983 mudei-me para Palm Springs, na Califórnia, e um amigo me
apresentou a um jovem rabino, Yonason Denebeim. Foi Rabino Denebeim quem
primeiro plantou as sementes espirituais que terminariam por brotar e
florescer dentro de mim, muitos anos mais tarde. Durante todo o tempo
que vivi em Palm Springs,
Papai e eu nunca fomos juntos à sinagoga. Quando me mudei para
Wilmington, Delaware, Rabi Chuni Vogel carinhosamente cultivou as sementes
espirituais que Rabino Denebeim tinha alimentado durante boa parte daqueles
dez anos. Minha viagem a Delaware despertou uma consciência e alegria
espirituais que antes eu julgara impossíveis. Durante todo aquele
tempo, Papai e eu nunca fomos juntos à sinagoga. Quando lhe perguntava
se gostaria de ir comigo, ele dizia que apoiava minha jornada espiritual,
mas sua experiência na sinagoga quando menino o deixara com uma
lembrança negativa e ele não queria ir, e não gostaria
que eu o pressionasse.
Respeitando os desejos de meu pai, eu não o forcei.
Quando nos mudamos para Salem, no Oregon, perguntei se ele queria ir à
sinagoga comigo para conhecer Rabino Wilhelm. Mais uma vez, ele recusou
educadamente. Embora eu ficasse desapontado, eu sabia que a vida é
uma jornada, e que as coisas podem mudar dramaticamente na próxima
curva. Se eu tinha aprendido alguma coisa com os Rabinos de Chabad que
conhecera, é que cada qual viaja à sua própria velocidade,
e é preciso ter paciência, bem como interesse.
Portanto, esperei pela ocasião em que Papai e eu iríamos
juntos à sinagoga, e ele poderia sentir a alegria e realização
que eu tinha descoberto com o passar dos anos.
Quando nos mudamos para Reno, Nevada, minha jornada levou-me aos degraus
de Chabad ao Norte de Nevada, e conheci Rabino Mendel Cunin. Como meus
pais passavam os verões conosco, estão expostos a diversas
atividades patrocinadas por Chabad. Às vezes eles comparecem e
outras não, mas o Rabino sempre os convida. Além disso,
devido à presença deles em nossa casa, eles assistem passiva
ou ativamente as atividades judaicas em casa, i.e., recitar kidush antes
do jantar na sexta-feira à noite, colocar tefilin pela manhã,
ir a pé até a sinagoga no Shabat, acender as velas do Shabat
e outras mais.
Durante sua última visita, estávamos todos sentados ao redor
da mesa do Shabat numa sexta-feira à noite quando Papai disse que
gostaria de ir comigo à sinagoga na manhã seguinte. Falou
que tinha apenas uma condição, não queria uma Aliyah.
Ele disse que estava contente por ir, mas que sob nenhuma circunstância
queria ficar de pé na frente da multidão e ter de fazer
alguma coisa. Percebendo que aquilo tudo fazia parte da jornada, concordei.
Na manhã seguinte saímos de casa, descemos a rua e chegamos
à sinagoga alguns minutos antes do início dos serviços.
Assim que passamos pela porta, comuniquei ao Rabino os desejos de meu
pai e ele concordou. À medida que a reza da manhã prosseguia,
fiquei aborrecido por verificar que o serviço não somente
seria um dos mais longos do ano porque a Parashá era a mais longa
do ano, mas também porque abençoaríamos o novo mês.
Como esta era a primeira vez que Papai entrava numa sinagoga em muito
tempo, fiquei preocupado que o serviço longo não fosse algo
positivo para sua experiência, e esta seria sua última visita.
Para completar tudo isso, quando voltamos para casa a temperatura estava
em torno de 30 graus.
Pensei então: não vai mais haver serviços de Shabat
para Papai. Durante o almoço, ele declarou que achava ter se saído
muito bem para uma primeira vez, e estava confiante de se sair ainda melhor
na próxima semana. "Próxima semana!" – minha
mente gritou! Eu não achava que haveria um próximo ano,
que dirá uma próxima semana. Para encurtar a história,
a semana seguinte se transformou em muitas semanas à medida que
o verão progredia. Todo sábado pela manhã descíamos
juntos a rua, caminhávamos até a sinagoga e Papai cumprimentava
Morris com um Bom Shabat, e Ken com um Bom Shabat, e Aharon com um Bom
Shabat, e então se sentava.
Enquanto os homens iam até a bimá recitar a bênção
antes da leitura da Torá, eu olhava e via Papai lendo as bênçãos
em seu Chumash. Algumas semanas depois, entreouvi Papai praticando as
bênçãos em voz alta no quarto. Entrei correndo e gritei:
"Você é um trapaceiro, você é um trapaceiro."
Sua pronúncia das bênçãos estava perfeita.
Ele me levara a acreditar que não sabia ler bem em hebraico, mas
sua pronúncia estava perfeita. Ficamos ali rindo, e Mamãe
entrou no quarto perguntando por que eu estava levantando a voz. Expliquei
e ela começou a rir também. Eu disse: "Papai, você
me disse para não forçá-lo, mas você acaba
de ler estas bênçãos tão bem como qualquer
pessoa na sinagoga, e eu gostaria que reconsiderasse sua posição
sobre o assunto." Ele sorriu e respondeu: "Vamos assistir aos
Jogos Olímpicos na TV."
Na semana seguinte, Reno estava celebrando uma ocasião importante.
Há cerca de um ano, nossa congregação tinha encomendado
a criação de uma nova Torá. O sofêr (escriba)
deveria chegar dali a alguns dias com nossa Torá novinha em folha,
e toda a comunidade judaica estava entusiasmada pensando na chegada iminente.
Jamais esquecerei o dia em que o sofêr e a Torá chegaram.
Quando minha família e eu entramos na sinagoga, o local estava
lotado, o jornal da cidade estava presente, e a empolgação
era palpável. Quando o sofêr escreveu a última letra
da Torá, soprou a tinta e levantou-se da cadeira, a congregação
inteira irrompeu numa canção festiva. O restante da noite
passou voando, pois dançamos com a Torá, celebramos e nos
aproximamos como uma comunidade.
Naquela noite ao voltarmos para casa Papai olhou para mim e disse: "Não
posso acreditar o quanto me diverti. Tenho 76 anos e jamais tinha visto
uma noite como esta. Sinto-me realmente à vontade com essa congregação."
Tive de sorrir, porque se eu tinha aprendido alguma coisa com os rabinos
de Chabad naqueles anos todos, é que cada um viaja na sua própria
velocidade em sua jornada espiritual e quando chega a hora de dar o próximo
passo, eles saberão. Olhei para Papai e disse: "Bem, talvez
tenha chegado a hora de sua primeira Aliyah." Ele respondeu: "Talvez
você esteja certo." Aquilo bastava para mim. Fui procurar Rabino
Cunin no dia seguinte e disse-lhe que Papai estava pronto.
Naquela manhã de Shabat acordei repleto de antecipação
e entusiasmo. Quando Papai e eu descemos a rua, conversamos sobre tudo,
exceto sobre a Aliyah. Quando entramos pela porta da sinagoga, Papai cumprimentou
a todos com um Bom Shabat e tomou aquele que se tornara seu assento costumeiro.
À medida que percorríamos a primeira parte do serviço,
meu coração começou a acelerar. Quando finalmente
chegou a hora de ler a Torá, meu coração estava batendo
feito louco. O primeiro homem foi à bimá e recitou as bênçãos,
e o Rabino leu a primeira Aliyah. O segundo homem levantou-se e também
recitou as bênçãos, e o Rabino leu a Aliyah seguinte.
A próxima coisa que ouvi foi Rabino Cunin chamando Moishe Pincus
ben Eleazer à Torá. Papai olhou para mim, levantou-se e
caminhou até a mesa de leitura. Eu o segui e fiquei alguns centímetros
atrás dele para dar-lhe apoio moral. Parecendo um velho profissional,
Papai segurou a ponta do talit, tocou a primeira e a última palavras
da Aliyah, agarrou as alças da Torá e entoou a bênçãos
que os homens judeus têm recitado nos últimos 3.200 anos.
Depois que o Rabino completou a Aliyah, Papai juntou novamente as alças
e entoou a última bênção. Ao terminar, ele
inclinou-se e dando uma piscadinha, disse: "Foi moleza!"
Há mais de 50 anos o Rebe enviou seus primeiros emissários
para plantarem as sementes do Yiddishkei nos corações dos
judeus em todo o mundo. Num Shabat em especial, na "Maior Cidadezinha
do Mundo", uma das milhões de sementes espirituais plantadas
há tanto tempo brotou e aproximou ainda mais uma família
da Torá. Não há dúvida em minha mente que
em algum lugar no Céu, o Rebe e meus orgulhosos avôs Charlie,
Fritz e Lou ergueram um copo e disseram: "L’Chaim!"
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