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  Uma Semente Espiritual  
 
por Steve Hyatt
 

No início de 1950, Rabi Menachem Mendel Schneerson, o Rebe de Lubavitch, de abençoada memória, enviou vários rabinos e suas famílias a locais do mundo inteiro na missão de ajudar a orientar judeus que tinham se afastado de suas raízes a voltarem para uma vida de Torá. Estes primeiros emissários plantaram as sementes de um movimento que floresceu na maior organização de divulgação judaica no mundo. Estes homens e mulheres abnegados introduziram incontáveis programas educacionais que têm ajudado centenas de milhares de judeus a redescobrirem suas raízes e tradições. Eu não tinha a menor idéia de que 50 anos após o primeiro emissário deixar as confortáveis redondezas de Crown Heights, Nova York, a esperança e visão do Rebe para os judeus do mundo ajudaria as sementes espirituais da Torá a brotarem em minha própria família.

Quando eu era um garoto crescendo em Connecticut, minha família não tinha muito dinheiro, mas o que não faltava era amor e afeição. Meu pai e eu sempre tivemos um relacionamento forte e especial. Desde cedo, fazíamos tudo juntos. Ele ensinou-me a andar de bicicleta no gramado da nossa casa. Ensinou-me como andar em linha reta ao usar o cortador de grama. Colocou uma cesta de basquete num velho carvalho no quintal e ensinou-me a arte de encestar. Mais tarde, quando me tornei proprietário de uma casa, ele mostrou-me como consertar uma torneira com vazamento, instalar um triturador de lixo e a pintar a parte externa da casa.

Minha vida está repleta de lembranças do meu pai ensinando-me os segredos que um filho precisa saber para navegar pelos mares da vida. Enquanto escrevia este artigo, completei meus 50 anos, e Papai está com 76. Olhando em retrospecto para nossa jornada, a única coisa da qual não consigo lembrar-me é meu pai e eu indo à sinagoga no Shabat. Quando criança, lembro-me de ir à sinagoga em Yom Kipur, sei que desempenhei bem o papel de Mordechai numa peça de Purim e Papai certamente estava presente ao meu bar mitsvá. Mas além dessas lembranças, não me lembro de jamais termos ido à sinagoga no Shabat.

Em 1983 mudei-me para Palm Springs, na Califórnia, e um amigo me apresentou a um jovem rabino, Yonason Denebeim. Foi Rabino Denebeim quem primeiro plantou as sementes espirituais que terminariam por brotar e florescer dentro de mim, muitos anos mais tarde. Durante todo o tempo que vivi em Palm Springs,

Papai e eu nunca fomos juntos à sinagoga. Quando me mudei para Wilmington, Delaware, Rabi Chuni Vogel carinhosamente cultivou as sementes espirituais que Rabino Denebeim tinha alimentado durante boa parte daqueles dez anos. Minha viagem a Delaware despertou uma consciência e alegria espirituais que antes eu julgara impossíveis. Durante todo aquele tempo, Papai e eu nunca fomos juntos à sinagoga. Quando lhe perguntava se gostaria de ir comigo, ele dizia que apoiava minha jornada espiritual, mas sua experiência na sinagoga quando menino o deixara com uma lembrança negativa e ele não queria ir, e não gostaria que eu o pressionasse.
Respeitando os desejos de meu pai, eu não o forcei.

Quando nos mudamos para Salem, no Oregon, perguntei se ele queria ir à sinagoga comigo para conhecer Rabino Wilhelm. Mais uma vez, ele recusou educadamente. Embora eu ficasse desapontado, eu sabia que a vida é uma jornada, e que as coisas podem mudar dramaticamente na próxima curva. Se eu tinha aprendido alguma coisa com os Rabinos de Chabad que conhecera, é que cada qual viaja à sua própria velocidade, e é preciso ter paciência, bem como interesse.
Portanto, esperei pela ocasião em que Papai e eu iríamos juntos à sinagoga, e ele poderia sentir a alegria e realização que eu tinha descoberto com o passar dos anos.

Quando nos mudamos para Reno, Nevada, minha jornada levou-me aos degraus de Chabad ao Norte de Nevada, e conheci Rabino Mendel Cunin. Como meus pais passavam os verões conosco, estão expostos a diversas atividades patrocinadas por Chabad. Às vezes eles comparecem e outras não, mas o Rabino sempre os convida. Além disso, devido à presença deles em nossa casa, eles assistem passiva ou ativamente as atividades judaicas em casa, i.e., recitar kidush antes do jantar na sexta-feira à noite, colocar tefilin pela manhã, ir a pé até a sinagoga no Shabat, acender as velas do Shabat e outras mais.

Durante sua última visita, estávamos todos sentados ao redor da mesa do Shabat numa sexta-feira à noite quando Papai disse que gostaria de ir comigo à sinagoga na manhã seguinte. Falou que tinha apenas uma condição, não queria uma Aliyah. Ele disse que estava contente por ir, mas que sob nenhuma circunstância queria ficar de pé na frente da multidão e ter de fazer alguma coisa. Percebendo que aquilo tudo fazia parte da jornada, concordei. Na manhã seguinte saímos de casa, descemos a rua e chegamos à sinagoga alguns minutos antes do início dos serviços. Assim que passamos pela porta, comuniquei ao Rabino os desejos de meu pai e ele concordou. À medida que a reza da manhã prosseguia, fiquei aborrecido por verificar que o serviço não somente seria um dos mais longos do ano porque a Parashá era a mais longa do ano, mas também porque abençoaríamos o novo mês. Como esta era a primeira vez que Papai entrava numa sinagoga em muito tempo, fiquei preocupado que o serviço longo não fosse algo positivo para sua experiência, e esta seria sua última visita. Para completar tudo isso, quando voltamos para casa a temperatura estava em torno de 30 graus.

Pensei então: não vai mais haver serviços de Shabat para Papai. Durante o almoço, ele declarou que achava ter se saído muito bem para uma primeira vez, e estava confiante de se sair ainda melhor na próxima semana. "Próxima semana!" – minha mente gritou! Eu não achava que haveria um próximo ano, que dirá uma próxima semana. Para encurtar a história, a semana seguinte se transformou em muitas semanas à medida que o verão progredia. Todo sábado pela manhã descíamos juntos a rua, caminhávamos até a sinagoga e Papai cumprimentava Morris com um Bom Shabat, e Ken com um Bom Shabat, e Aharon com um Bom Shabat, e então se sentava.
Enquanto os homens iam até a bimá recitar a bênção antes da leitura da Torá, eu olhava e via Papai lendo as bênçãos em seu Chumash. Algumas semanas depois, entreouvi Papai praticando as bênçãos em voz alta no quarto. Entrei correndo e gritei: "Você é um trapaceiro, você é um trapaceiro." Sua pronúncia das bênçãos estava perfeita. Ele me levara a acreditar que não sabia ler bem em hebraico, mas sua pronúncia estava perfeita. Ficamos ali rindo, e Mamãe entrou no quarto perguntando por que eu estava levantando a voz. Expliquei e ela começou a rir também. Eu disse: "Papai, você me disse para não forçá-lo, mas você acaba de ler estas bênçãos tão bem como qualquer pessoa na sinagoga, e eu gostaria que reconsiderasse sua posição sobre o assunto." Ele sorriu e respondeu: "Vamos assistir aos Jogos Olímpicos na TV."

Na semana seguinte, Reno estava celebrando uma ocasião importante. Há cerca de um ano, nossa congregação tinha encomendado a criação de uma nova Torá. O sofêr (escriba) deveria chegar dali a alguns dias com nossa Torá novinha em folha, e toda a comunidade judaica estava entusiasmada pensando na chegada iminente.

Jamais esquecerei o dia em que o sofêr e a Torá chegaram. Quando minha família e eu entramos na sinagoga, o local estava lotado, o jornal da cidade estava presente, e a empolgação era palpável. Quando o sofêr escreveu a última letra da Torá, soprou a tinta e levantou-se da cadeira, a congregação inteira irrompeu numa canção festiva. O restante da noite passou voando, pois dançamos com a Torá, celebramos e nos aproximamos como uma comunidade.

Naquela noite ao voltarmos para casa Papai olhou para mim e disse: "Não posso acreditar o quanto me diverti. Tenho 76 anos e jamais tinha visto uma noite como esta. Sinto-me realmente à vontade com essa congregação." Tive de sorrir, porque se eu tinha aprendido alguma coisa com os rabinos de Chabad naqueles anos todos, é que cada um viaja na sua própria velocidade em sua jornada espiritual e quando chega a hora de dar o próximo passo, eles saberão. Olhei para Papai e disse: "Bem, talvez tenha chegado a hora de sua primeira Aliyah." Ele respondeu: "Talvez você esteja certo." Aquilo bastava para mim. Fui procurar Rabino Cunin no dia seguinte e disse-lhe que Papai estava pronto.

Naquela manhã de Shabat acordei repleto de antecipação e entusiasmo. Quando Papai e eu descemos a rua, conversamos sobre tudo, exceto sobre a Aliyah. Quando entramos pela porta da sinagoga, Papai cumprimentou a todos com um Bom Shabat e tomou aquele que se tornara seu assento costumeiro. À medida que percorríamos a primeira parte do serviço, meu coração começou a acelerar. Quando finalmente chegou a hora de ler a Torá, meu coração estava batendo feito louco. O primeiro homem foi à bimá e recitou as bênçãos, e o Rabino leu a primeira Aliyah. O segundo homem levantou-se e também recitou as bênçãos, e o Rabino leu a Aliyah seguinte. A próxima coisa que ouvi foi Rabino Cunin chamando Moishe Pincus ben Eleazer à Torá. Papai olhou para mim, levantou-se e caminhou até a mesa de leitura. Eu o segui e fiquei alguns centímetros atrás dele para dar-lhe apoio moral. Parecendo um velho profissional, Papai segurou a ponta do talit, tocou a primeira e a última palavras da Aliyah, agarrou as alças da Torá e entoou a bênçãos que os homens judeus têm recitado nos últimos 3.200 anos. Depois que o Rabino completou a Aliyah, Papai juntou novamente as alças e entoou a última bênção. Ao terminar, ele inclinou-se e dando uma piscadinha, disse: "Foi moleza!"

Há mais de 50 anos o Rebe enviou seus primeiros emissários para plantarem as sementes do Yiddishkei nos corações dos judeus em todo o mundo. Num Shabat em especial, na "Maior Cidadezinha do Mundo", uma das milhões de sementes espirituais plantadas há tanto tempo brotou e aproximou ainda mais uma família da Torá. Não há dúvida em minha mente que em algum lugar no Céu, o Rebe e meus orgulhosos avôs Charlie, Fritz e Lou ergueram um copo e disseram: "L’Chaim!"

     
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