Existe Vida Sem TV?
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  Por Tzvi Freeman
 

Pergunta:

Recentemente, paramos de assistir à TV no Shabat. Agora meus amigos estão me dizendo que um lar judaico não deve ter TV. Creio que cabe a um judeu estar informado sobre os eventos do mundo, e qual fonte é melhor que a televisão? Podemos realmente nos remover da realidade do resto do mundo?

Resposta:
Aos 14 anos, ajoelhado na frente do meu mestre, a caixa idiota, com uma pilha de sementes de pistache que eu continuava a devorar apesar da dor no estômago, jurei que meus filhos jamais teriam de sofrer aquilo que eu estava passando. Não seria muito melhor, pensei, se meus filhos pudessem sonhar seus próprios sonhos em vez de terem o cérebro escravizado pelos nauseantes sonhos dos outros? Cumpri minha palavra. Jamais me esquecerei da cena quando minha mulher e eu fomos visitados pela proprietária do nosso primeiro apartamento alugado.

“Onde está sua televisão?” ela perguntou

Respondemos que não tínhamos, e ela começou a inspecionar o local, convencida que estávamos escondendo algo dela. Quando finalmente percebeu que era verdade, ela começou a rir. “Nunca vi uma coisa dessas!” ela exclamou, olhando para nós como quem olha um par de lunáticos caminhando pelo teto.

Sim, é importante saber o que está acontecendo no mundo. Recentemente, assolado pela infinidade de tarefas importantes em minha vida que estavam rapidamente se tornando urgentes desastres, peguei um livro popular escrito por Brian Tracy, Coma Aquele Sapo! Brian age como consultor para muitos homens e mulheres no cenário empresarial americano. São pessoas para quem saber o que está acontecendo no mundo é uma questão de sobrevivência. Elas procuram Brian para aprender como usar o tempo eficientemente. Uma das mensagens de Brian lhes dá: Dê um tiro na sua TV.

Em resposta aos protestos de seus clientes – semelhantes aos seus – Brian diz: “Se for realmente importante, alguém contará a você.” [Não posso deixar de acrescentar um detalhe irrelevante. Ele também escreve (final do capítulo 17): “Decida separar um dia inteiro a cada semana durante o qual você não tocará em seu computador, não checará seu BlackBerry, ou não fará qualquer tentativa de manter contato com o mundo da tecnologia.”

Engraçado: “Tracy” não parece um nome judaico, porém Moshê certamente sorriria ao ler aquilo.”

A realidade é um local fascinante, de sabedoria e beleza se desdobrando eternamente. A maior parte da realidade, porém, não acontece na televisão. A TV geralmente representa aquele aspecto da humanidade que eu preferiria manter distante – e com certeza não trazer para minha sala de estar. Sim, há uma dose de material enriquecedor ali (ei, os neurônios dos meus anos de formação foram formados sob a influência de Guerra nas Estrelas, e eles ainda continuam atirando), porém mesmo aquilo que é menosprezado pelo meio passivo através do qual é mostrado (“apenas sente-se ali enquanto atiro isto para o seu nervo óptico”). A Torá fala sobre “não perder seu coração e seus olhos.” Assistir TV não dá sequer uma chance a esses órgãos vitais.

Meus filhos vão sofrer? Creio que está OK para meus filhos entrar na escola elementar sem ter testemunhado 8.000 assassinatos e 100.000 atos de violência. Há outras coisas para aprender nos primeiros anos, como vestir-se e fantasiar (sem armas automáticas), como atirar uma bola (que não explode com o impacto) e como brincar com outras crianças (sem matá-las).

Agora, como você está escrevendo a um rabino de Chabad, você poderia realmente criar uma dificuldade para mim. Você provavelmente sabe que Chabad está usando toda a tecnologia que D'us plantou em Seu mundo para o bem. Ei, você está me acessando na Internet. Temos todo este site – e estamos entre os pioneiros neste meio de comunicação. E quando Rabino Yosef Wineberg começou a dar aulas do Tanya na rádio lá nos anos de 1960, o Rebe ficou empolgado também. É para isso, disse o Rebe, que as ondas de rádio foram colocadas no mundo. Então por que falar mal da televisão?

É isso que estou tentando explicar a você. A TV não é um meio normal de comunicação humana.

Sim, tudo pode ser usado para o bem. Mas quando isso acontece? Quando o ser humano está usando a tecnologia. Mas quando a tecnologia está usando o ser humano, que bem pode surgir daquilo? Compare com criar filhos: se você pode continuar sendo adulto e interagir com seus filhos, então você pode criá-los até ficarem adultos. Mas se você se torna nada mais que um aparelho nas mãos deles para conseguirem o que desejam – então são eles que estão diminuindo você, em vez de ser você que os está fazendo crescer.

Ainda mais com o poder que a tecnologia coloca em nossas mãos: aquelas ferramentas têm um enorme potencial para o bem – desde que sejam apenas isto – ferramentas e não mestres.

Quando começou a revolução multimídia, as pessoas a chamaram de “mídia interativa”. Eu costumava fazer palestras sobre mídia interativa. Eu fazia no quadro um gráfico como esse:

Interagir
Pessoas
Uso
Máquinas

Eu instruía a plateia a copiar este gráfico e desenhar uma linha a partir da palavra na coluna esquerda até a palavra adequada na coluna direita. Algumas pessoas realmente desenhavam um X. Então eu expunha a minha ideia: Você interage com máquinas somente quando elas estão quebradas e você as chuta e grita com elas. Caso contrário, você interage com pessoas, e às vezes usa máquinas para fazer isto. Somente aqueles que acreditam em usar pessoas (para interagir com máquinas) acreditam em interação com máquinas (usando pessoas) – e são conhecidos como engenheiros de software. São aqueles que nos chamam de “usuários” – eles são somente uma indústria que conheço.

A televisão é toda sobre usar pessoas. É uma droga eletrônica. O objetivo daquilo é programar você para comprar coisas. Você senta ali, e bem poderia ter plugado seu cérebro, via nervo óptico, numa máquina. Você acredita que não é afetada pelos estímulos entrando na sua massa cinzenta. Os sujeitos amigáveis que pagam milhões por alguns segundos de propaganda sabem que você está errado. Eles acreditam na Torá ainda mais do que você: “Os olhos veem, o ouvido escuta, o coração deseja, e os membros fazem seu trabalho para comprar os produtos.”

O rádio não é tão mau. Há espaço para a imaginação. Você tem de transformar os sinais de áudio em imagens. Sua mente está ativamente engajada. A TV faz tudo isso por você. Nenhuma imaginação é necessária – tudo é fornecido ali mesmo na caixa.

E quanto à Internet? Não é ainda mais sedutora, infestada dos mais nefastos sanguessugas, infetada com as doenças mais malignas?

Certamente. E todo aquele que usa a Internet como entretenimento – à la televisão com mais locais para clicar – está pondo seu cérebro e alma para serem agarrados por milhares de mãos grudentas e perigosas.

É por isso que todos os meus filhos são ensinados desde cedo que o computador é uma ferramenta, e a Internet um local para conseguir que tarefas sejam feitas. Você quer entretenimento? Saia e vá brincar com um amigo. Uma máquina é uma ferramenta, não um jogo eletrônico. Quando você usa a máquina, deve usá-la como seu dono, com um plano em mente, sabendo claramente o que deseja. Isso ainda não significa que você está seguro: aquelas garras ainda estão ali para pegar você. Mas uma coisa é certa: assim que você termina a tarefa, vocês trocam de lugar. A máquina se torna sua dona, você se transforma em escravo dela.

Meu conselho (sem implicar sanções rabínicas): Dê a si mesmo o luxo de usar seu próprio córtex cerebral, sem vez de entregá-lo numa bandeja de prata àqueles cuja missão é vender-lhe produtos que você não precisa – e que não são inteligentes o suficiente para pensar em outra maneira de atrair sua atenção que não seja mostrando partes privadas das pessoas ou matando-as. Leia um livro – eles ainda existem. Pesquise, contribua e entre em batalha com outros contribuidores da Wikipedia. Carregue e assista vídeos sobre a natureza. E melhor ainda, saia e grave um você mesmo. Saia e conheça o mundo – mas mantenha o volante da sua vida em suas mãos. E sua mente, também.

 

 

 
   
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