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A decisão fatídica de meu pai abriu portões no Paraíso
para seus futuros descendentes.
É uma daquelas histórias em um milhão. Do tipo que
meu pai gosta, de fazer o computador entrar em colapso. Tudo começou
em1946. Meu pai havia acabado de concluir o serviço militar e estava
morando em Los Angeles, uma escolha um tanto exótica para um Newark,
um garoto de New Jersey, e estava apenas começando um semestre
na Universidade da Califórnia.
Era verão, o novo semestre estava prestes a começar, e meu
pai procurava um local onde pudesse se instalar. Foi até o dormitório
mais próximo ao campus, pagou o depósito e começou
a desembalar suas coisas.
Pouco depois escutou uma batida na porta. Era um dos alunos do último
ano que pertencia àquele grupo, uma das repúlicas entre
tantas espalhadas pelo campus. Ele rapidamente avaliou a situação,
e começou a sugerir que meu pai deveria “procurar um local
mais confortável”.
Aquilo pareceu estranho. Meu pai tinha acabado de achar o lugar mais próximo
do campus que era possível encontrar – o que poderia ser
mais confortável que isto? Meu pai assegurou-lhe que estava feliz
ali, mas o homem insistiu, que seria mais agradável ter a sua volta
pessoas “mais do seu estilo”. Como exemplo, ele mencionou
a república judaica que era próxima.
Ingenuamente, meu pai explicou que tendo servido no exército americano,
estivera exposto a todo tipo de pessoas, e gostado – foi até
muito gratificante – esta diversidade.
Quando
criança, lembro-me de escutar minha mãe recitar
o “Shemá” comigo antes de me pôr na cama.
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O homem
repetiu que meu pai se sentiria melhor em outro lugar, mas desta vez não
soou como uma sugestão. Foram suas palavras de despedida. Devolveu
o depósito ao meu pai e saiu.
De repente meu pai compreendeu. Judeus não eram permitidos.
Meu
pai relembra nitidamente que, enquanto descia as escadas, o jogo de ping-pong
travado no salão de recreação parou abruptamente,
e todos ficaram num desconfortável silêncio. Assim permaneceu
até ele deixar o prédio.
Mas a verdadeira história começa com o que ocorreu depois.
Havia
muitos locais onde meu pai poderia ter se instalado logo após este
episódio. Embora o anti-semitismo ainda fosse uma forte corrente
na sociedade americana, a onda de assimilação estava aberta,
levando centenas de milhares de judeus a deixarem seu Judaísmo
para trás. Teria sido um momento perfeito para meu pai fazer o
mesmo. Afinal, se isso era o que significava ser judeu, então quem
precisava disto?
Porém meu pai fez exatamente a escolha oposta. Ele seguiu em direção
da comunidade judaica na avenida Gayley, 741, e lá se estabeleceu.
Estamos em Yom Kipur, 40 anos depois. Após uma sucessão
de eventos bastante improváveis, eu também acabei em Los
Angeles. Morando numa casca de ovo, enquanto estudava em Harvard, eu comecei
a escrever para o Lampoon, apesar das escassas probabilidades decidi seguir
carreira como escritor de comédias.
Quando me formei, com ainda menores probabilidades de trabalho, voltei
ao meu antigo emprego como ascensorista no edifício onde meus pais
moravam na esquina da Rua 79 com a Broadway. Então o telefone tocou.
Um show na HBO, "Não Necessariamente Notícias",
chamou-me, oferecendo um período de três semanas de experiência
na equipe de escritores. (Aquilo levou a um segundo período de
experiência, mais três semanas, e finalmente a um contrato
de quatro semanas. Aquela foi minha introdução à
segurança do trabalho, bem ao estilo Hollywood.)
Aos
oito anos, recordo-me de ter lido histórias chassídicas
em "Talks and Tales", uma revista chassídica
que um vizinho religioso dera ao meu irmão mais velho como
presente de bar mitsvá.
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Eu não
fora criado como observante, mas meus pais incutiram em mim um forte senso
de identidade judaica. Quando criança, lembro-me de escutar minha
mãe recitar o “Shemá” comigo antes de me pôr
na cama. Aos oito anos, recordo-me de ter lido histórias chassídicas
em "Talks and Tales", uma revista chassídica que um vizinho
religioso dera ao meu irmão mais velho como presente de bar mitsvá.
Aos 11 anos, comecei a freqüentar o Camping Ramah, um acampamento
conservador, e aos 14 lembro-me de ter dançado com um Rolo de Torá
na sinagoga de Reb Shlomo Carlebach em Simchat Torá, sentindo-me
absolutamente completo e sabendo que tinha me conectado com a essência
de minha vida.
Nos anos seguintes, eu sempre quis agir mais judaicamente, porém
de alguma forma permiti-me ficar estagnado.
Então chegou Yom Kipur.
Embora eu não fosse "religioso", queria ir a uma sinagoga
ortodoxa para a qual pudesse caminhar. A mais próxima naquela época
era a Chabad de Westwood. Ao final de um longo dia de serviços,
Rabino Baruch Cunin concluiu com uma declaração de que todo
judeu do sexo masculino acima de 13 anos deveria colocar tefilin diariamente,
exceto no Shabat, e que toda mulher judia devia acender velas de Shabat
antes do pôr-do-sol das sextas-feitas. Tudo que eu conseguia pensar
era – ele está certo. Eu possuía tefilin. Já
os colocara durante o acampamento de verão, aquilo era tudo, Mesmo
assim, eles eram incrivelmente preciosos para mim. Aonde quer que eu fosse,
mesmo que apenas para o fim de semana, sempre os levava comigo. "Quem
sabe?" pensei. "Talvez eu queira colocá-los, e se não
estiverem comigo, o que farei?"
Após aquele Yom Kipur, comecei a colocar tefilin e jamais parei.
Aquela mitsvá transformou minha vida. Não demorou muito,
e eu estava guardando o Shabat, casando-me com uma maravilhosa moça
judia e enviando meus filhos à yeshivá.
E agora, a parte que ainda continua a me surpreender. Aquele fatídico
encontro na Chabad House em Yom KIpur aconteceu na Avenida Gayley, 741,
o local exato da república judaica da universidade onde meu pai
tinha reafirmado seus vínculos judaicos 40 anos antes.
É incrível o quão precisamente D'us governa o mundo.
Além desse sincronismo, porém, creio que há uma lição
ainda mais profunda. Quando fazemos algo sagrado, não somente elevamos
a nós mesmos e nosso passado, como também abrimos portões
no Céu para o nosso futuro, e não apenas o nosso –
mas de nossos filhos e dos filhos de nossos filhos até o final
dos tempos.
Aprendi com Rabi Simcha Weinberg que quando vivenciamos momentos de transcendência,
devemos usá-los para rezar pelos nossos futuros descendentes.
Não sei se consciente ou inconscientemente, meu pai me tinha em
mente quando reafirmou seu compromisso de ser judeu, mas sou a prova viva
de que ele abriu para mim portas que continuo a atravessar até
hoje.
* * *
Pouco depois de eu escrever este artigo, meu pai, Dr. Leonard Sacks, Leib
ben Tzvi Hirsh HaLevi, deixou este mundo. Que esta seja uma elevação
para sua alma.
Biografia do
autor:
David Sacks vive com sua esposa e filhos em Los Angeles, onde escreve e
produz para a televisão. Entre os shows que está escrevendo
estão “Os Simpsons”, “Third Rock from the Sun”,
e “Malcolm in the Middle”. Ele é fundador da Jewish Impact
Films, e conferencista veterano do The Happy Minyan of Los Angeles, um grupo
dedicado a aproximar pessoas da espiritualidade judaica. Suas palestras
estão disponíveis no site http://www.613.org/sacks.html
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