Alimento saudável
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  Por Sara Esther Crispe
 

"Nós lutamos, nós vencemos, vamos comer" é como muitas pessoas resumem a essência das Festas Judaicas. É claro que há muito mais em nossa observância religiosa que comida, mas todos temos de admitir que como grupo, os judeus tendem a celebrar com o estômago. Em Rosh Hashaná comemos maçãs com mel, em Chanucá comemos latkes e sonhos, em Purim comemos osnei Haman, em Pêssach matsá, Shavuot traz blintzes (panquecas de queijo), e assim por diante.

Além disso, a cada Shabat temos 3 refeições, e comidas "judaicas" como baguels, salmão defumado, arenque e até shmaltz são tradicionalmente associadas com cozinhas judaicas. E obviamente, existem as imagens recorrentes da mãe e avó judias, cujos maiores prazeres na vida vêm de nos ver comer, comer e comer.

Um buraco pequeno na alma é um grande buraco no corpo.Assim, com tamanha ênfase na comida, é possível que haja sequer a menor preocupação no Judaísmo com a saúde da pessoa? O estado do corpo? Níveis de colesterol? Obesidade?

Na verdade, vemos que enquanto os judeus celebram feriados com comidas, a maneira pela qual comer tem sido enfatizado às custas daquilo que é realmente importante, é um grande problema. Se é que aprendemos alguma coisa, é que o tsadic, o justo, come para saciar sua alma. Não seu corpo, mas sua alma.

Segundo a Torá, cada pessoa é formada de corpo e alma, ambos sagrados, ambos Divinos. Nossa alma é uma "Chelek Eloka M'mal Mamash" (Tanya, cap. 2, baseado em Job), uma parte do próprio D'us. Nosso corpo é um veículo através do qual a Divindade pode ser vista, "Mi'basari Echeze Eloka", "Com minha carne eu visualizo D'us" (Job, 19:26).

Se pratico exercícios porque sou obcecada com a imagem do meu corpo, e o isto será às custas de não passar tempo com a família, não estar disponível para os outros, estar ocupada demais para estudar e cumprir mitsvot, então isso é terrível para a minha alma, porque fiz do meu
corpo um ídolo.
E claramente, corpo e alma estão intrinsecamente conectados. A Cabalá nos ensina que um pequeno buraco na alma é um grande buraco no corpo. Isso quer dizer que aquilo que experimentamos fisicamente se reflete também no estado emocional, mental e espiritual. Isso não significa que se alguém está espiritualmente num local negativo, ele ou ela ficará doente, ou que, D'us não o permita, se a pessoa está sofrendo fisicamente, ele ou ela não seja uma pessoa boa no sentido espiritual. Ao contrário, parte do processo de cura para os desafios que enfrentamos nesse mundo é abordá-lo de todos os ângulos. E não há uma cura rápida. Algo difícil de aceitar em nossa sociedade.

Vivemos num mundo de passo rápido. Caixas Eletrônicos, compras online, comunicação via MSN, cirurgias com opiniões médicas simultâneas ligando três, quatro continentes de uma vez só, e as coisas continuam acelerando… Da mesma forma, desejamos resultados imediatos quando não estamos nos sentindo bem. Queremos um remédio para nos manter acordados e depois outro para nos fazer dormir. Uma droga para nos manter felizes e outra para nos deixar saudáveis. Embora esta abordagem à Medicina possa resolver o problema imediato ou agudo, todos sabemos que se algo não for tratado no âmago, curam-se os sintomas, mas o problema ficará voltando.

É por isso que os Sábios nos ensinam que se a cabeça de alguém dói, ele deve mergulhar na Torá, e mais ainda, se o corpo inteiro dói, ele deve mergulhar na Torá, pois a luz da Torá lhe dá vida. E o Autor da Torá, nosso Criador, é também nosso Médico, pois somos ensinados: "Ani Hashem Rofecha" – "Eu sou D'us, aquele que te cura."

Isso é para nos mostrar que tentar curar e fortalecer nossa alma sempre terá um efeito positivo sobre o nosso corpo. E mesmo quando não estamos doentes, é como uma medida preventiva, elevando nossa imunidade espiritual e nos mantendo sadios, para ficarmos muito mais fortes se enfrentarmos um desafio físico. E vemos claramente também por outro lado: quando estamos cuidando de nós mesmos, quando nos sentimos sadios e fortes, estamos muito mais preparados para enfrentar dificuldades emocionais ou espirituais do que quando nos sentimos fracos e desmoronando.

No entanto, quando nos concentramos em nós mesmos, há uma fina linha entre um corpo forte e saudável e em transformar nosso corpo num ídolo. Embora vivamos numa sociedade com alta taxa de obesidade com estatísticas provando que vivemos numa cultura nada sadia, simultaneamente, tudo que precisamos é olhar para a banca de jornais mais próxima para ver como a imagem do corpo e da saúde são uma enorme preocupação. Estamos sempre falando sobre esta ou aquela dieta, como esta estrela do cinema perdeu tanto peso e como aquela deve estar grávida, pois ganhou alguns quilos.

Então, onde estabelecemos o limite? Como nos concentramos sem nos concentrarmos demais?

A Torá é muito clara ao declarar que nosso corpo não nos pertence. A casa que recebemos para nossa alma é um presente. Como o corpo é nosso por empréstimo, devemos cuidar dele para que possamos devolvê-lo na condição em que nos foi entregue. Portanto, temos muitas proibições sobre o que pode ser feito ao nosso corpo. Não temos permissão de profanar, mutilar, ferir ou destruir o corpo. Não podemos fazer tatuagem, marcas permanentes e também é proibido escrever sobre a pele – não transformar as mãos em blocos de anotação quando não temos papel.

Nosso corpo é sagrado e assim deve ser tratado.

Vemos isso especialmente no corpo de uma mulher, que abriga fisicamente o corpo e alma de um bebê, e espiritualmente abriga a família inteira, pois se diz que "Beito zu ishto", a esposa de um homem é sua casa, que ele vive dentro dela, pois ela contém todos dentro de si. Não é que a mulher esteja na casa, a mulher é a casa.

Está claro que se desejamos ser capazes de cumprir os mandamentos, cuidar de nós mesmos, nossos filhos e nossa família, precisamos ser tão saudáveis quanto possível para fazermos isso. Precisamos ter certeza de que temos aquilo que precisamos para poder dá-lo aos outros.

E embora possamos ver isso mais diretamente com as mulheres, isso não se aplica somente a elas. Embora as mulheres possam ser fisicamente abençoadas com a capacidade de criar, todos temos esta incumbência sobre nós como mandamento. Ser frutífero e multiplicar-se é ser criativo, e criar, em hebraico a palavra "bará", está etimologicamente conectada com a palavra "barih", sadio. Quando criamos, quando somos produtivos, então nos sentimos saudáveis.

Isso é visto também no oposto, a palavra para preguiçoso, “atzlut”, está conectada com depressão, “atzvut”. E como qualquer treinador lhe dirá, a parte mais difícil de fazer exercícios é calçar os sapatos. É a preguiça que geralmente nos segura mais que qualquer outra coisa. É difícil malhar e ser sadio e deprimido. Até psicologicamente sabemos que o corpo emite endorfinas que nos deixam felizes quando nos exercitamos.

Então, como encontramos o equilíbrio sadio para cuidar do nosso corpo? Tudo está no nosso enfoque. Podemos fazer exatamente a mesma coisa, mas é a intenção que faz a diferença e por quem e pelo quê estamos fazendo aquilo. Se eu acordo toda manhã e corro um quilômetro, faço 100 abdominais e me alimento saudavelmente, isso é bom para o meu corpo. Mas será bom para a minha alma?

Se faço isso para ter energia e cuidar de meus filhos, ser mais interativa como mãe, ter energia para ser produtiva no trabalho, sentir-me melhor comigo mesma, ter mais paciência e energia com meu marido, de modo a ser uma pessoa melhor, então isso é bom tanto para meu corpo como para a minha alma. Então, quando visito os doentes e ajuda uma vizinha ou tenho convidados para o Shabat porque tenho energia para fazê-lo, todos se beneficiam com meus exercícios.

Se, no entanto, exercito-me porque sou obcecada com a imagem do meu corpo, porque desejo que todos notem o meu corpo, e o enfoque sobre meu corpo se dá às custas de não passar tempo com a família, não estar disponível para os outros, estar ocupada demais para estudar ou cumprir os mandamentos, então isso é terrível para a minha alma, porque fiz do meu corpo um ídolo. Comecei a idolatrar meu corpo em vez de mantê-lo saudável para ajudar os outros.

Temos a obrigação de nos manter saudáveis. Temos a obrigação de comer corretamente, fazer exercícios e assegurar que nosso corpo seja tratado de maneira adequada, Porém devemos sempre lembrar que nosso corpo não é uma mera concha física. É sagrado em si mesmo. É Divino em si mesmo. E é uma casa em si mesmo, para nossa alma, que se expressa através do corpo, e portanto não é tanto por nós mesmos que precisamos ser saudáveis, mas por todos aqueles ao nosso redor, a quem podemos ajudar e nos doar.

Portanto, devemos todos reconhecer a beleza e potencial tanto na nossa alma quanto no nosso corpo. Devemos ser “barí”, sadios, para que possamos ser “borê”, criativos, produtivos, e oferecer ao mundo o melhor que temos, da maneira individual e única que somente nós podemos contribuir.

 

 

 
   
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