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"Nós
lutamos, nós vencemos, vamos comer" é como muitas pessoas
resumem a essência das Festas Judaicas. É claro que há
muito mais em nossa observância religiosa que comida, mas todos
temos de admitir que como grupo, os judeus tendem a celebrar com o estômago.
Em Rosh Hashaná comemos maçãs com mel, em Chanucá
comemos latkes e sonhos, em Purim comemos osnei Haman, em Pêssach
matsá, Shavuot traz blintzes (panquecas de queijo), e assim por
diante.
Além disso, a cada Shabat temos 3 refeições, e comidas
"judaicas" como baguels, salmão defumado, arenque e até
shmaltz são tradicionalmente associadas com cozinhas judaicas.
E obviamente, existem as imagens recorrentes da mãe e avó
judias, cujos maiores prazeres na vida vêm de nos ver comer, comer
e comer.
Um buraco pequeno na alma é um grande
buraco no corpo.Assim, com tamanha ênfase na comida, é
possível que haja sequer a menor preocupação no Judaísmo
com a saúde da pessoa? O estado do corpo? Níveis de colesterol?
Obesidade?
Na verdade, vemos que enquanto os judeus celebram feriados com comidas,
a maneira pela qual comer tem sido enfatizado às custas daquilo
que é realmente importante, é um grande problema. Se é
que aprendemos alguma coisa, é que o tsadic, o justo, come para
saciar sua alma. Não seu corpo, mas sua alma.
Segundo a Torá, cada pessoa é formada de corpo e alma, ambos
sagrados, ambos Divinos. Nossa alma é uma "Chelek Eloka M'mal
Mamash" (Tanya, cap. 2, baseado em Job), uma parte do próprio
D'us. Nosso corpo é um veículo através do qual a
Divindade pode ser vista, "Mi'basari Echeze Eloka", "Com
minha carne eu visualizo D'us" (Job, 19:26).
Se pratico exercícios porque sou obcecada
com a imagem do meu corpo, e o isto será às custas de não
passar tempo com a família, não estar disponível
para os outros, estar ocupada demais para estudar e cumprir mitsvot, então
isso é terrível para a minha alma, porque fiz do meu
corpo um ídolo.E claramente, corpo e alma estão intrinsecamente
conectados. A Cabalá nos ensina que um pequeno buraco na alma é
um grande buraco no corpo. Isso quer dizer que aquilo que experimentamos
fisicamente se reflete também no estado emocional, mental e espiritual.
Isso não significa que se alguém está espiritualmente
num local negativo, ele ou ela ficará doente, ou que, D'us não
o permita, se a pessoa está sofrendo fisicamente, ele ou ela não
seja uma pessoa boa no sentido espiritual. Ao contrário, parte
do processo de cura para os desafios que enfrentamos nesse mundo é
abordá-lo de todos os ângulos. E não há uma
cura rápida. Algo difícil de aceitar em nossa sociedade.
Vivemos num mundo de passo rápido. Caixas Eletrônicos, compras
online, comunicação via MSN, cirurgias com opiniões
médicas simultâneas ligando três, quatro continentes
de uma vez só, e as coisas continuam acelerando… Da mesma
forma, desejamos resultados imediatos quando não estamos nos sentindo
bem. Queremos um remédio para nos manter acordados e depois outro
para nos fazer dormir. Uma droga para nos manter felizes e outra para
nos deixar saudáveis. Embora esta abordagem à Medicina possa
resolver o problema imediato ou agudo, todos sabemos que se algo não
for tratado no âmago, curam-se os sintomas, mas o problema ficará
voltando.
É por isso que os Sábios nos ensinam que se a cabeça
de alguém dói, ele deve mergulhar na Torá, e mais
ainda, se o corpo inteiro dói, ele deve mergulhar na Torá,
pois a luz da Torá lhe dá vida. E o Autor da Torá,
nosso Criador, é também nosso Médico, pois somos
ensinados: "Ani Hashem Rofecha" – "Eu sou D'us, aquele
que te cura."
Isso é para nos mostrar que tentar curar e fortalecer nossa alma
sempre terá um efeito positivo sobre o nosso corpo. E mesmo quando
não estamos doentes, é como uma medida preventiva, elevando
nossa imunidade espiritual e nos mantendo sadios, para ficarmos muito
mais fortes se enfrentarmos um desafio físico. E vemos claramente
também por outro lado: quando estamos cuidando de nós mesmos,
quando nos sentimos sadios e fortes, estamos muito mais preparados para
enfrentar dificuldades emocionais ou espirituais do que quando nos sentimos
fracos e desmoronando.
No entanto, quando nos concentramos em nós mesmos, há uma
fina linha entre um corpo forte e saudável e em transformar nosso
corpo num ídolo. Embora vivamos numa sociedade com alta taxa de
obesidade com estatísticas provando que vivemos numa cultura nada
sadia, simultaneamente, tudo que precisamos é olhar para a banca
de jornais mais próxima para ver como a imagem do corpo e da saúde
são uma enorme preocupação. Estamos sempre falando
sobre esta ou aquela dieta, como esta estrela do cinema perdeu tanto peso
e como aquela deve estar grávida, pois ganhou alguns quilos.
Então, onde estabelecemos o limite? Como nos concentramos sem nos
concentrarmos demais?
A Torá é muito clara ao declarar que nosso corpo não
nos pertence. A casa que recebemos para nossa alma é um presente.
Como o corpo é nosso por empréstimo, devemos cuidar dele
para que possamos devolvê-lo na condição em que nos
foi entregue. Portanto, temos muitas proibições sobre o
que pode ser feito ao nosso corpo. Não temos permissão de
profanar, mutilar, ferir ou destruir o corpo. Não podemos fazer
tatuagem, marcas permanentes e também é proibido escrever
sobre a pele – não transformar as mãos em blocos de
anotação quando não temos papel.
Nosso corpo é sagrado e assim deve ser tratado.
Vemos isso especialmente no corpo de uma mulher, que abriga fisicamente
o corpo e alma de um bebê, e espiritualmente abriga a família
inteira, pois se diz que "Beito zu ishto", a esposa de um homem
é sua casa, que ele vive dentro dela, pois ela contém todos
dentro de si. Não é que a mulher esteja na casa, a mulher
é a casa.
Está claro que se desejamos ser capazes de cumprir os mandamentos,
cuidar de nós mesmos, nossos filhos e nossa família, precisamos
ser tão saudáveis quanto possível para fazermos isso.
Precisamos ter certeza de que temos aquilo que precisamos para poder dá-lo
aos outros.
E embora possamos ver isso mais diretamente com as mulheres, isso não
se aplica somente a elas. Embora as mulheres possam ser fisicamente abençoadas
com a capacidade de criar, todos temos esta incumbência sobre nós
como mandamento. Ser frutífero e multiplicar-se é ser criativo,
e criar, em hebraico a palavra "bará", está etimologicamente
conectada com a palavra "barih", sadio. Quando criamos, quando
somos produtivos, então nos sentimos saudáveis.
Isso é visto também no oposto, a palavra para preguiçoso,
“atzlut”, está conectada com depressão, “atzvut”.
E como qualquer treinador lhe dirá, a parte mais difícil
de fazer exercícios é calçar os sapatos. É
a preguiça que geralmente nos segura mais que qualquer outra coisa.
É difícil malhar e ser sadio e deprimido. Até psicologicamente
sabemos que o corpo emite endorfinas que nos deixam felizes quando nos
exercitamos.
Então, como encontramos o equilíbrio sadio para cuidar do
nosso corpo? Tudo está no nosso enfoque. Podemos fazer exatamente
a mesma coisa, mas é a intenção que faz a diferença
e por quem e pelo quê estamos fazendo aquilo. Se eu acordo toda
manhã e corro um quilômetro, faço 100 abdominais e
me alimento saudavelmente, isso é bom para o meu corpo. Mas será
bom para a minha alma?
Se faço isso para ter energia e cuidar de meus filhos, ser mais
interativa como mãe, ter energia para ser produtiva no trabalho,
sentir-me melhor comigo mesma, ter mais paciência e energia com
meu marido, de modo a ser uma pessoa melhor, então isso é
bom tanto para meu corpo como para a minha alma. Então, quando
visito os doentes e ajuda uma vizinha ou tenho convidados para o Shabat
porque tenho energia para fazê-lo, todos se beneficiam com meus
exercícios.
Se, no entanto, exercito-me porque sou obcecada com a imagem do meu corpo,
porque desejo que todos notem o meu corpo, e o enfoque sobre meu corpo
se dá às custas de não passar tempo com a família,
não estar disponível para os outros, estar ocupada demais
para estudar ou cumprir os mandamentos, então isso é terrível
para a minha alma, porque fiz do meu corpo um ídolo. Comecei a
idolatrar meu corpo em vez de mantê-lo saudável para ajudar
os outros.
Temos a obrigação de nos manter saudáveis. Temos
a obrigação de comer corretamente, fazer exercícios
e assegurar que nosso corpo seja tratado de maneira adequada, Porém
devemos sempre lembrar que nosso corpo não é uma mera concha
física. É sagrado em si mesmo. É Divino em si mesmo.
E é uma casa em si mesmo, para nossa alma, que se expressa através
do corpo, e portanto não é tanto por nós mesmos que
precisamos ser saudáveis, mas por todos aqueles ao nosso redor,
a quem podemos ajudar e nos doar.
Portanto, devemos todos reconhecer a beleza e potencial tanto na nossa
alma quanto no nosso corpo. Devemos ser “barí”, sadios,
para que possamos ser “borê”, criativos, produtivos,
e oferecer ao mundo o melhor que temos, da maneira individual e única
que somente nós podemos contribuir.
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