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  Rumo Norte até o Alasca
 
Por Joannie Tanski
  Uma das paradas em minha recente viagem ao Alasca foi Cripple Creek, no meio do nada, aninhada num vale de geleiras. Sua água é cristalina e pode-se ver o leito do rio por muito, muito tempo. Fui até Cripple Creek durante minha visita ao Monte McKinley, a montanha mais alta da América do Norte. Quando estávamos pousando sobre a água (eu estava num hidroavião), o piloto voltou-se para os seis passageiros e com um sorriso estranho começou a cantar a canção “Cripple Creek”. Sentei-me no fundo do avião, rindo.

Durante todo o planejamento das etapas de minha viagem ao Alasca eu não conseguia dizer exatamente por que estava indo. Contei às pessoas que tenho uma prima que mora em Big Lake e queria visiitá-la. Estava curiosa para ver pessoalmente como um jovem rabino e sua mulher – Yossi e Esty Greenberg – dirigem um Beit Chabad em Anchorage. Eu queria ver o Alasca. Todos os motivos válidos eram suficientes para justificar viagem tão longa? Na verdade, eram os meus motivos.

É uma observação interessante que quando tudo se encaixa, de repente fica óbvio que D’us governa o mundo. No início pensamos que as decisões são nossas. Começamos a aplainar o caminho, explorar as opções e então, quando finalmente decidimos, vamos em frente entusiasmados com a implementação. Então, que tal o Alasca? Como um rabino e sua mulher vivem ali? E uma menina judia morando em Big Lake? Como ela sobrevive em termos de Judaísmo? E quanto ao Alasca em si mesmo?

Minha prima Paige mora em Big Lake, cerca de uma hora e meia de Anchorage. A viagem é de tirar o fôlego e Big Lake é, como o restante do Alasca, intocado, calmo e o lugar mais sossegado que já visitei. Paige, inteligente e articulada, de formação universitária, mora em uma propriedade de 40 km2 com seu marido Dean, o enteado Brandon e a filha Jade, de dois anos. Ela nasceu em Nova York, mudou-se para a Flórida e, numa viagem ao Alasca, conheceu seu marido e ali ficou. Dean é um homem calmo, caloroso e gentil. Durante os três últimos anos tenho me correspondido com Paige.

Ser judeu num lugar como Big Lake é um desafio. Portanto antes da minha viagem, sugeri a Paige que me encontrasse na casa dos Greenberg para o Shabat. Após considerável troca de mensagens, Esty e Paige fizeram os arranjos para Paige ir, com a filha Jade, passar o Shabat em Anchorage. (Dean não foi porque, como em Anchorage o mais cedo que pode-se introduzir o Shabat durante o verão é 21h30, o Shabat termina à 1h30 da madrugada. Não nos sentamos para a refeição da sexta à noite senão às 23 horas e como Dean estava de pé desde as 5h30 da manhã, ele simplesmente não podia cumprir este horário.)

Shabat
Eu me perguntava quem vivia em Anchorage, e o grupo eclético à mesa dos Grreenberg na sexta-feira à noite esclareceu minha dúvida. Pessoas como você e eu. Eles são, de maneira geral, apaixonados pelo lugar onde vivem e a maioria gosta de atividades ao ar livre. Esquiam, nadam, passeiam de barco, trenó puxado por cães, fazem qualquer coisa para estar ao ar livre, Também ajuda o fato de escurecer entre 11 e meia-noite. (Para aqueles que não me conhecem, a única coisa que faço ao ar livre é churrasco, portanto minha admiração por essas pessoas não tem limites.) Todas elas têm uma história sobre o local de onde vieram, como chegaram ao Alasca e o quanto gostam de morar ali.

O Beit Chabad onde os Greenberg moram e trabalham serve não apenas como lar, mas também como sinagoga, centro comunitário, salão social e tudo que você puder imaginar. Quando você entra na casa, há dois lances de escadas. Subindo você entra na casa deles, descendo você vai para a sinagoga. Porém antes de descer para rezar, a maioria dos congregantes primeiro sobe à moradia para desejar Shabat Shalom e trocar umas palavras com Esty. Não estamos falando de onze horas da manhã, estamos falando de 9h30. E Esty é tão calorosa, amigável e acessível às 9h30 quanto é à meia-noite. Privacidade não faz parte do seu vocabulário.

Paige chegou à casa dos Greenberg no início da noite de sexta-feira, e após uma animada refeição na sexta à noite, decidiu dormir ali. Esty tinha preparado um quarto para ela e tudo correu conforme o planejado. Na manhã de Shabat passei algum tempo conversando com Paige, tentando conhecê-la, respondendo às perguntas que ela tinha a me fazer, como fiz teshuvá me tornando observante e sobre Chabad em geral. Tivemos uma discussão franca e amigável, que nos deixou a ambas querendo mais, porém o tempo passando, as pessoas chegando para os serviços do Shabat e sua filha de dois anos nos impediram de continuar.

Na tarde do Shabat, após o kidush, finalmente tive a chance de me sentar e conversar com Rabino Yossi e Esty Greenberg. Eles formam um casal fascinante, divertido e espirituoso. E adoram morar em Anchorage.

Rabino Greenberg nasceu em Israel e vem de uma família com dezessete filhos. Muitos dos seus irmãos estão em shelichut (emissários de Chabad) como ele, em locais isolados e distantes. Um irmão está em Xangai, outro em El Paso, Texas. Para entender bem como Rabino Greenberg opera, seu constante nível de energia, seu comprometimento absoluto, inabalável, de encontrar mesmo que seja um só judeu isolado, é preciso mergulhar em seu passado.

Seu pai, Reb Moshê, cresceu na Rússia na época de Stalin. Quando tinha vinte anos, ele, com mais seis outros jovens, ajudaram a contrabandear centenas de pessoas para fora da Rússia com passaportes poloneses falsos. Infelizmente, ele e seus corajosos amigos jamais conseguiram sair. Foram apanhados pelos russos e sentenciados a 25 anos num campo de trabalho na Sibéria. Rabino Greenberg contou-me que seu pai tomou duas decisões quando entrou no campo. Uma foi que guardaria o Shabat, e a outra que manteria a barba.

Quando chegou o primeiro Shabat, Reb Moshe Greenberg recusou-se a trabalhar. Seu castigo? Foi totalmente despido e colocado numa caixa semelhante a um caixão, que estava de pé. Ele não podia se mover. Ali ficou durante 24 horas sem comida ou água. Este castigo continuou todo Shabat durante nove meses. Quando ele finalmente adoeceu como resultado desse tratamento, foi colocado num hospital. Enquanto estava ali, foi amarrado à cama e sua barba foi cortada.

Após ter alta do hospital, seus guardas não o incomodaram mais sobre trabalhar no Shabat. O objetivo da punição física era quebrar o espírito de Reb Moshe. No entanto, para a desolação de seus captores, ele manteve seu espírito e este ficava mais forte a cada dia. Stalin morreu quando ele estava preso há sete anos e todos os prisioneiros foram libertados. Reb Moshe casou-se, mudou-se para Israel e prosseguiu com sua vida.

A história de Esty reflete como ela realmente vive num lugar como Anchorage, os desafios que enfrenta todos os dias e como lida com cada situação.

Ela cresceu em Detroit, sendo filha do sheliach chefe do estado de Michigan. Seu pai, Rabino Berl Shemtov, foi enviado para lá em shelichut com a esposa apenas quatro dias após o casamento. Todos os irmãos de Esty são shluchim do Rebe.

Em novembro de 2001 o filho de Esty, Mendy, ia ter seu bar mitsvá; as celebrações seriam feitas na noite de uma terça-feira. Os Greenberg decidiram fazer o evento no Hotel Marriott. Geralmente a carne que eles consomem chega de avião de Iowa e Esty, é claro, faz toda a comida sozinha. Porém para o bar mitsvá ela queria algo diferente. Decidiu contratar um bufê da Califórnia e encomendar três partes da refeição – dois pratos principais e um acompanhamento. O bufê enviaria por avião a comida congelada em bandejas e tudo que Esty precisaria fazer seria aquecer a comida no forno recém-casherizado do Marriott. Ela providenciou para que a comida fosse entregue na segunda-feira, nove dias antes do bar mitsvá.

Na tarde da segunda-feira o bufê ligou da Califórnia dizendo que houvera um problema. Como isso aconteceu pouco depois do Onze de Setembro, os aviões de carga passaram a ter regulamentos muito mais severos. Eles não transportariam nenhuma carga que não fosse de seus clientes regulares. Ela não entrou em pânico, mas simplesmente disse ao bufê que ela mesma providenciaria a comida e que ligaria de volta. Foi o que ela fez. Telefonou para um amigo na Califórnia e este assegurou a ela que conseguiria embarcar a comida na sexta-feira.

À uma hora da tarde na sexta-feira, três horas antes do início do Shabat, Esty recebeu um telefonema da Califórnia. O amigo a quem ela tinha confiado a incumbência pedia desculpas, mas não conseguira vencer as novas regras. Ela desligou o telefone e ficou olhando para o vazio. O que fazer agora? Seu marido e filho tinham ido a Nova York de avião para o aniversário de Mendy e como já era Shabat em Nova York, e ela não poderia sequer informar o marido dos últimos acontecimentos. Ficou imaginando os 250 convidados comendo frutas, salada e sobremesa e começou a entrar em pânico. Então procurou acalmar-se.

Quando você é praticamente a única opção na cidade em termos de Shabat – você não pode se dar ao luxo de tirar o dia de folga. Então, embora seu marido estivesse fora da cidade, o Beit Chabad deveria funcionar como de costume – com Esty encarregada das refeições, dos serviços, dos convidados e do dvar Torá (discurso de Torá). E agora ela tinha um problema adicional para resolver.

Ela bolou um plano, simples, mas esperava que funcionasse. Contaria seu dilema a cada pessoa que entrasse no Beit Chabad naquele Shabat, na esperança de que alguém tivesse uma solução. À medida que os convidados começaram a chegar, ela relatava o fato. Houve um casal que chegou un pouco mais tarde que os outros. A mulher já visitara os Greenberg antes, mas seu marido, que não era judeu, ainda não estivera lá. Esty relatou sua história e o homem olhou calmamente para ela e disse que era piloto da Alaskan Airlines. Na segunda-feira ele voaria até a California e apanharia a comida para ela. Assim. Esty, num choque total e jamais tendo visto aquele homem antes, disse que jamais pediria a ele para fazer aquilo. Absolutamente não. Ele apenas olhou para ela e nada disse.

Quando terminou o Shabat, Esty teve outra idéia. Na Internet há um chat para emissários do Rebe. Funciona 6 dias por semana, 24 horas por dia. Ela colocou seu dilema online e esperou. Dez minutos depois, recebeu um chamado de seu primo, Rabino Avtzon em Hong Kong, perguntando se podia fazer alguma coisa. Ela passou a noite inteira recebendo telefonemas e-mails do mundo inteiro. Mas ninguém podia ajudá-la.

No domingo de manhã, seu novo amigo ligou e disse que tinha marcado o vôo para a Califórnia e que a comida deveria estar esperando no aeroporto. Sem ter outras opções, Esty aceitou graciosamente a oferta.

Você não gostaria de ser uma mosquinha na parede quando Esty contou essa história durante o bar mitsvá? Eu ali de pé em sua cozinha fiquei arrepiada ao ouvi-la contar tudo aquilo. Que vida eles têm no Alasca! Tudo, mas tudo mesmo, é uma aventura.

O micvê no Alasca

O micvê é mais uma dessas aventuras. Antes de irem em shelichut havia um critério que o Rebe insistia que fosse preenchido. A comunidade para a qual o jovem casal estaria indo não precisaria ter uma sinagoga, escola ou comida casher. Precisaria ter um micvê.

Quando Rabino e Esty Greenberg foram a Anchorage em 1991, havia 4.000 judeus no Alasca e um micvê – na Base da Força Aérea em Elemendorf, perto de Anchorage. Em fevereiro de 1999, os Greenberg receberam uma notificação da Base Aérea de que o governo pretendia demolir imediatamente o micvê. Após insistentes apelos, a comunidade judaica recebeu uma prorrogação até 15 de junho.

Logo após ouvir esta notícia desoladora, a comunidade judaica em peso, liderada pelo Rabino Greenberg, juntou-se e começou a angariar fundos para construir um novo micvê na terra que os Greenberg tinha adquirido recentemente para construir um centro comunitário. O custo, sem a terra, era de $300 mil, quantia enorme para uma comunidade tão pequena. Esta estimativa aparentemente alta devia-se aos exorbitantes custos do transporte e construção no Alasca, além da estação extremamente curta para construir.

A essa altura você deve estar se perguntando quantas mulheres utilizam o micvê em Anchorage – suficientes para justificar uma construção de $300 mil? Bem, uma das maiores indústrias do Alasca é o turismo – na verdade, cruzeiros. Durante o verão, o pico da estação turística, os Greenberg recebem freqüentes telefonemas de pessoas em férias informando-se sobre micvê.

Como disse Rabino Greenberg: “Em prol do punhado de mulheres locais atualmente que desejam e precisam de um micvê, e por aquelas que no futuro, vale a pena construir.”

Após a demolição do micvê da base aérea, Esty e as outras mulheres que usavam o micvê tiveram de voar, uma vez por mês, até Seattle, onde ficava o micvê mais próximo.

Foi uma tarefa lenta e laboriosa levantar o dinheiro, mas eles conseguiram.

Por fim…
Portanto, além das aventuras físicas, o que realmente aconteceu naqueles cinco dias?

Eu conheci e fiz amizade com uma jovem meiga e sua família. Esta viagem tornou-se o meio pelo qual Paige reconectou-se com suas raízes, tornando o sonho de manter o Judaísmo uma realidade – para ela e sua filha – a geração seguinte.

Partilhar alguns momentos na vida de Rabino Yossi e Esty Greenberg foi um privilégio e uma honra. Eles abriram sua casa de boa vontade a uma total estranha. Fazer amizade com pessoas assim deixa a gente mais forte, mais determinado e resoluto em suas convicções.

Quando o Rebe enviou os Greenberg ao Alasca quinze anos atrás, eu estava vivendo outra parte da minha vida. Esta viagem é um novo capítulo na minha contínua jornada, ajudando-me a solidificar aquilo que aprendo e vivo aqui em Montreal. Ainda me encanto com a visão do Rebe, enviando jovens homens e mulheres aos quatro cantos da terra, entendendo que não importa onde um judeu possa estar, não importam as circunstâncias, deve haver pessoas que doam, que se importam, que amam incondicionalmente um irmão judeu.

Minha viagem ao Alasca começou como uma excursão a um local um tanto exótico, com poucas expectatvas, para visitar pessoas que eu não conhecia. Terminou sendo algo inspirador, que me enriqueceu e aqueceu meu coração. Fiz muitos amigos, pessoas cujas vidas, como a minha, estão repletas de conflitos da existência e do fato de ser judeu no mundo de hoje.
     
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