|
Numa recente visita que fiz a
uma pré-escola, duas crianças discutiam para decidir quem
tinha feito o desenho “mais idiota”. Um dos adultos na sala
disse-lhes para não brigar, ao que as crianças responderam
em uníssono: “Não estamos brigando”, e continuaram
a atacar-se verbalmente. Quando crescerem, afiarão sua destreza
verbal; aprenderão a reagir rápidamente a um comentário
negativo, e usarão um ainda melhor.
Desde pequenas, muitas crianças aprendem a usar as palavras como
armas. Aprendem a “ferir-se um ao outro” verbalmente e a usar
as palavras para proteger-se num ambiente hostil. Aprenderão a
dizer o que lhes vier à cabeça a quem quer que seja, criança
ou adulto, colega ou superior. E nós adultos temos de aceitar esta
linguagem não educada com um dar de ombros e um suspiro, como sinal
dos tempos. Não posso deixar de me perguntar quando e como este
tipo de conversa tornou-se uma norma aceitável.
Já foi dito que a comunidade judaica imita a sociedade em geral.
Um dos desenvolvimentos menos admiráveis de nossa era moderna,
assim me parece, tem sido o declínio gradual da linguagem refinada
e do comportamento civilizado. A própria idéia da linguagem
refinada parece antiquada. Dizemos o que nos vem à mente de maneira
clara; nossa escolha de palavras nem sempre é sensível às
pessoas com quem falamos. Não sentimos necessidade de fazer rodeios
ou de disfarçar quando apresentamos nossos sentimentos e idéias.
Alguns se orgulham daquilo que chamam de “dizer na cara” das
pessoas tudo o que lhes convém.
Na televisão, a vida familiar é retratada, para nosso entretenimento,
como uma série de conversas grosseiras. Os personagens discutem
com as pessoas que mais amam, sem se preocupar com os sentimentos do outro;
amigos e idosos, tanto faz, isso não importa. Parece até
que uma conversa polida e civilizada é algo que não existe.
A própria idéia de que eles precisam se dirigir aos mais
velhos ou superiores com alguma deferência traria um sorriso a muitas
faces. Desde que não seja insultante, qualquer forma de linguagem
é aceitável; na verdade, é vista até como
mais sincera e mais produtiva.
A desintegração deste aspecto da sociedade civil tem sido
um processo gradual e evolutivo. A linguagem dissimulada nos relacionamentos
pessoais típicos da Era Vitoriana há muito foram desacreditados.
Aprendemos a nos dirigir uns aos outros usando termos familiares, a dizer
o que pensamos e a usar uma linguagem mais simples e comum. Em algum lugar
ao longo do caminho perdemos parte da deferência e respeito tradicionalmente
conferido aos nossos idosos e superiores. Poderia parecer que a comunidade
judaica reflete muitas dessas mesmas doenças, apesar do fato de
que a inspiração e orientação para a nossa
sociedade estão enraizadas na Torá e na Tradição
Judaica.
Na narrativa da Torá que descreve o comportamento de Yaacov e Essav,
aprendemos que os dois eram distinguíveis por causa do modo de
falar refinado de Yaacov. Em toda a Torá somos advertidos freqüentemente
sobre como nos dirigir aos nossos superiores e o que é aceitável
na conversação. Muitos volumes da Halachá discutem
nada além daquilo que é permitido na conversação
judaica; o tema subjacente é o refinamento de nosso discurso e
a sensibilidade para com os outros. Parece incongruente que nossa sociedade
religiosa aceite menos que isso. Mesmo assim, viemos a aceitar algumas
coisas que são as doenças da sociedade em geral, algo que
não podemos controlar e não temos alternativa senão
aceitar, embora de má vontade. Precisamos realmente aceitar a falta
de um dogma judaico tão básico como o respeito pelos mais
velhos? O que podemos fazer para mudar as atitudes sobre o discurso aceitável?
Não, não creio que estejamos querendo voltar o relógio
aos tempos vitorianos, mas podemos virar a maré no que diz respeito
ao derech erets e civilidade básica na fala de nossos filhos, O
fato de a Torá nos advertir tantas vezes a respeitar nossos pais
e anciãos é motivo suficiente para fazermos todos os esforços
e fazer disso uma prioridade educacional. Há mais de trinta admoestações
positivas e negativas na Torá relacionadas ao discurso, e isso
deveria exigir que este aspecto seja parte de todo currículo escolar.
Parece óbvio que, talvez sem perceber, tenhamos todos baixado nossos
padrões sobre aquilo que consideramos aceitável. Lar e escola
são igualmente culpados, porém precisamos começar
por algum lugar e a meu ver as escolas devem dar o primeiro passo. Claramente,
nem o lar nem a escola sozinhos conseguirão uma mudança
fundamental em atitude. Porém, seria razoável acreditar
que, quando escola e lar partilharem a mesma agenda e trabalharem em cooperação,
as atitudes e o comportamento podem começar a mudar.
Pesquisas sobre atitudes e comportamento social, bem como a psicologia
do desenvolvimento, parecem sugerir algumas verdades essenciais.
Primeiro, somente poderemos mudar atitudes quando dermos pequenos passos
para mudar o comportamento. Muitos esforços para conseguir coisas
importantes morrem no berço porque se dá um passo grande
demais. Assim, precisamos ser prudentes e abordar este problema de maneira
sistemática, com pequenos passos individuais.
Segundo, quando padrões de comportamento aceitável são
estabelecidos e consistentemente reforçados, os comportamentos
começarão a mudar. Precisamos chegar a um acordo sobre aquilo
que achamos aceitável, e somente então poderemos trabalhar
de maneira consistente para reforçar aqueles padrões.
Terceiro, mudar com sucesso o comportamento normativo das crianças
exige que todo o ambiente da criança contribua para este fim. Isso
não quer dizer que não se possa adotar um conjunto de comportamentos
na escola que seja diferente daquilo que é aceito em casa; pode
ser feito todos os dias. Muitas coisas, que o ambiente familiar em casa
permite, não são permitidas na escola. Porém, isso
não muda fundamentalmente o comportamento de uma criança;
ela apenas aprende a ajustar-se ao ambiente. Precisamos efetuar uma mudança
fundamental e isso não acontecerá a menos que o comportamento
indesejável ou padrão de discurso seja alterado por completo,
não apenas em um local ou outro.
Podemos esperar de maneira realista ensinar nossos filhos a serem cuidadosos
com aquilo que lhes sai da boca, se os mesmos padrões se aplicarem
em casa e na escola. Quando eles aprenderem que o mesmo padrão
de discurso é esperado em todos os ambientes, em casa, na escola,
no acampamento ou no parquinho, mudaremos efetivamente sua maneira de
falar, e ponto final.
Por onde começamos? Uma sugestão:
Vamos começar com algo básico; vamos aprender a cumprimentar
um ao outro adequadamente. Admito que sou “careta”: acho difícil
aceitar que nossas crianças (e adolescentes) não tenham
maneira melhor de dizer alô que “E aí meu!” Na
verdade, a quem eles estão imitando? Ouvi recentemente, sem ser
visto, uma classe de meninos de doze anos conversando pela manhã;
cada um deles tentava superar o outro com gracinhas de mau gosto.
Acho difícil de aceitar que esta seja uma brincadeira satisfatória,
normativa. Creio que podemos ensinar a volta do simples e social “Bom
Dia”, e uma conversa mais refinada. Acho ainda mais absurdo quando,
numa tentativa de ser “legal”, adultos falam da mesma maneira
que os filhos.
O Talmud (no Tratado Nedarim 8a) fala em termos espirituais sobre o efeito
de cumprimentar as pessoas; especificamente com a saudação
de “shalom”, até mesmo àqueles que não
conhecemos pessoalmente. Não foi há muito tempo que concordamos
em saudar as pessoas com quem estamos apenas vagamente familiarizados
e no Shabat todos deveriam receber um “Shabat Shalom”. Lembro-me
quando eu era jovem, quando o Rebe saía de sua casa no 770 no Shabat
e cumprimentava cada passante, adulto ou criança, com “Gut
Shabes”.
Qualquer que seja o motivo, as coisas chegaram ao ponto em que, a menos
que encontremos um membro da família ou um amigo realmente chegado,
não nos incomodamos de trocar cumprimentos. De alguma forma, isto
é muito mais um problema nas cidades maiores, especialmente Nova
York, que em locais menores (ou, interessante notar, em Israel). Para
mim parece irracional passar por um conhecido e dar-lhe um sorriso ou
um bom dia de má vontade.
Tive certa vez uma placa no meu escritório que dizia: “Um
sorriso não custa nada, mas consegue coisas que nada mais consegue”.
Uma saudação matinal e um sorriso podem elevar o espírito
de um amigo ou vizinho, professor ou parente e sim, de uma criança.
A idéia de que trocar cumprimentos e gentilezas mútuas é
uma prática social boa e necessária foi deixada de lado
por algum motivo, mas não é difícil de ressuscitar.
Por favor, não me interprete mal. Não estou sugerindo que
não haja muitas pessoas para quem este hábito social não
é a norma, estou sugerindo que não é tão comum
quanto deveria ser. Creio que se nós mesmos começarmos a
praticar este “refinamento” básico e esperá-lo
de nossos filhos, começaríamos um processo que poderia ajudar
a criar uma maior consciência sobre como aquilo que expressamos
com nossa boca pode ter um profundo efeito.
Gostaria de sugerir que tanto em casa como na escola, devemos assegurar
que as primeiras palavras sociais a saírem da boca de nossos filhos
pela manhã sejam um cumprimento matinal. Talvez possamos também
espremer um sorriso, para ajudar a tornar a manhã realmente boa.
Precisamos treinar nossos filhos e, francamente, nós mesmos, a
oferecer um cumprimento adequado, seja manhã, tarde ou noite. Um
simples aceno basta para um conhecido.
Se os pais começassem a cumprimentar os filhos, e melamdim e professores
seus talmidim e alunos, poderíamos criar uma atmosfera que promoveria
um começo para um padrão de maior civilidade. Nossos filhos
deveriam saudar uns aos outros com um simples “Bom Dia”, e
esquecer “E aí, meu?”
Como fazemos isso dar certo?
Há alguns passos simples que precisam ser tomados para implementar
a mudança. Após decidirmos qual é o comportamento
desejado, precisamos informar a todos sobre aquilo que esperamos e por
quê. Precisamos demonstrar e praticar o comportamento que se quer
implementar e então reforçá-lo positivamente. Precisamos
também decidir as conseqüências da não-obediência.
Poderemos então ser consistentes e constantes. Nada deve nos deter
de reforçar tanto a parte positiva quanto a negativa.
Com isso em mente, aqui está minha sugestão. Uma perspectiva
da saudação adequada segundo a Torá, e o inerente
“ahavat Yisrael” que ela representa. deveriam ser ensinados
em todas as instituições educacionais e partilhados em casa
para reforço. Todo adulto e toda criança deveria cumprimentar
os membros da família, amigos e professores com um correto bom
dia e um sorriso. (Um sorriso tímido dirá à professora
que esta criança precisa de atenção). Por sua vez
o pai, professor e amigo deve pronunciar algumas amenidades ou um simples
cumprimento, para começar o dia.
Por mais curioso que isso possa parecer, pode ter conseqüências
a longo prazo. Se formos constantes, isso se tornará contagioso,
e todos desejarão ouvir algo agradável. Com o tempo isso
se tornará normativo e nada menos será aceito. Precisamos
flagrar as crianças “sendo boas” e cumprimentá-las
por isso. Devolver um cumprimento é o melhor incentivo; crianças
(e adultos também) apreciarão estas gentilezas.
Pais e professores, bem como qualquer adulto, precisam dizer algo agradável
a uma criança que nos cumprimentou corretamente. “Obrigado,
Rivca, que maneira bonita de cumprimentar,” ou “Você
alegrou meu dia com este lindo cumprimento.” Podemos criar um ambiente
que favoreça este primeiro passo.
Quanto às conseqüências, vamos deixar esta parte com
os diretores da escola.
|