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Chegar a idade dos quarenta anos, em particular, é
diferente de todos os aniversários anteriores, e é freqüente
sentir uma forte resistência. A capa de um cartão de aniversário
diz: "Alegro-me com seus 39 anos"… e no interior do cartão
lê-se: "… de novo pela quinta vez".
Os livros de auto-ajuda ostentam títulos como: "A vida depois
da Juventude: A mulher de quarenta – o que vem depois?" e ainda:
"Nós chegamos aos quarenta, os anos perigosos. "Porém,
por outro lado há: "Um Guia de Oportunidades da Nova Idade
Madura"; "A Crise Masculina na meia idade"; e o famoso
"A Vida Começa aos Quarenta".
Estes títulos refletem a ambivalência e desassossego que
afligem tantas pessoas quando chegam aos quarenta. Há uma sensação
de ter-se completado um ciclo, e isto dá lugar à ansiedade
– a tão conhecida crise da meia idade. Sentimentos de vazio
muitas vezes acompanham a realização de qualquer projeto
de vida. A pessoa se pergunta o que vai fazer em seguida, como preencher
este vazio. Aqueles com "quarenta e tantos" sentem que a juventude
e suas possibilidades aparentemente ilimitadas estão se esgotando,
as ambições continuam insatisfeitas, a energia física
diminuindo. Os avisos estão presentes em toda parte: Se você
tem mais de quarenta, consulte seu médico, uma advertência
muito comum. Os encontros sociais para solteiros e os anúncios
de empregos freqüentemente são divididos em dois grupos: para
menores e para maiores de quarenta.
A intuição de que se chegou a um divisor-de-águas
pode levar ao descontentamento, e pôr em dúvida todos os
aspectos da vida. Os quarenta muitas vezes são uma fase de tumulto,
uma espécie de segunda adolescência quando se troca de trabalho
e de cônjuge, numa busca inquieta por uma nova vida. E este desequilíbrio
não é somente um fenômeno de nosso mundo contemporâneo.
O que tem a dizer a Torá, sob sua filosofia chassídica,
àqueles que estão chegando aos quarenta e mais alguns, aos
que já passaram por eles e refletem sobre as etapas passadas de
suas vidas?
A metade vazia
Os ensinamentos chassídicos têm uma compreensão especial
sobre este sentido de perda e vazio. Para que uma pessoa alcance qualquer
etapa nova, para ascender a um nível mais elevado de visão
e entendimento, o chassidismo explica que deve haver uma espécie
de auto-anulação (bitul), um vazio de si mesmo para dar
lugar ao novo. Em outras palavras, entre o nível anterior e o seguinte,
precisa haver aquilo que o chassidismo chama de "o nada no meio"
(ayin beemtzá). Este princípio psicológico reflete
um princípio espiritual, que por sua vez reflete um princípio
cosmológico.
O misticismo judaico explica que a Criação do mundo não
ocorreu primeiro através de um ato de expansão e autodefinição
de D’us, mas sim o contrário – através de um
tzimtzum, ou contração. D’us, por assim dizer, teve
de retirar Sua luz infinita e Sua presença primeiro, e criar um
espaço vazio para dar lugar a um mundo de seres finitos.
Este modelo logo se segue em cada aspecto da existência: tem de
haver um vazio no meio para poder mover-se de um estado do ser ao próximo.
Uma semente precisa primeiro dissolver-se na terra antes que possa crescer
rumo à luz e florescer. No ser humano, o vazio se torna abertura
espiritual quando a pessoa permite que ele ocorra, quando anula seu ego,
quando o próprio ego não tenta preencher e controlar tudo
ao seu redor, mas deixa lugar para o outro. O vazio é o prelúdio
necessário para um modo de vida novo e mais elevado.
Encontramos este princípio na história do Dilúvio
em Bereshit. Está relatado que o Dilúvio durou 40 dias e
40 noites. Ora, obviamente, se D’us queria apenas castigar a humanidade
por sua corrupção, D’us poderia tê-lo feito
num só momento. Qual o propósito de um dilúvio de
40 dias? Na interpretação chassídica, o Dilúvio
foi um tipo de micvê, um banho ritual dado ao mundo para purificá-lo
e renová-lo. A pessoa submerge completamente nas águas do
micvê, até o último fio de cabelo, anulando seu estado
anterior. E em virtude dessa completa submersão e auto-anulação,
a pessoa emerge das águas purificada, num nível diferente,
um novo ser.
Quarenta representa a realização de um modo ou maneira de
ser completo, e quando a pessoa passa pelo número quarenta, deixa
este modo para trás e entra num nível completamente diferente…
num outro mundo…
Os quatro mundos
A filosofia do chassidismo, utilizando a tradição mística
judaica, explica que toda realidade pode descrever-se como dividida em
quatro mundos. Estes constituem vários estados de revelação
e ocultação de D’us. [Os quatro mundos se chamam atzilut
(emanação), beriá (criação), yetzirá
(formação) e asiyá (ação).] Estes quatro
mundos, por sua vez, emanam de, e estão arraigados, nas quatro
letras do nome mais sagrado de D’us: Y-H-V-H (Yud –Chei –
Vav – Chei).
Um princípio importante do pensamento chassídico é
que o microcosmo emana de, e se reflete, no macrocosmo. Assim nós
também encontramos muitos outros jogos de "quatros" refletidos
na natureza. Por exemplo, a Chassidut fala de quatro categorias no mundo
natural: o inanimado (domem); o vegetativo (tzomeach); o animal (chai);
e o falante (ledaber). Estes quatro tipos de níveis de existências
naturais também existem dentro de cada pessoa, por assim dizer.
Há quatro estações do ano e quatro direções
na bússola. Finalmente, a compreensão tradicional do mundo
físico como sendo composto de quatro elementos – fogo, ar,
água e terra – também poderia traduzir-se no idioma
da ciência moderna: a matéria de nosso mundo físico
assume um dos quatro estados: o sólido, o líquido, o gasoso
e o da combustão ativa; ou pode-se dizer que os quatro elementos
correspondem aos quatro elementos químicos básicos: o hidrogênio,
o carbono, o nitrogênio e o oxigênio; ou aos quatro elementos
do fenômeno sub-atômico; ou às quatro forças
da física moderna (a gravitacional, a eletro-magnética,
a força nuclear fraca e a forte).
Num plano espiritual, há numerosos outros "quatros":
as quatro Matriarcas; as quatro esposas de Yaacov; os quatro tipos de
filhos mencionados na Hagadá; os quatro componentes de um texto
da Torá (entonação, vogais, coroas, letras); os quatro
níveis básicos de interpretação da Torá
(literal, alusiva, alegórica, mística), etc.
O misticismo judaico também explica que cada um dos quatro mundos
espirituais mais elevados possui o espectro completo das chamadas dez
sefirot. As sefirot são os atributos criativos de D’us ou
características que emanam, estruturam e se refletem em toda a
existência, inclusive nos poderes espirituais da alma humana.
Quatro vezes dez é igual a quarenta; portanto, algo completo tem
quarenta aspectos. Em outros termos, quarenta representa a realização
de um modo ou maneira de ser completo, e quando alguém passa pelo
número quarenta, deixa este modo para trás e entra num nível
completamente diferente… num outro mundo.
Portanto, a cada vez que alguém encontra o número quarenta
na Torá, seu significado interior é a ascensão a
um nível mais alto. Porém a obtenção de um
nível mais alto só vem depois de alcançar primeiro
e cumprir todos os aspectos (quarenta) do nível anterior, e logo
então fazer um vazio no meio para permitir que surja algo completamente
novo. Uma história intrigante no Talmud faz uma referência
sutil a isso. Quando o Rabino Zeira quis aprender a versão Yerushalmi
do Talmud, primeiro jejuou quarenta vezes para esquecer-se de tudo que
havia aprendido na versão babilônica (Bava Metzia 85a). Por
que teve de apagar seu conhecimento do Talmud babilônico para iniciar-se
no Yerushalmi?
Na interpretação chassídica, o motivo é que
ele quis absorver o Talmud Yerushalmi de uma maneira profunda e precisava
estar aberto para aprender o estilo tão diferente deste Talmud.
Ele tinha de conseguir este vazio no meio, e esquecer-se do aprendido
para poder subir ao nível do Yerushalmi.
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