Um Psicoterapeuta em Auschwitz  
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  Por Chana Weisberg
 

Shema Yisrael Hashem Elokeinu Hashem Echad… Ouve, ó Israel, o Eterno é nosso D'us, o Eterno é Um.

Essas palavras são o ponto alto das nossas preces diárias, expressando poderosas pérolas de fé.

Essas palavras têm sido murmuradas no decorrer dos tempos, em épocas de grave desafio, em porões escuros, por aqueles que exalavam seu último suspiro, num auto-da-fé na Espanha ou numa câmara de gás na Alemanha nazista.

Há também palavras de esperança e felicidade, entoadas com alegria ao celebrar importantes acontecimentos.

Porém eu não esperava ler essas palavras hebraicas num clássico campeão de vendas, um livro de psicologia que foi considerado pela Biblioteca do Congresso como um dos dez livros mais influentes nos Estados Unidos.

“A Busca do Homem por um Significado”, por Viktor Frankl, vendeu mais de doze milhões de cópias em todo o mundo. Frankl descreve suas experiências nos campos de concentração nazistas, porém mais que as suas provações, ele escreve como psicólogo sobre o que lhe deu força para sobreviver.

Frankl descreve pungentemente como os prisioneiros que desistiram da vida e da esperança por um futuro eram inevitavelmente os primeiros a morrer. Eles morreram menos pela falta de comida que pela falta de algo pelo qual viver. Em contraste, Frankl se manteve vivo pensando em sua mulher, e sonhando em fazer palestras sobre como as suas experiências reforçaram aquela que já era uma parte importante de sua tese antes de entrar nos campos – que a força de motivação fundamental de toda pessoa é a busca por um significado.

A autobiografia de Frankl é seguida por um esboço de sua doutrina terapêutica de cura da alma encontrando significado na vida. Sua teoria ganha credibilidade a partir do pano de fundo de suas experiências pessoais nos campos de concentração e como ele encontrou significado enquanto enfrentava seu sofrimento.

Um forte encadeamento implícito em todo o livro é a força e o amor que ele extraiu não somente das lembranças de sua mulher, como também de sua fé.

Como ele declara em seu livro, “A Busca do Homem por um Significado Definitivo”: “D'us não está morto, nem mesmo depois de Auschwitz.” Pois a crença em D'us é incondicional, ou então não é crença. Se for incondicional, enfrentará o fato de que seis milhões morreram no Holocausto; se não for incondicional, então vai desmoronar se apenas uma única criança inocente tiver de morrer… Não adianta barganhar com D'us, ele diz e argumenta: ‘Até o ponto de seis mil ou até um milhão de vítimas no Holocausto eu mantenho minha fé em Ti; porém acima de um milhão nada mais pode ser feito, e sinto muito mas devo renunciar à minha fé em Ti… Uma fé fraca é enfraquecida por provações e catástrofes, ao passo que uma fé forte fica ainda mais fortalecida por elas.”

Pouco depois de chegar a Auschwitz, Frankl foi privado do objeto mais precioso que possuía – um manuscrito que era a obra de sua vida, e que tinha escondido no bolso do casaco. Percebendo que as chances de sobreviver eram pequenas, “não mais que uma em vinte e oito”, ele teve aquela que descreve como “talvez a experiência mais profunda nos campos de concentração.”

“Eu tive de passar e superar a perda de minha criança mental. E parecia como se nada nem ninguém fosse sobreviver a mim; nem uma criança física nem uma mental que fosse minha. Portanto fui confrontado com a questão de que sob tais circunstâncias minha vida, em última análise, estava vazia de significado.

“Eu ainda não tinha percebido que uma resposta a essa pergunta com a qual eu lutava tão apaixonadamente já estava reservada para mim, e que pouco depois essa resposta me seria dada. Foi isso que aconteceu quando tive de entregar minhas roupas e por minha vez recebi os trapos rasgados de um interno que já tinha sido enviado à câmara de gás… Em vez das muitas páginas do meu manuscrito, encontrei no bolso no casaco recém-ganho uma única página de um livro de preces em hebraico, contendo a prece mais importante, Shema Yisrael. Como poderia eu ter interpretado tamanha “coincidência” como não sendo um desafio para viver meus pensamentos em vez de meramente colocá-los no papel?”

E então na sentença que conclui este livro campeão de vendas que foi traduzido em vinte e quatro idiomas, Frankl novamente expõe essa eterna proclamação de fé.

“Nossa geração é realista, pois chegamos a conhecer o homem como realmente é. Afinal, o homem é aquele ser que inventou as câmaras de gás de Auschwitz; no entanto, ele é também aquele ser que entrou naquelas câmaras de cabeça erguida com a oração do Shemá Yisrael nos lábios.”

O que há na prece Shemá Yisrael que tem inspirado tantos através das maiores dificuldades e tem conferido tamanho significado e propósito para nos ajudar a sobreviver até mesmo nas circunstâncias mais desesperadoras?

Creio que além da simples afirmação de fé num único poder Superior e o profundo significado místico oculto nas palavras dessa prece especial, há quatro elementos psicológicos vitais que fizeram dela nosso alicerce da fé:

1 – Relevância: Ouve, ó Israel – Uma religião ou estilo de vida não pode começar e terminar com teorias; deve também dirigir-se à parte humana dentro de nós. O Shemá não começa no âmbito da ideologia, nos céus, com uma declaração de fé despersonalizada. Fala endereçando todos e cada um de nós. Ouve, ó Israel, ouve essa mensagem, e faz dela uma parte do teu ser, porque não está falando sobre ti, não para ti, mas está te chamando.

2 – Pertencer: A prece Shemá está no plural (“nosso D'us” e não “meu D'us”), falada como um grupo coletivo, dirigindo-se a nós todos como Israelitas. Os seres humanos têm uma necessidade de se identificarem uns com os outros. O senso de fazer parte. Recebemos força uns dos outros e a fortaleza de sermos parte de algo maior que nós mesmos. Mais atraente que a ideologia é uma sensação de pertencer a uma família expandida – apesar das barreiras. Aquele senso de comunidade é um dos nossos alicerces mais fortes.

3 – Personalização: D'us é nosso D'us. D'us é “nosso”. D'us que é transcendental e infinito é também nosso D'us pessoal que está conosco em todos os momentos, segurando nossa mão tanto em tempos de celebração quanto nas horas de desespero. D'us não é apenas um governante objetivo, que cria e regula o cosmos. Ele é “nosso”, está perto de nós, entendendo subjetivamente a parte mais profunda de nós mesmos, mais do que a entendemos; Ele está conosco em tempos de necessidade, júbilo e sofrimento.

4 – Individualidade: Por mais que precisemos todos de um senso de pertencer e de comunidade, não devemos negar nossas diferenças individuais. A declaração do Shemá termina com as palavras “D'us é um” (em vez de D'us é “singular” ou “sozinho”). A unicidade de D'us está presente na diversidade do mundo. Como disseram os mestres chassídicos: “Não há nada além d’Ele.” Enquanto a conformidade tolhe o crescimento, a “unicidade de D'us” deveria nos possibilitar descobrir e cultivar a unicidade e unidade Divina dentro de cada um de nós.

Uma base da teoria de Frankl é que forças além do nosso controle pode levar tudo que possuímos exceto uma coisa – nossa liberdade de escolher como vamos reagir à situação.

Após descrever a angústia de suas experiências em Auschwitz, Frankl conclui suas memórias pessoais: “A experiência mais elevada, para o homem que regressa ao lar, é a maravilhosa sensação de que após tudo que ele sofreu, não há nada de que precise temer – exceto seu D'us.”

Esta pode tornar se nossa crença mais poderosa.

       
   
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