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Todos desejamos levar uma vida significativa. Mas por que
estamos vivendo? O que estamos fazendo neste mundo?
Para encontrar a resposta a essa questão fundamental, devemos procurar
no próprio livro da vida – a Torá, que é chamada
Torá Chaim (Torá Viva). A palavra “Torá”
significa “instruções” ou “orientação”,
pois a Torá é nosso guia na vida. Ela nos faz constantemente
cônscios de nossos deveres nos fornecendo uma verdadeira definição
de nosso propósito, nos mostrando os caminhos e meios de atingirmos
esta meta.
A criação do homem
A Torá inicia com Bereshit. Quando Adam foi criado, o Criador informou-o
imediatamente de seus poderes e revelou-lhe o propósito de sua
vida:
“Enche a terra e subjuga-a; domina sobre o peixe do mar e a ave
dos céus, e todo animal que se move sobre a terra.” (Bereshit
1:18)
O homem recebeu o poder de conquistar o mundo inteiro e dominá-lo.
Na terra, mar e ar, e foi conclamado a fazê-lo; esta foi sua tarefa.
Como esta “conquista do mundo” deveria ser feita, e qual o
propósito e verdadeiro significado disso?
Nossos Sábios ensinam que quando D’us criou Adam, sua alma
– sua imagem Divina – permeou e irradiou todo seu ser, por
isso ele se tornou dominante sobre toda a criação. Todas
as criaturas se reuniram para servi-lo e coroá-lo como seu criador.
Porém Adam, mostrando-lhes seu erro, disse: “Vamos todos
venerar D’us, nosso Criador!”
A “conquista do mundo”, dada ao homem como sua tarefa e missão
na vida, deveria elevar e refinar toda a natureza, incluindo as feras
e os animais domésticos, ao serviço da verdadeira humanidade;
a humanidade permeada e iluminada pela imagem Divina – pela alma,
que é realmente uma parte do D’us acima – para que
toda a criação percebesse que D’us é nosso
Criador.
Desnecessário dizer, antes que um homem saísse para conquistar
o mundo, ele deve primeiro conquistar a si mesmo e seu próprio
ego, por meio da subjugação da parte “terrena”
e “animal” em sua própria natureza. Isso é conseguido
através de ações que estejam de acordo com as diretivas
da Torá – o guia prático para a vida diária
– para que o material seja permeado e iluminado com a luz do D’us
Único, nosso D’us.
D’us criou um homem e sobre esta única pessoa na terra Ele
impôs este dever e esta tarefa. Aqui então está a
profunda, porém clara diretiva, de que cada homem – toda
e cada pessoa – é potencialmente capaz de “conquistar
o mundo”. Se uma pessoa não cumpre esta tarefa e não
utiliza seus inestimáveis poderes Divinos, isso não é
apenas uma perda ou falha pessoal, mas algo que afeta o destino do mundo
inteiro.
Uma pessoa pode mudar o mundo
Um dos principais aspectos na criação do homem é
que este foi criado como um único ser, ao contrário de outras
espécies, criadas em grandes números.
Isso indica enfaticamente que um único indivíduo tem a capacidade
de levar toda a criação à plenitude, como foi o caso
com o primeiro homem, Adam. Ele chamou todas as criaturas do mundo para
reconhecerem a soberania de D’us, com o grito: “Venham vamos
nos prostrar e ajoelhar perante D’us nosso Criador!” Pois
é somente por meio da “prostração” –
a auto-abnegação – que um ser criado pode se apegar,
e se unir, com o Criador, dessa maneira atingindo a mais plena realização.
Os Rabinos nos ensinam que Adam foi o protótipo e exemplo para
cada indivíduo seguir. “Por este motivo o homem foi criado
único, para ensinar que ‘uma pessoa é equivalente
ao mundo inteiro’”. Isso significa que todo judeu, na verdade
todo ser humano, independentemente de tempo, lugar e status pessoal, tem
a total capacidade (e também o dever) de elevar-se e atingir o
mais alto grau de realização, e conseguir o mesmo para a
criação como um todo.
Rosh Hashaná – o aniversário do homem
Esta idéia é reforçada pelo fato de que o Ano Novo
Judaico – Rosh Hashaná – celebra o nascimento do homem,
que ocorreu no sexto dia da criação.
Na liturgia de Rosh Hashaná vemos que este é chamado “o
dia do início de Tuas obras” (texto da prece para Rosh Hashaná).
Por que é o “início de Tuas obras” quando, na
verdade, Rosh Hashaná corresponde ao sexto dia da criação?
A resposta é fornecida pelos Rabinos: Visto que o homem é
o supremo propósito e razão de ser de todos os âmbitos
do universo e com a criação do homem, a criação
inteira foi completada e realizada, o homem, com efeito, incorpora toda
a criação como se, antes dele, nada tivesse sido criado.
Apesar disso, a pergunta deve ser feita. Como isso pode ser verdade quando
há um mundo notável além do homem, um mundo impressionante
e digno de nota, como declaram os Salmos: “Como são numerosas
as Tuas obras, ó D’us”, e “Como são notáveis
as Tuas obras, ó D’us”?
Além disso, considerando a criação como um todo,
vemos que a “espécie falante” – o homem –
é numericamente muito inferior que a ordem dos animais e menor
ainda que a ordem das plantas, e menos em comparação com
a matéria inorgânica (terra, minerais, etc.).
A resposta – e este, na verdade, é um dos ensinamentos básicos
de Rosh Hashaná no que diz respeito à toda a criação
– é a seguinte: A ordem na escala de todas as coisas criadas
onde substância inorgânicas excedem as plantas, as plantas
superam em número os animais, e o homem é a menor espécie
de todas, está baseada na consideração de quantidade.
No entanto, quando se considera a qualidade, a ordem é invertida:
matéria inorgânica, que não tem sinais de vida e locomoção,
está na base da escala; acima dela vem o mundo das plantas, dotado
de crescimento, mas sem vitalidade e o movimento dos animais; ainda mais
acima está o reino animal que, como os animais não possuem
intelecto humano, é inferior ao homem – a mais elevada de
todas as criaturas. Pois, embora um animal tenha um intelecto todo seu,
este não é um fim em si mesmo, mas um instinto, cuja função
é servir às necessidades naturais do animal. No entanto,
o intelecto humano – desde que a pessoa se conduza como um ser humano
e não como um animal – é principalmente um fim em
si mesmo. Além disso, o intelecto humano atinge seu objetivo e
plenitude não quando serve de instrumento para a gratificação
das necessidades físicas, como é o caso dos animais, mas
sim quando todas as funções naturais como comer, beber e
similares, se tornam servas do intelecto, para que a pessoa possa elevar-se
ainda mais alto na busca intelectual e espiritual. Porém esta não
é exatamente a verdadeira realização do ser humano.
A verdadeira plenitude é atingida quando o intelecto o leva à
percepção que existe algo mais elevado que o intelecto,
para que o intelecto se renda por completo àquele ideal.
Em termos mais claros, a plenitude humana é atingida quando o intelecto
reconhece que o homem, e com ele toda a criação, deve esforçar-se
para atingir o reconhecimento e o apego a D’us, Criador do Universo
e Mestre de tudo que nele existe.
Este conceito está diretamente relacionado, e deve permear, nossa
vida diária como fica evidente também pelo fato de que o
Salmo que começa com “D’us reina, Ele Se revestiu em
majestade” – ter sido instituído como o “Salmo
Diário” para o sexto dia de toda semana do ano. Isto é
o que Adam, o primeiro homem, realizou quando reconheceu a soberania do
Criador, elevando a si mesmo e toda a criação ao nível
de reconhecimento de D’us.
A lição geral a ser deduzida de tudo isso é a seguinte:
refletindo sobre si mesma, a pessoa verá que a maior parte da sua
vida e a maioria dos seus esforços são despendidos com coisas
que, à primeira vista, são materiais e mundanas, como comer,
beber, dormir e similares. Fica evidente também que há um
número maior de “homens do mundo” que de “homens
de espírito”. Em geral, vê-se mais pessoas imersas
em assuntos materiais. Por isso, alguém poderia pensar erroneamente
que talvez os aspectos físico e material da vida são os
mais importantes no mundo.
Rosh Hashaná nos ensina que o oposto é o verdadeiro. Para
certificar isso, tomou cinco dias e parte do sexto para criar todos os
tipos de criaturas. Porém foi o homem, uma parte muito pequena
da criação no tempo e no espaço, que era a essência
e propósito de toda a criação. E no homem, também,
o essencial não é o corpo, que é “pó
da terra”, mas a alma, o espírito vivo que D’us “soprou
em suas narinas”; uma alma que é “realmente parte do
D’us acima”. Somente depois que o homem foi criado com a centelha
Divina dentro dele, a criação inteira se tornou digna e
completa. Assim, o homem pode ser corretamente descrito como o “início”
da criação em todos os âmbitos, e Rosh Hashaná,
o nascimento do homem, como “o dia do início de Tuas obras”.
O poder do justo
Porém logo depois da criação a narrativa bíblica
prossegue com a tentação do fruto proibido, o pecado de
Adam e o subseqüente exílio do Jardim do Éden. A serpente,
sinônimo da má inclinação, persuade o homem
a desconsiderar a missão de sua alma em troca do prazer momentâneo.
Adam precipita a humanidade num conflito constante entre sua má
e sua boa inclinação.
Os Sábios descrevem o que aconteceu da seguinte maneira: Na época
da criação a Shechiná – a Divina Presença
– repousava na terra. Após o pecado de Adam, a Shechiná
se afastou da terra para o primeiro firmamento (os Sábios falam
da existência de sete firmamentos, i.e., níveis espirituais),
e depois dos pecados de Caim e Abel, e a geração subseqüente
de Enosh, a Shechiná se removeu ainda mais, para o segundo e terceiro
firmamentos, até que a Shechiná fo removida, por meio dos
pecados das gerações seguintes, ao sétimo firmamento.
Foi o justo Avraham que, através do seu serviço Divino,
fez a Shechiná retornar a um nível, o sexto firmamento.
Seu filho Yitschac e seu neto Yaacov, e em seguida gerações
subseqüentes de pessoas justas, devolveram ainda mais a Shechiná,
até que Moshê, a sétima geração a partir
de Avraham, fez voltar a Divina Presença a esta terra, quando ele
construiu o Tabernáculo no deserto e a Shechiná repousou
ali.
Um dos grandes ensinamentos do Báal Shem Tov, o fundador do Movimento
Chassídico, é sobre o contínuo processo da criação.
A energia criativa Divina está constantemente pulsando na criação,
fazendo-a existir ex-nihilo a cada segundo. Se D’us parasse de criar
o mundo, mesmo que por um instante, tudo se reverteria ao nada e ao vazio,
como antes da criação. Quando os Sábios falam sobre
a “remoção da Divina Presença”, não
estão sugerindo que D’us literalmente Se removeu do mundo
– pois aí o mundo deixaria de existir. Ao contrário,
eles estão sugerindo que o pecado cria uma insensibilidade para
com a Divina Presença. A Divindade não é mais manifesta
e sentida pela criação. É quase como se D’us
estivesse exilado do Seu mundo. Este foi o resultado de gerações
de pecado, e foi somente pelos esforços dos justos que o mundo
ficou novamente sensível à Divina Presença e tornou-se
uma morada adequada para Sua presença.
Uma morada para D’us
Foi Avraham quem iniciou o processo de retorno, trazendo a Presença
Divina do sétimo para o sexto firmamento. Ele conseguiu isso estabelecendo
uma casa de hóspedes em Beer Sheba e servindo comida e água
aos viajantes. Depois que eles comiam, Avraham lhes pedia para dar Graças.
A Torá nos relata: “E Avraham chamava o nome de D’us.”
Os Sábios comentam ‘não lê’, “e
ele chamou’, mas leu, ‘e ele fez chamar’’, i.e.,
ele encorajou outros a chamarem. Maimônides declara que Avraham
tinha tamanha influência em seu tempo que conseguiu converter boa
parte da civilização conhecida a acreditar no monoteísmo.
Esta tarefa foi continuada por seus filhos, e as tradições
patriarcais e crença no monoteísmo foram continuadas e mantidas
mesmo depois da descida de Yaacov ao Egito e a subseqüente escravidão
e cativeiro. Embora impregnados e assimilados pela cultura egípcia,
os Filhos de Israel, em particular a tribo de Levi, manteve sua identidade
e suas crenças.
D’us tinha prometido a Avraham que seus descendentes serviriam uma
nação estrangeira somente por um determinado tempo, após
o qual seriam redimidos. Quando chegou o tempo da redenção
D’us enviou Moshê, bisneto de Levi, filho de Yaacov, para
cumprir aquela tarefa. O faraó, um deus auto-proclamado, foi sistematicamente
destruído pelas Dez Pragas. Ele e seus mágicos foram forçados
a admitirem que o “dedo de D’us” estava em ação.
Finalmente o povo judeu deixou o Egito, uma redenção do
cativeiro que se tornou o protótipo para todas as futuras redenções.
Eles testemunharam mais milagres – a abertura do mar e a derrota
dos amalequitas. Quarenta e nove dias após deixarem o Egito, ele
ficaram ao pé do Monte Sinai onde ouviram os Dez Mandamentos do
próprio D’us.
D’us lhe deu Sua Torá-instrução para toda a
nação. Logo depois do Sinai, Ele instruiu Moshê: “Façam
para Mim um santuário, para que Eu possa habitar no meio deles.”
Moshê iniciou a construção do Mishcan – o Tabernáculo
– uma estrutura portátil que abrigava a Arca Sagrada, que
continha as Tábuas de pedra e o Rolo da Lei. O Tabernáculo
seria o protótipo para todas as futuras sinagogas. Quando finalmente
ficou completado, a Presença Divina ali repousava. Os Sábios
nos dizem que a tarefa estava completa, e a Divina Presença agora
tinha voltado ao mundo.
A construção do Tabernáculo exemplifica o propósito
da criação que, nas palavras do Midrash, é que “D’us
desejava ter uma morada nos mundos inferiores”. O propósito
do homem é tomar a criação e permeá-la com
Divindade.
Esta idéia foi exemplificada no Tabernáculo. Quando os judeus
deixaram o Egito, levaram consigo grandes riquezas, que depois doaram
para os materiais necessários para a construção do
Tabernáculo. Todo aspecto dos reinos mineral, vegetal e animal
foi representado no Tabernáculo. As paredes eram feitas de painéis
de madeira revestidos de ouro. As oferendas levadas ao Tabernáculo
representavam a elevação da dimensão animalesca dentro
do homem e sua dedicação a um propósito mais elevado.
Todo aspecto do Tabernáculo transformava o material em espiritual.
Assim o Tabernáculo, que nossos Sábios dizem que era um
microcosmo, ou símbolo, do universo, refletia nossa própria
tarefa no mundo; ou seja, pegar o material e transformá-lo e elevá-lo
para um propósito espiritual. Por exemplo, comer para ficar saudável
para estudar Torá e cumprir as mitsvot, usar couro animal para
as mezuzot e tefilin e outros semelhantes.
Uma morada dentro de cada pessoa
Na frase: “Façam para Mim um santuário, para que Eu
possa habitar entre eles”, há um significado mais profundo.
Gramaticalmente, deveria ter declarado “para que Eu possa habitar
nele”, porém declara “para que Eu possa habitar entre
eles.” Os Sábios enfatizam que a construção
do Tabernáculo é uma sugestão para cada pessoa construir
uma habitação para a Divina Presença dentro de si
mesma.
Como foi mencionado anteriormente, toda pessoa recebe uma alma Divina.
É tarefa da alma fazer um Mishcan do corpo no qual ela reside,
elevando todas as funções corporais a um Divino propósito.
Em resumo, isso significa poder conectar toda função corporal
a D’us – e este é exatamente o propósito da
Torá e mitsvot. Na Torá, D’us nos instrui sobre como
conectar toda esfera de operação e função
com D’us. Por exemplo, em termos de tempo, “seus dias trabalhareis
e o sétimo descansareis.” A função do Shabat
é permitir que a pessoa se afaste do mundano e se concentre no
espiritual durante um dia por semana. Isso, por sua vez, cria uma nova
perspectiva na semana vindoura. Pelo simples fato de dedicar um dia por
semana ao estudo e à prece, a pessoa eleva a semana inteira.
As leis da cashrut conectam um judeu em seus hábitos alimentares,
e as leis de Taharat Hamishpachá elevam a intimidade. E assim com
todas as mitsvot.
Os Sábios nos dizem que um ser humano é feito de 248 membros
e 365 tendões. Estes correspondem aos 248 mandamentos positivos
e aos 365 mandamentos negativos da Torá. A palavra mitsvá
em aramaico significa “uma conexão”. Assim, há
613 maneiras de se conectar com D’us. O homem tem a capacidade de
conectar todo seu ser com D’us. Ao realizar esta tarefa ele cria
uma morada para D’us neste mundo, assim cumprindo o propósito
da criação.
Os mundos do espiritual e do material não estão em conflito.
O supremo objetivo é que se fundam e o material se mescle ao espiritual,
O âmago de do cumprimento de todas as mitsvot é tomar a criação
material e utilizá-la para um propósito Divino. Isto proporciona
uma harmonia maravilhosa tanto no indivíduo quanto no mundo em
geral. Este tema não é relegado à sinagoga ou aos
momentos de prática religiosa. Ao contrário, abrange todos
os tempos e lugares; onde quer que esteja e toda vez que uma pessoa age,
pode utilizar a tarefa à mão para seu propósito correto,
o Divino.
As recompensas do Mundo Vindouro
O Talmud está repleto de referências ao Mundo Vindouro. Maimônides
o descreve como “um mundo de almas’, um plano espiritual aonde
a alma retorna após sua estada neste mundo. A alma faz um balanço
de sua vida e, em seguida, seus méritos e deméritos são
cuidadosamente pesados nas balanças Divinas. Ele é então
recompensado pelas boas ações e pelo estudo de Torá.
A recompensa toma a forma de uma revelação da glória
de D’us, “banhar-se na Divina luz”. Talvez seja necessário
que a alma se purifique de sus indulgências e iniqüidades,
sendo enviada ao Gehinom, um local para purificação espiritual,
após o qual ascende ao céu. O Talmud usa os termos “Jardim
do Éden” ou :Academia Celestial” para descrever diversos
níveis e estágios da recompensa celestial.
Nesse sentido este mundo é um mero “corredor antes do Mundo
Vindouro”, um degrau temporário onde se pode ganhar um lugar
e um assento no Mundo Vindouro. Na verdade os Sábios declaram que
“melhor uma hora de felicidade celestial no Mundo Vindouro que todos
os prazeres deste mundo” (Avot 4:17). Não se deve servir
a D’us apenas para receber esta recompensa, porém D’us
não permanece em débito, e recompensará a pessoa
por todas as suas boas ações. Com esta finalidade há
um “olho observando, um ouvido escutando e uma mão anotando”
todas as ações de uma pessoa neste mundo. É mantida
uma contabilidade exata.
Porém, por maiores que sejam as recompensas do Mundo Vindouro,
elas não são o supremo propósito da criação.
Como foi declarado acima, o supremo propósito é que D’us
desejava ter uma morada nos mundos inferiores, neste mundo material e
físico. É nesse sentido que os Sábios declaram que
“melhor uma hora de arrependimento e boas ações neste
mundo que todo o Mundo Vindouro”. Embora as revelações
dos mundos espirituais mais elevados sejam magníficas e uma verdadeira
recompensa para os esforços da alma, o supremo desejo de D’us,
no entanto, são as boas ações e as mitsvot deste
mundo.
É por este motivo que não há uma menção
declarada do Mundo Vindouro nas Escrituras. A Torá está
preocupada primeiramente com a vida neste mundo. A alma existe antes de
sua descida, e retorna ao âmbito celestial após a vida. É
uma “descida com o propósito da subida”, sendo que
a subida é o cumprimento do supremo propósito da criação,
a criação de uma morada para D’us neste mundo.
O Rei Shelomô descreve a alma como “a lamparina de D’us”.
Para que D’us precisa de uma lamparina? Existe algum lugar que seja
escuro perante Ele? A vela é necessária para este mundo,
no qual D’us revestiu Sua majestade. A alma ilumina o corpo e o
mundo, permitindo-lhe reconhecer o Criador, por meio do cumprimento da
Torá e mitsvot na vida diária.
Rabi Shneur Zalman de Liadi, fundador de Chabad, costumava dizer: “Eu
não desejo Teu Jardim do Éden, eu não quero Teu Mundo
Vindouro, quero apenas a Ti, a Ti Mesmo.” Ele queria dizer que,
embora a felicidade espiritual do Mundo Vindouro seja grande, D’us,
Ele Mesmo, é sentido apenas ao se cumprir o supremo propósito
– com uma hora de arrependimento e boas ações neste
mundo.
Um propósito específico
Além disso, toda alma tem um propósito específico
além do objetivo geral de fazer uma morada para D’us neste
mundo. O Báal Shem Tov dizia que uma alma, além de cumprir
a Torá e mitsvot, pode descer a este mundo e viver durante 70 ou
80 anos apenas para fazer um favor no âmbito material ou no espiritual.
Como alguém sabe o seu propósito específico? Como
a pessoa sabe qual favor é o propósito para a descida de
sua alma? A resposta é que tudo acontece pela Divina
Providência, e se uma pessoa se vê frente a uma determinada
oportunidade, certamente esta foi enviada pelo Alto, e deve ser tratada
como se fosse o objetivo para a descida da própria alma.
Nossos Sábios declararam “tudo vem das mãos do céu,
exceto o temor ao Céu”. Isso significa que tudo que acontece
a uma pessoa vem do Céu. O tempo e local específicos em
que uma pessoa vive e sua posição na vida, se é rica
ou pobre, etc., são decididos Acima. A única contribuição
da pessoa é “o temor do Céu” – sua reação
numa determinada situação. Todos encaramos oportunidades
únicas e desafios, e cabe a nós utilizá-los para
o propósito Divino.
A descida da alma
Nossos Sábios declararam ainda que “toda e cada alma esteve
na presença da Sua Divina Majestade antes de descer a esta terra”,
e que “as almas são tiradas de sob o Trono da Glória.”
Estes ditos enfatizam a natureza essencial da alma, sua santidade e pureza,
e como ela está completamente separada de qualquer coisa material
e física; a alma em si, por sua própria natureza, não
está sujeita a quaisquer desejos materiais ou tentações,
que surgem apenas no corpo físico e na “alma animalesca”.
Mesmo assim, foi a vontade do Criador que a alma – que é
realmente uma “parte” do Divino, deveria descer ao mundo físico
e grosseiro, e ficasse confinada, e unida, com um corpo físico
por alguns anos num estado diametralmente oposto à sua natureza
espiritual. Tudo isso com a finalidade de uma Divina missão que
a alma tem de desempenhar para purificar e espiritualizar o corpo físico
e seu ambiente físico a ela relacionado, fazendo deste mundo uma
morada para a Divina Presença. Isso somente pode ser feito por
meio de uma vida de Torá e mitsvot.
Quando a alma cumpre sua missão, toda a dor e sofrimento transitórios
conectados com a descida da alma e a vida nesta terra são não
apenas justificados, mas também superados, pela grande recompensa
e felicidade eterna que a alma desfruta depois.
Uma oportunidade desperdiçada
Pelo exposto acima pode-se avaliar a extensão da tragédia
de desconsiderar a missão da alma na terra. Pois, ao fazê-lo,
faz-se com que a descida da alma a este mundo tenha sido em vão,
pois não atingiu o seu propósito. Mesmo quando há
breves momentos de atividade religiosa no estudo de Torá e no cumprimento
de mitsvot, é triste contemplar com que freqüência esta
atividade é manchada pela falta de verdadeiro entusiasmo e júbilo
interior, sem o reconhecimento de que estas são as atividades que
justificam a existência.
Além de perder o ponto vital pela falha em aproveitar a oportunidade
de cumprir a vontade de D’us, assim merecendo os eternos benefícios
que advêm disso, é contrário à razão
escolher aquele lado da vida que acentua a escravidão e decadência
da alma ao mesmo tempo em que rejeita o bem intrínseco; ou seja,
a grande elevação que resulta da descida da alma.
A atitude certa é aproveitar ao máximo a permanência
da alma na terra, e uma vida permeada pela Torá e mitsvot torna
isso possível.
Está claro também que como D’us, que é a essência
da bondade, força a alma a descer de suas alturas sublimes para
as profundezas com o propósito de estudar Torá e cumprir
as mitsvot, isso deve significar que o valor da Torá e mitsvot
é muito elevado.
Além disso, a descida da alma com o propósito de ser elevada
demonstra que não há outra maneira de obter este objetivo,
exceto por meio da descida da alma para viver nesta terra. Se houvesse
uma maneira mais fácil, D’us não obrigaria a alma
a descer a este mundo inferior. Pois somente aqui, naquilo que os cabalistas
chamam de mundo inferior, a alma pode atingir seu nível mais elevado,
mais elevado até que o dos anjos e, como dizem nossos Sábios:
“Os justos são superiores aos primeiros anjos”.
Servir a D’us com júbilo
Refletindo sobre a grandeza da Torá e das mitsvot, especificamente
no que diz respeito a esta vida, refletindo também que a Torá
e mitsvot são o único meio de se conseguir a perfeição
da alma e o cumprimento do Divino propósito; a pessoa terá
uma sensação de verdadeira alegria quanto ao próprio
fado e destino, apesar das muitas dificuldades e obstáculos, internos
e externos, que são inevitáveis nesta terra. Somente dessa
maneira pode-se corresponder à ordem “Serve a D’us
com júbilo”, a qual o Báal Shem Tov fez uma das fundações
de seus ensinamentos, que é explanada em profundidade nos ensinamentos
de Chabad e enfatizada por Rabi Shneur Zalman de Liadi em sua obra monumental,
o Tanya (cap. 26, 31).
Em última análise, trilhar este caminho na vida levará
à verdadeira felicidade. Felicidade – no sentido judaico
– pode ser definida assim: quando alguém está fazendo
aquilo que D’us deseja dele naquele dado momento, então ele
pode ser realmente feliz. Portanto, se em qualquer dado momento ou situação,
um indivíduo age de acordo com as diretivas da Torá-instrução,
ele é realmente uma pessoa feliz e abençoada. Esta sensação
transcende todos os assuntos mundanos, pois esta pessoa entende que tudo
que acontece na vida é orquestrado por D’us.
Conclusão
Obviamente é necessário estudar Torá e ter consciência
de como cumprir suas diretivas na vida diária. A Torá é
a sabedoria Divina, e não há união maior com D’us
que pela unidade intelectual do estudo. Porém, “a ação
é o principal”. O supremo propósito do estudo é
levar à ação – ao cumprimento das mitsvot –
no sentido de cumprir o propósito da criação, de
fazer uma morada para D’us neste mundo.
Toda e cada mitsvá tem um efeito cósmico e revela a presença
de D’us. A revelação total deste efeito será
aparente quando Mashiach vier. Naquela era, toda a busca do homem será
conhecer a D’us.
Jerusalém, a capital espiritual do mundo é formada de duas
palavras hebraicas, yirah e shalem, que significam “perfeita reverência”.
A reconstrução de Jerusalém denota a reconstrução
no mundo daquele estado perfeito de reverência e a presença
total de D’us, que foi encontrada no jardim do Éden. Cada
mitsvá individual é um passo no sentido de cumprir aquela
meta.
Seria bom para nós darmos atenção ao conselho do
Rei Shelomô, o mais sábio de todos os homens, quando escreveu
ao final do Livro de Cohêlet: “Em última análise,
tudo se sabe; teme a D’us, e observa Seus mandamentos; pois este
é todo o propósito do homem.”
Nas palavras de nossos Sábios, “Eu fui criado com o único
propósito de servir ao meu Criador."
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