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A
luta de um homem corajoso que salvou milhares de judeus durante a Guerra
Sempo Sugihara acordou
com os gritos do lado de fora do consulado japonês em Kovno, na
Lituânia. Através de uma janela, o diplomata de 40 anos de
idade, viu, incrédulo, centenas de homens, mulheres e crian-ças.
Muitos destes homens tinham barba e usavam longos casacos e chapéus
de pele. Algumas pessoas seguravam bebês ou ajudavam os parentes
mais idosos. A maioria carregava tudo o que possuía em trouxas.
"São refugiados judeus" – um contínuo do
consulado disse a Su-gi-hara. "Querem que o senhor salve suas vidas."
Era 27 de julho de 1940. No mês de setembro anterior a Alemanha
invadira a Polônia e relatórios horríveis dos crimes
alemães contra os judeus se espalhavam. Mas o que isto tinha a
ver com um obscuro diplomata japonês na Lituânia? Sugihara
pe-diu um encontro e Zorach War-haftig, um advogado na casa dos 30, explicou
a situação de seu povo.
Famílias inteiras estavam sendo assassinadas pelos nazistas, War-haftig
contou a Sugihara. Os refugiados conseguiram chegar à Lituânia
dominada pelos russos, mas era apenas uma questão de tempo antes
da guerra estourar ali também.
Sobrava apenas uma rota de fuga – por terra através da União
Soviética. Mas os russos nunca os deixa-riam passar sem prova de
que os judeus seriam recebidos por outro país depois de cruzar
a União Soviética. Outros con-su-la-dos na Lituânia
ou foram omissos ou fecharam.
Milhares de vistos seriam necessários. "Quero ajudá-los"
– disse Sugihara – "mas tenho que pedir permissão
a Tóquio."
Warhaftig ficou preocupado. Poucos países em 1940 queriam ajudar
os judeus deserdados e o Japão era quase um aliado formal da Alemanha.
Na multidão naquele dia estava Yehoshua Nishri, 20 anos. Ele ouviu
o relato de Warhaftig. É nossa única esperança –
pensou. O tempo está correndo.
Sugihara telegrafou ao Ministro do Exterior em Tóquio, explicando
a situação dos judeus. "Estou pedindo permissão
para emitir vistos de trânsito imediatamente" – escreveu.
Dois dias mais tarde veio a resposta. Decepcionado, Sugihara leu: "Você
não pode conceder vistos de trânsito para pessoas sem destino
conhecido."
Naquela noite, Sugihara andou para lá e para cá até
a alvorada. "Preciso fazer alguma coisa" – disse à
esposa, Yukiko, que ficou acordada com ele.
"Sim" – Yukiko disse. "Precisamos." Ela pensou,
triste, no aviso do parque de "Proibido para judeus." Como as
pessoas podem fechar seu coração por ódio cego? ela
pensava. O olhar de desespero nos olhos daqueles refugiados – especialmente
daqueles com crian--ças pequenas – tocou a jovem mãe
de três meninos.
Sugihara telegrafou novamente a Tóquio, explicando que aquele refugiados
precisariam de 20 dias para cruzar a União Soviética. Partindo
de barco do porto russo de Vladivostok, em 30 dias chegariam ao Japão.
Com certeza, em 50 dias, ele argumentou, um destino final seria encontrado.
A resposta ainda era não.
Sugihara mandou um terceiro telegrama para Tóquio explicando que
com um avanço nazista iminente, os judeus não tinham mais
para onde se voltar. De novo, negativo. A escolha para Sempo Sugihara
era óbvia: tinha de obedecer a seu governo ou a sua cons-ciên-cia.
Sempo Sugihara sempre agia in-depen-dentemente. Formou-se no colégio
com notas brilhantes e seu pai insistiu que fosse médico. Mas o
sonho de Sempo era estudar literatura e morar no exterior.
Na manhã do vestibular de medicina, o jovem Sugihara saiu de casa
com o conselho de seu pai para dar o melhor de si. Mas quando as provas
foram entregues, ele escreveu seu nome no cabeçalho e colocou o
lápis de lado. Quando o teste terminou, entregou uma folha em branco.
Sugihara foi estudar inglês na conceituada Universidade Wase-da.
Pagou seus estudos trabalhando meio-período como es-ti-va-dor,
professor particular e puxador de riquixá.
Certo dia, ele viu um anúncio intrigante nos classificados. O Ministério
das Relações Exteriores estava procurando jovens que quisessem
estudar no exterior como início para a carreira diplomática.
Caía como uma luva para o jovem sonhador. Um dos únicos
a passar o teste eliminatório, Sugihara foi enviado para Harbin,
na China. Lá estudou russo.
Depois de se formar com louvor, entrou a serviço do governo da
Mandchúria controlada pelos japoneses, no nordeste da China. Chegou
a vice-ministro de Relações Exteriores. Certa vez, quando
o governo soviético queria vender uma ferrovia aos japoneses, Sugihara
pesquisou o negócio. Depois de descobrir que o preço pedido
era o dobro do valor da ferrovia, conseguiu cortar o preço pela
metade.
Tal iniciativa logo colocou Su-gi-hara a um passo de se tornar Ministro
das Relações Exte-riores da Mandchúria. Mas ele ficou
desalentado com a maneira cruel com que seus concidadãos tra-ta-vam
a população local. Sugi-ha-ra renunciou ao cargo de vice-ministro
e voltou ao Japão em 1934.
Uma vez que era um funcionário do governo japonês que dominava
o russo como ninguém, o Chanceler esperava colocá-lo na
embaixada em Moscou. Mas os soviéticos se lembraram do negócio
da ferrovia e recusaram as credenciais de Sugihara. Em vez disso, Tóquio
enviou-o a Lituânia para abrir uma represen-tação
consular em 1939. Lá po-deria relatar as atividades sovié-ti--cas
e os planos alemães de guerra. Seis meses mais tarde, a guerra
eclodiu e a União Soviética anexou a Lituânia. Todos
os consulados deveriam ser fechados. E a multidão de judeus nos
portões de Su-gihara aumentava a cada instante.
Sugihara e sua esposa discutiram o que aconteceria se ele desobedecesse
ordens. "Poderia ser o fim de minha carreira" – ele disse.
Mas no final, Sugihara sabia que caminho seguir.
"Vou ter de desobedecer a meu governo" – disse a Yukiko.
"Mas se não o fizer, estarei desobedecendo a D’us."
Fora do consulado, Sugihara anunciou à multidão: "Vou
conceder vistos de trânsito a quem quiser."
Houve um silêncio chocante, depois uma explosão de alegria.
Muitos choravam, rezando. Uma fila longa e desorganizada se formou enquanto
as pessoas se acotovelavam por um lugar.
Uma vez que os vistos japoneses eram apenas de trânsito, as pessoas
deveriam ter de declarar um destino final. Curaçao, uma possessão
holandesa no Caribe, foi uma sugestão. Warhaftig obteve uma declaração
de que não era necessário visto para entrar nesta colônia.
Sugihara começou a emitir vistos naquela manhã, 1º de agosto.
Primeiro, ele fazia as perguntas de praxe: se tinham passagem para fora
do Japão; se tinham dinheiro suficiente para a viagem. Mas quando
se tornou óbvio que muitos refugiados fugiram com a roupa do corpo,
Sugihara omitiu estas perguntas.
Igo Feldblum, 12 anos, e sua família, escaparam de Cracóvia,
Po-lônia. Quando foi sua vez de entrar no escritório de Sugihara,
um dos assistentes do cônsul sussurrava uma frase a cada membro
da família de Igo: "Banzai Nipon!" (Vida longa ao Japão!).
Com estas palavras, Sugihara podia confirmar que os refugiados "falavam
japonês".
Cada visto levava quinze minutos. Sugihara deixara de almoçar para
emitir tantos quanto possível. Mesmo assim, quando finalmente parou
naquela primeira noite, a multidão não diminuiu.
Ele trabalhou dia e noite e quando acabaram os formulários oficiais,
escreveu mais à mão. À medida que passavam os dias,
ele começou a ficar fraco. Seus olhos se tornaram injetados pela
falta de sono. "Penso se não deveria parar já"
– disse, exausto, à sua esposa uma noite.
"‘Vamos salvar o mais que pudermos" – Yukiko respondeu
baixinho.
Na terceira semana de agosto, Sugihara recebeu telegramas ordenando-o
a parar. Grande número de refugiados poloneses chegava ao Japão
nos portos de Yo-ko-hama e Kobe, provocando confusão. Sugihara
ignorou as ordens.
No final de agosto, os soviéticos exigiam que o consulado -fosse
fechado. Tóquio instruiu Sugihara a se mudar para Berlim. Porém
centenas de judeus ainda estavam chegando. As faces suplicantes na multidão
eram demais para ele. "Vou ficar uma noite num hotel aqui" –
anunciou. "Vou conceder o máximo de vistos que puder antes
de partir."
Uma multidão seguiu a família até o hotel, onde Sugihara
continuou a escrever. Na manhã seguinte, um grupo ainda maior seguiu
Sugihara e sua família à estação do trem.
No trem, ele continuou a escrever freneticamente, mas não conseguia
dar vistos para todos. Começou a assinar seu nome em folhas em
branco, esperando que o resto pudesse ser preen-chido. Ainda estava passando
papéis quando o trem partiu.
"Sempo Sugihara" – um homem gritou nos trilhos –
"nunca o esqueceremos."
Agarrando seus preciosos vistos, os refugiados partiram para o leste através
da Sibéria. Quando se encontraram em segurança a bordo de
um navio para o Japão, muitos estavam convencidos de que a pressa
com que Su-gi-ha-ra escreveu e selou os pedaços de papel fora de
algum modo abençoada.
Moshê Cohen, um estudante de religião de 17 anos, certamente
o pensava. Quando seu grupo se preparava para subir no navio para Kobe,
Cohen viu um oficial russo empurrar um rabino em direção
a dois oficiais japoneses que verificavam os vistos. Quando o rabino abriu
seu passaporte, o vento carregou o visto, levando-o num arco flutuante
sobre a água.
"Todos olhamos, transfixados" – disse Cohen. "Voou
a nosso redor até aterrissar na rampa, bem em frente aos pés
do rabino. Ele o entregou aos japoneses, que acenaram para que seguisse."
No Japão, os judeus foram tratados sem discriminação.
Quando seus vistos de trânsito expiraram, tiveram permissão
para ir para Xan-gai esperar pelo fim da guerra. Cu-ra-çao estava
fechado para eles. Depois da guerra, alguns ficaram no Japão. A
maior parte dos outros foi para os Estados Unidos, América do Sul
ou Palestina, o futuro Estado de Israel.
Sugihara estima que concedeu 3.500 vistos. Outros dizem que foram 6.000.
Durante a guerra, Sugihara dirigiu os consulados na Tche-cos-lo-váquia,
Romênia e Alemanha. Uma vez que seu governo nunca mencionou os vistos,
achava que haviam esquecido.
Em 1945, Sugihara dirigia o consulado japonês em Bucareste, Romênia,
quando ele e sua família foram presos pelas tropas soviéticas
e levados a um campo de prisio-neiros. Depois de 21 meses, a família
retornou ao Japão.
De volta a Tóquio, Sugihara esperava que lhe oferecessem uma embaixada.
Mas o vice-chanceler pediu sua renúncia. A costumeira carta de
recomendação foi negada. Sugihara percebeu que se lembravam
do que ele fizera na Lituâ-nia.
Para sustentar a família, o diplomata de carreira primeiro tentou
vender lâmpadas de porta em porta. Finalmente se mudou para Moscou
para dirigir uma filial de uma empresa exportadora, deixando sua família
para trás por longos períodos de tempo.
Os judeus cuja vida ele salvou nunca se esqueceram de Su-gi-hara. Muitos
tentaram encontrá-lo; suas investigações junto à
Chan-celaria de Tóquio foram infrutíferas.
Certo dia, em 1967, o filho de Su-gihara, Hiroki, recebeu uma mensagem
de um oficial da embaixada israelense em Tóquio que queria vê-lo.
Era Yehoshua Nishri, que havia rastreado a família por meio de
uma lista de universitá-rios.
"Há anos procuro por seu pai" – Nishri contou a
Hiroki. "Nunca esquecerei o homem que salvou minha vida."
Hiroki disse que seu pai estava trabalhando em Moscou. "Diga-lhe
que Israel quer homenageá-lo pelo que ele fez" – Nishri
falou.
Hiroki recebeu uma resposta típica de seu pai: estava ocupado com
o trabalho e não tinha tempo para agradecimentos oficiais. Mas
três meses mais tarde, Nishri convenceu Sugihara a ir para Israel.
Em Tel-Aviv, Sugihara foi recebido como herói. Houve festas para
homenageá-lo organizadas por quem ele salvou – alguns deles
desempenhavam papel importante na jovem história de Israel. Entre
eles, Zorach Warhaf-tig que ajuda-ra a escrever a Decla-ração
de Independência de Israel e era agora Ministro de Assuntos Religiosos.
"Sempre fiquei a pensar" – disse Warhaftig – "por
que você fez aquilo."
Sugihara respondeu: "Vi pessoas em desespero e era capaz de ajudá-las
e, então, por que não fazê-lo?"
Em 1984, o Departamento dos Mártires e Heróis do Holocausto
de Israel concedeu a Sugihara o título de "Justo entre as
Nações." Sugihara, com 85 anos, estava fraco demais
para comparecer à cerimônia, assim sua esposa recebeu o prêmio.
Um parque recebeu seu nome em 1992; Sugihara recebeu o título de
cidadão honorário de Israel.
Sugihara foi homenageado nos Estados Unidos também. Recentemente,
a Yeshivá de Mir celebrou o jubileu de ouro em Nova York. Todo
o corpo docente e dis-cente da escola – cerca de 300 rabinos, alunos
e familiares – fugiu de Mir, Polônia e foi salvo por Sugihara.
O aniversário foi comemorado com a criação do Sempo
Sugihara Educational Fund em prol dos jovens eruditos judeus.
Igo Feldblum é atualmente médico em Haifa, Israel. "Um
homem corajoso faz coisas difíceis" – reflete. "Um
herói faz coisas que parecem impossíveis. Ele agiu mesmo
sabendo que nada ganharia em troca."
Sugihara morreu no Japão em 1986 em relativa obscuridade. Apenas
quando um grande número de judeus ortodoxos compareceu a sua casa
para o funeral é que seus vizinhos perceberam que viviam ao lado
de um herói.
Em 1991, o governo japonês emitiu um tardio pedido de desculpas
a sua família por demiti-lo. Sua esposa e filhos ainda têm
contato com judeus agradecidos que receberam um dos vistos de Su-gi-hara.
Estima-se que se os descen-dentes dos que foram salvos fossem computados,
haveria dezenas de milhares em todo o mundo que devem suas vidas ao corajoso
diplomata.
Warhaftig, que tem 25 netos, olha para trás para o que aconteceu,
e diz:
"Sempo Sugihara foi um emissário de D’us."
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