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Certamente você
já ouviu falar da 'Era Dourada' dos judeus da Espanha, há
quase mil anos. Foi na época em que a Espanha era governada pelos
árabes. Muitos judeus notáveis e famosos, talmudistas, poetas,
filósofos e músicos floresceram na Espanha naqueles dias.
Rabi Moshe ben Maimon, Rabi Judah Halevi, Rabi Moses ben Nachman, Rabi
Avraham ben Ezra, Rabi Solomon ibn Gabirol, Rabi Joseph In Migash são
apenas alguns dos vultos famosos de nossa História. Muitos judeus
também ocuparam posições importantes nos assuntos
de Estado, como conselheiros ou ministros dos governantes árabes,
os Califas, como Hasdai ibn Shaprut, Rabi Samuel Hanagid, e outros.
Os estadistas e financistas judeus, bem como os mercadores e artesãos,
ajudaram a desenvolver o comércio e a indústria do país.
Havia famosas academias talmúdicas (yeshivot) nas comunidades judaicas
espanholas, e os judeus viviam felizes, tanto material quanto espiritualmente.
Este feliz estado de coisas durou por cerca de duzentos anos, e então
veio o trágico fim. Primeiro houve uma mudança nos governantes
árabes, que deixaram de ser amigos dos judeus. Então a Espanha
passou gradualmente a ficar sob o domínio dos cristãos,
que expulsaram os árabes e se tornaram os novos governantes.
Pois nem bem o reinado cristão foi firmemente estabelecido na Espanha,
e começaram os terríveis tempos para os judeus. Monges fanáticos
espalharam o ódio contra os judeus que não aceitavam a fé
cristã. Havia libelos de sangue e ataques contra judeus. Estes
tiveram de fazer uma terrível opção: a cruz ou a
espada. Embora muitos judeus preferissem morrer por sua fé, outros
não tiveram a força de fazê-lo, e se tornaram "cristãos"
apenas no nome, praticando secretamente sua fé judaica. Eram chamados
"Marranos" (porcos, em espanhol) pelos cristãos, que
os desprezavam e odiavam. Os líderes da Igreja começaram
a vigiá-los, e estabeleceram um tribunal secreto, a Inquisição,
onde os Marranos suspeitos eram torturados para serem forçados
a confessar sua lealdade à fé judaica. Então eram
queimados vivos em praça pública, para espalhar o terror
entre os outros Marranos.
Apesar disso, os Marranos demonstraram imensa coragem, e continuaram a
praticar sua fé secretamente nos porões de suas casas. Eles
casavam-se apenas entre si mesmos, e permaneciam fiéis à
religião de seus ancestrais. À medida que aumentavam as
perseguições contra os judeus, crescia o número de
Marranos. A Inquisição decidiu que enquanto houvessem judeus
na Espanha, os Marranos não assimilariam com os cristãos,
e de qualquer maneira os judeus não eram mais desejados na Espanha.
E então, quando o Rei Fernando e a Rainha Isabel de Espanha uniram
todos os cristãos sob seu governo, foram persuadidos pela Inquisição
a expulsar os judeus do país.
Em Tishá Beav de 5252 (1492), os judeus da Espanha foram expulsos
do país; somente aqueles que concordavam em se tornar cristãos
tiveram permissão de ficar. Cerca de 150.000 judeus deixaram suas
casas e seus pertences para trás, e saíram da Espanha. Isso
foi tudo que restou dos judeus que certa vez tinham vivido tão
felizes naquele país. Muitos deles encontraram refúgio no
país vizinho, Portugal, mas após cinco anos foram expulsos
ainda mais cruelmente daquela nação. Os Marranos continuaram
a levar a vida como antes, e a Inquisição teve muito o que
fazer nos séculos seguintes.
Daremos aqui a história de uma famosa família de Marranos,
cerca de duzentos anos após a expulsão da Espanha e Portugal.
Os Marranos daqueles países, vivendo em constante terror, tinham
apenas uma esperança: escapar para algum país amigo para
jogar fora aquele odioso disfarce e viverem abertamente como judeus.
Assim ocorria com a família Nunez. Durante muitas gerações,
esta família mantivera sua fé judaica em segredo, e alguns
membros da família tiveram morte violenta nas mãos da Inquisição.
(Clara Nunez foi queimada em Sevilha, Espanha, em 1632, e no mesmo ano
Isabel e Helen Nunez também foram condenadas à morte por
sua lealdade à fé judaica). Um ramo da família, que
vivia em Portugal, estava entre as mais conhecidas famílias nobres.
Embora vivessem quase 250 anos depois da Expulsão da Espanha e
Portugal, esta família ainda observava secretamente a religião
judaica. Era liderada por Samuel Nunez, nascido em Portugal, e que se
tornara um famoso médico. Fora nomeado Médico da Corte do
Rei de Portugal. Além dos serviços que prestava à
família real, toda a nobreza considerava um privilégio ser
atendido por ele. O Dr. Nunez não era requisitado apenas como profissional,
como também era convidado a todos os eventos sociais importantes.
Além disso, quando ele organizava um banquete ou um baile em seu
lindo palácio sobre o Rio Tejo, a elite da sociedade lisboeta estava
entre seus convidados.
O Dr. Nunez ainda era jovem quando atingiu o auge do seu sucesso profissional
e nos círculos sociais. Isso naturalmente provocou inveja entre
os seus competidores, e a Inquisição deu a eles uma excelente
oportunidade de tentar prejudicá-lo.
Embora na superfície o Dr. Nunez fosse um católico tão
bom quanto qualquer outro cristão que freqüentasse a igreja,
os líderes da Inquisição registraram os avisos dados
pelos inimigos do médico. Eles conseguiram infiltrar um "agente"
na casa da família Nunez, disfarçado de criado, para informar
sobre o que acontecia no círculo familiar.
Finalmente o agente relatou que a família Nunez estava definitivamente
praticando a religião judaica em segredo, pois todos os sábados,
eles se recolhiam a uma sinagoga nos subterrâneos do palácio,
onde jogavam fora o disfarce de cristãos e rezavam como verdadeiros
judeus.
Embora os líderes da Inquisição conseguissem prender
toda a família Nunez e colocá-la na prisão, sua alegria
durou pouco, pois o Dr. Nunez era muito popular e tinha amigos influentes
entre a nobreza. Estes convenceram o rei a libertar Dr. Nunez e sua família
da prisão e permitir que se instalassem novamente no palácio
como Médico da Corte.
Geralmente o rei era completamente influenciado por seu "padre confessor"
– um sacerdote católico, mas nesse caso ele não lhe
contou sua decisão (apoiado por toda a família real), dando
ordens para que a família Nunez fosse libertada imediatamente e
pudesse voltar à sua residência às margens do Tejo.
Havia uma condição, porém, que empanava a alegria
da família Nunez durante sua libertação – dois
funcionários da Inquisição deveriam residir com a
família para certificar que eles não praticavam a religião
judaica. Isso, obviamente, fez o Dr. Nunez planejar uma fuga. Mas como
conseguir isso sob os olhos sempre vigilantes dos inquisidores?
O Dr. Nunez teve uma idéia ousada e brilhante. Organizou um banquete
e convidou todas as pessoas importantes da cidade. Entre essas havia muitos
funcionários de altos cargos que, embora suspeitassem dele no tocante
à fé, ficaram felizes em aceitar o convite para o banquete,
pois era considerado um privilégio estar presente.
O banquete terminou e o baile estava no auge quando o Dr. Nunez mandou
a orquestra parar e fez a seguinte declaração chocante:
"Meus amigos! Tenho uma bela surpresa para vocês! Estão
todos convidados a embarcarem em meu iate, que foi preparado para o vosso
prazer. As diversões da noite continuarão ali, com o Capitão
ao vosso serviço. Por aqui, Senhoras e Cavalheiros!"
Com estas palavras, Dr. Nunez saiu da sala, e todos os convidados o seguiram
alegremente, deliciados com a surpresa.
Todos apanharam seus casacos e, conversando com animação,
embarcaram no iate que balançava suavemente no embarcadouro do
palácio.
O que os convidados não sabiam era que uma surpresa não
muito agradável os esperava. Somente uma hora depois do embarque,
eles perceberam que o iate estava se movendo! E a julgar pela velocidade,
não era um iate, mas um barco enorme. Sim, eles estavam navegando
para longe da costa de Portugal a toda velocidade, rumando para as praias
mais amigáveis da Inglaterra. Bem, amigáveis para a família
Nunez. O médico arranjara cada detalhe com a ajuda dos seus parentes,
os Mendez, um dos quais tinha se casado com a filha de Nunez. Este conseguira
vender em segredo parte de suas propriedades e outros bens, e tinha transferido
o dinheiro para a Inglaterra através de mensageiros secretos. Assim
ele conseguiu contratar um capitão britânico para levar seu
barco ao Rio Tejo na noite do banquete, preparado para receber muitos
passageiros.
O Dr. Nunez assegurou aos convidados que, assim que chegassem à
costa inglesa, o barco voltaria imediatamente com eles para Portugal.
Quanto ao Dr. Nunez, os convidados tinham de admitir que não era
sua culpa o fato de ser obrigado pela Inquisição a deixar
o país que estiveram tão pronto a aceitar seus serviços
e seu conhecimento, mas não lhe permitira que ele e a família
vivessem segundo sua fé e consciência.
Conforme fora arranjado com antecedência, a família Nunez
foi transferida para outro barco que estava deixando a Inglaterra com
outros marranos a caminho da Geórgia, na América, para estabelecer
uma colônia. No verão de 1733, os Marranos, liderados pela
família Nunez, chegaram a Savaná, na Geórgia. Foram
calorosamente recebidos pelo governador inglês, James Oglethorpe,
um homem tolerante e compreensivo.
Quando os administradores do território em Londres souberam que
Oglethorpe tinha doado terra aos refugiados judeus, e que eles construíram
casas e estavam bem estabelecidos, enviaram um protesto indignado ao Governador,
dizendo: "Não queremos que a nova terra se torne uma colônia
judaica!"
O Governador, porém, era um homem justo que percebera como tinha
sorte de contar com refugiados tão valiosos. O Dr, Nunez certamente
seria útil naquelas vastidões semi-desertas, pois poucos
profissionais se aventuravam a viver naquele país pioneiro. Os
outros refugiados, também, tinham levado seus ofícios e
riquezas com eles, mas mesmo que não tivessem, o bondoso Governador
não tinha intenção de fazer os recém-chegados
sofrerem perseguição no novo país. Eles já
tinham sofrido bastante em suas terras de origem.
Quando os administradores em Londres continuaram a insistir com Oglethorpe
para expulsar os colonos judeus, ele fingiu levar a ordem em consideração.
Porém os registros daqueles tempos, ainda preservados em Savaná,
demonstram que não apenas ele não expulsou os judeus, como
ao contrário, concedeu-lhes ainda mais terras e privilégios.
A História nos conta que o Dr. Nunez e sua família mais
tarde se mudaram para Charleston, na Carolina do Sul. Porém alguns
membros da família permaneceram em Savaná, cultivando as
seis ricas propriedades que receberam do Governador Oglethorpe, pelos
valiosos serviços prestados à colônia pela família
Nunez. Posteriormente, o genro do Dr. Samuel Nunez mudou-se para Nova
York e se tornou o líder espiritual da recém-fundada comunidade
portuguesa. Um descendente deste ramo da família do Dr. Samuel
Nunez Ribeiro foi prefeito de Nova York, Dr. Manuel Mordechai Noah, idealizador
de um dos projetos de estabelecer uma colônia judaica na América.
Com certeza concordaremos que a família daquele nobre e corajoso
médico, temente a D'us, Dr. Samuel Nunez Ribeiro, merece um local
de destaque na História Judaica.
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