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  Neurologia e a Alma
 
Por Yaakov Brawer
 

Uma pergunta feita com frequência é se há conflitos entre Torá e ciência. Na verdade, não há conflitos entre ciência e Torá desde que a ciência em discussão seja verdadeira ciência, e não a pseudo-ciência popularizada que é comumente lançada sobre um público não-discriminador e confiante.

De fato, conclusões vindas de autêntica e completa investigação científica invariavelmente concordam com a Torá. O fato de que a maioria das conclusões científicas sejam incompletas e improvisadas pode levar alguém a acreditar equivocadamente que a Torá diz coisas que a ciência não confirma. Quando consideramos esses supostos conflitos mais cuidadosamente, no entanto, vemos que devido a dados inadequados ou insuficientes, a “conclusão” científica não é realmente uma conclusão – mas sim apenas uma hipótese.

Devemos ter em mente que a ciência está constantemente evoluindo e se desenvolvendo, ao passo que a Torá é completa. É natural, portanto, que muitos fenômenos discutidos na Torá não possam ser tratados cientificamente até que a disciplina científica apropriada esteja avançada o suficiente para permitir as necessárias observações. Por outro lado, quando observações suficientes permitem uma conclusão logicamente válida, invariavelmente concorda com aquilo que a Torá diz sobre o mesmo assunto. Isto não é realmente notável. Como existe apenas uma realidade, meios válidos diferentes de examinar a realidade deveriam produzir conclusões semelhantes e complementares.

Existência da Alma
Um bom exemplo disso é a existência da alma. A Torá nos informa inequivocamente que vida e consciência são fornecidas por uma entidade espiritual que se reveste e é a operadora da sofisticada máquina computadorizada que chamamos de corpo. A Torá está repleta de informação sobre a natureza das almas. Interessante, a existência de uma entidade consciente não-material responsável por operar o corpo material também foi demonstrada cientificamente. As observações sobre as quais esta conclusão está baseada são numerosas, e algumas um tanto complicadas.

Talvez as observações mais simples e mais importantes fossem aquelas de Wilder Penfield 1, o fundador do Instituto Neurológico de Montreal e um dos mais notáveis neurocientistas que já existiram. Penfield explorou a função do cérebro estimulando eletricamente diferentes regiões do córtex cerebral em pacientes conscientes passando por cirurgia (com anestesia local) em busca de problemas de apoplexia focalizados. Penfield descreveu a ativação do córtex motor, uma área no cérebro responsável por transmitir todo o movimento consciente voluntário para os níveis adequados do cérebro e do cordão espinhal.

Quando ele aplicou uma corrente elétrica fraca à região “mão” deste córtex o paciente começou a mover a mão (no lado oposto do corpo) para a frente e para trás. Quando Penfield perguntou ao paciente por que ele estava movendo a mão, o paciente respondeu que não estava provocando o movimento, mas sim Penfield o estava causando com o eletrodo. Quando Penfield estimulou a área motor ativando a laringe, o paciente balbuciou uma sílaba. Quando foi indagado sobre isto, o paciente respondeu que ele próprio nada tinha a ver com o som, e que Penfield o tinha provocado.

A única conclusão válida dessas observações é que a vontade de mover e o movimento em si não são o mesmo. A vontade consciente de mover emana de algo que é alheio ao cérebro e é capaz de observar objetivamente a operação daquilo que nada mais é que um computador feito de carne.

Existe um “Eu” (como em “Eu não provoquei o movimento”) que, quando tem acesso ao computador (cérebro) pode programar movimentos. Se outra pessoa tiver acesso ao computador, no entanto, o “Eu” está plenamente consciente de que a máquina está sendo operada por outra pessoa. O “Eu” e o cérebro não são, portanto, a mesma coisa. O “Eu” deve ser uma entidade consciente não-cerebral, i.e., uma alma.

Em outros experimentos, Penfield conseguiu evocar notáveis experiências de memória semelhantes à vida, estimulando o lobo temporal doente em pacientes sofrendo de tremores no lobo temporal. Os pacientes ficaram surpresos por serem capazes de reexperimentar eventos ocorridos há muito tempo. Porém, eles estavam igualmente conscientes do fato de que estavam no momento passando por cirurgia no Instituto Neurológico de Montreal. Obviamente, o “Eu” que estava engajado nessas experiências era um outro e alguém distante do cérebro que era estimulado a “reviver” essas experiências do passado. A experiência de consciência e memória dos pacientes não era a mesma, mas sim o “Eu” estava vendo a atividade do cérebro. Penfield relatou que não há local no córtex cerebral onde estimulação elétrica vá fazer um paciente acreditar, decidir ou desejar. Essas não são funções do cérebro, mas do “Eu” ou alma.

Estudos sobre como o cérebro analisa informação sensorial leva às mesmas conclusões.2 As reações elétricas das células nervosas nas áreas visuais do cérebro a vários estímulos visuais têm sido extensivamente estudadas. Células Ganglion na retina respondem a padrões visuais altamente específicos. Células no córtex visual que recebem conexões da retina (por meio de corpo geniculado lateral) reagem a complexos dos padrões que ativam a retina.

Código Complexo
Assim, cada estágio sucessivo no sistema visual sintetiza e integra os padrões aos quais o estágio anterior reage. Toda informação visual é, portanto, codificada em sequências complexas de reações elétricas no nível mais alto do córtex visual. Aqui está a pegadinha. O cérebro somente é capaz de codificar informação visual. Precisa haver um “Eu” distinto e distante do cérebro físico que interpreta o código. Quando olhamos para um objeto, percebemos o objeto. Não percebemos sequências de mudanças elétricas. Não “vemos” nem sequer estamos conscientes dos potenciais de ação, correntes de sódio e outros componentes do Código Morse do cérebro. Existe, portanto, uma entidade não-cerebral que traduz padrões de mudanças elétricas em percepção consciente. O argumento de que talvez uma outra área do cérebro (ex., córtex associação) está fazendo a tradução é insustentável, visto que essas outras áreas têm as mesmas propriedades físicas e biológicas do córtex visual, e portanto também são somente capazes de codificar informação em sequências de atividade elétrica.

Dinâmica de Interação
Estudos mais recentes têm descrito a interação entre o cérebro físico (o computador) e seu operador não-físico, não-cerebral. Algumas dessas descobertas atuais são discutidas por Sir John Eccles 3, num excelente artigo sobre o assunto. Um experimento discutido neste livro é aquele de Kornhuber e seus associados 4. Estes investigadores examinaram a atividade elétrica cortical em seres humanos antes, durante e depois de um movimento consciente. As dificuldades em fazer tais registros e o método engenhoso para dominá-los são descritos no artigo.

É suficiente dizer que um ser humano foi ligado a eletrodos na cabeça e lhe disseram para flexionar seu dedo indicador direito à vontade. Cerca de 800 milissegundos antes da flexão dos músculos do dedo, uma grande área da superfície cerebral em ambos os hemisférios exibiu um potencial negativo lentamente ascendente.

Esta foi uma descoberta um tanto surpreendente. A área cortical transmitindo movimento consciente voluntário ao nível adequado da espinha é uma região altamente restrita do córtex motor. Como somente o dedo direito estava envolvido, o que se esperava era ver atividade elétrica somente no córtex motor esquerdo. Essa negatividade bilateral generalizada sobre áreas extensas do córtex cognitivo tanto tempo antes do movimento real foi interpretada como uma expressão da vontade de mover o dedo.

Isso confirma a observação comportamental de Penfield, que a vontade de mover-se e o movimento em si não são idênticos. Eccles considera essa negatividade logo-generalizada como representando o “eu” não-físico dizendo ao cérebro físico o que deseja fazer, ou seja, flexão do polegar direito. Esta conclusão está baseada no fato de que a negatividade generalizada não tem causa eletrofisiológica anteriormente observável e, portanto, sua iniciação deve refletir em última análise a influência de algo que não o cérebro. Cerca de 50 milissegundos antes do movimento, o encefalograma mostra uma notável focalização aguda e concentração na atividade à área altamente restrita do “dedo” no córtex motor à esquerda.

O que dirige e focaliza a atividade elétrica inicialmente generalizada para exatamente a região exata do córtex para iniciar o movimento voluntário? Mais uma vez, Eccles invoca o “Eu”, pois isso não pode ser explicado com base nos eventos elétricos prévios (que são largamente espalhados e não-seletivos). Assim, Kornhuber e associados observaram o “Eu” não físico programando sua vontade para o cumputador cortical.

Percepção Sensorial
Não somente a “vontade” foi examinada eletrofisiologicamente, mas também a percepção sensorial. Num artigo recente, Roland Pucceti e Robert Dykes revisaram o que é conhecido sobre o córtex sensorial básico 5. Os autores concluíram que embora seja claro e óbvio a todos que ver, ouvir e sentir são experiências radicalmente diferentes, não há base neuroanatómica ou neurofisiológica para provar as diferenças. O córtex que recebe conexões auditivas é idêntico em sua histologia, bioquímica e comportamento eletrofisiológico ao córtex que recebe o sistema visual ou o córtex que recebe o sentido do tato.6

Puccetti e Dykes concluem, portanto, que as diferenças em nossa percepção consciente dessas modalidades (ex., quando um carro falha, ouvimos em vez de ver ou sentir isso) não são responsabilizadas pelas diferenças correspondentes nas regiões apropriadas do cérebro. A atividade das áreas sensoriais do cérebro devem ser interpretadas como ver, sentir ou ouvir por algo que não seja o próprio cérebro, mas sim algo alheio a ele. O artigo é particularmente esclarecedor pois inclui uma variedade de críticas de sua interpretação e sua refutação à crítica.

Projeto da Torá
Embora a Torá e a ciência indiquem que a essência da vida humana consciente seja a alma não-material, não-cerebral, a qualidade da informação fornecida por cada uma dessas fontes difere consideravelmente. A ciência pode apenas confirmar que as almas existem mas não pode dar informação sobre a sua natureza. Além disso, a ciência não pode explicar como uma entidade não-material pode interagir com um cérebro físico. A ciência, devido às suas limitações inerentes, somente pode lidar com o exterior da realidade.

A Torá, por outro lado, é o projeto para a realidade, pois como nos diz o Midrash (Bereshit Rabba), “D'us olhou na Torá e criou o mundo.” Portanto, a Torá revela a natureza essencial da alma, e a pessoa deve voltar-se para a Torá.


Notas

1. Penfield, W. “O Mistério da Mente”, New Jersey: Princeton University Press, 1975.
2. Veja qualquer texto padrão sobre Neurofisiologia.
3. Popper, K. R. E Eccles, J.C. “O Ser e Seu Cérebro”, New York: Springer-Verlag, 1977
4. Kornhuber, H.H. “Córtex Cerebral, Cerebelo e Ganglio Basil: Uma Introdução às Suas Funções Motoras” em Schmitt e Worden (eds.) 1974, págs. 267-280.
5. Puccetti, R. E Dykes, R. “Córtex Sensorial e o Problema” Ciencias Comportamentais e do Cérebro 3, págs. 337-375.
6. Uma excelente descrição das observações e conclusões de Penfield é particularmente útil para o leigo inteligente e pode ser encontrado em “O Mistério da Mente” por Wilder Penfield (Princeton University Press, Princeton, New Jersey, 1975). Este texto apresenta um artigo curto e bastante legível da obra de Penfield e o desenvolvimento de seu reconhecimento da existência da “mente” em oposição ao cérebro. O livro fornece a origem e o raciocínio para as seguintes questões: pág. 73: O desafio que chega a todo neurofisiologista é explicar em termos de mecanismos do cérebro tudo que os homens passaram a considerar o trabalho da mente, se ele puder. E isso ele deve fazer livremente, sem preconceitos filosóficos ou religiosos. Se ele não conseguir explicar, usando fatos provados e hipóteses razoáveis, então chegará a hora, como aconteceu comigo, de considerar outras explicações possíveis. Pág. 114: No final concluí que não há boa evidência. Apesar dos novos métodos: como emprego de eletrodos estimulantes, o estudo dos pacientes conscientes e a análise de ataques epiléticos, que o cérebro sozinho pode fazer o trab
alho que a mente faz. Talvez os melhores artigos sobre integração neuronal e análise no sistema visual sejam as seguintes: Hubel, D.H., e Wiesel, T.N. “Campos Receptivos e Arquitetura Funcional do Córtex Estriado do Macaco.” O Jornal de Fisiologia, vol. 195, nš 2, nov. De 1978, págs. 215-244. Hubel, D. H. E Wiesel, T. N. Ferier Lecture: “Arquitetura Funcional do Córtex Visual do Macaco” ,Procedimentos da Royal Society de Londres, Séries B, vol. 198, 1977, pags 1-59.

     
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