Publicado em março
de 2004
Acabei de chegar de uma das
missões mais comoventes que jamais participei. Fomos a Israel com
dois cantores e um coro para elevar o espírito das pessoas com
canções.
Visitamos escolas, lares de idosos e centros comunitários, porém
o mais importante, fomos a hospitais passar algum tempo com as vítimas
dos ataques terroristas e suicidas. Foi de cortar o coração
ver crianças mutiladas para o resto da vida porque o ônibus
no qual iam para a escola tinha explodido, matando seus amigos e mudando
sua vida para sempre.
Um tinha perdido a família quando uma bomba explodiu no restaurante
onde estava almoçando, e ele agora estava cego. Uma garotinha sorriu
bravamente para nós e disse que estava indo bem. Estivera na UTI
por uma semana, e os médicos nos contaram que se a ambulância
que a levara ao hospital tivesse demorado mais alguns minutos, ela teria
morrido.
Cantamos em memória de Yoni Jesner de Glasgow, de 19 anos e um
dos nossos melhores líderes jovens, que morreu num ataque suicida
num ônibus em Tel Aviv. Dedicamos um concerto ao falecido David
Applebaum, um pioneiro em Medicina de Emergência que salvou a vida
de muitas vítimas do terror, judeus, cristãos e muçulmanos.
Homem profundamente religioso, Applebaum dedicou sua vida a salvar vidas.
O dia seguinte ao de sua morte teria sido um dos mais felizes –
o casamento de sua filha. Ele a tinha levado para tomar um café
na noite anterior, quando uma bomba explodiu. Em vez de ficarem juntos
sob a canópia nupcial, eles foram queimados juntos.
O terror chega às manchetes por um momento e então a atenção
da mídia se volta para outra coisa. O que nos abala é ver
o que fica para trás – os ferimentos, as cicatrizes, as vidas
despedaçadas, o trauma e a dor que jamais passará por completo.
As crianças que conhecemos e que não estiveram envolvidas
em alguma tragédia pessoal, todas têm amigos ou parentes
que passaram por isso. Elas foram corajosas, mas este é um assunto
que não gostam de comentar. É doloroso demais.
Foi quando eu percebi que este é o supremo terror – não
a violência e a morte em si, mas o fato de ser tão aleatória,
atingindo o inocente sem qualquer motivo, pois não há nada
que o terror tenha conseguido que não seja melhor conseguido por
outros meios. É a destruição pela destruição
pura e simples.
Não havia nada que pudéssemos dizer, por isso tocamos música
em vez de palavras, e isso fez muita diferença. Há uma esperança,
um júbilo, uma afirmação que pode ser expressa numa
canção e não pode ser comunicada de qualquer outra
maneira. Se as palavras são a linguagem da mente, então
a música é a linguagem da alma. De alguma maneira misteriosa,
quando o ritmo e a melodia envolvem você com seu abraço,
o espírito voa livre.
E portanto cantamos com os feridos e os abandonados. Dançamos com
pessoas em cadeiras de rodas. O garoto cego cantou um dueto com o membro
mais jovem de nosso coro, levando as enfermeiras e ou outros pacientes
às lágrimas.
Alguma coisa fluía entre nós e por um breve e abençoado
momento as crueldades do destino pareciam bem distante dali. Beethoven
escreveu no manuscrito do terceiro movimento de seu quarteto em Sol Menor
as palavras Neue Kraft Fühlend: "Sentindo uma nova força".
Era isso que eu sentia naquelas enfermarias dos hospitais.
O que há na música que a torna um sinal de transcendência?
Roger Scruton escreve que é "um encontro com o tema puro,
libertado do mundo de objetos, e se movendo em obediência somente
às leis da liberdade." Ele cita Rilke: "As palavras ainda
vão suavemente na direção do indizível/ E
a música, sempre nova, de pedras palpitantes,/constrói no
espaço inútil seu lar Divino."
Enquanto estava naquelas enfermarias, lembrei-me do grande músico
de Israel, o Rei David, que cantou a D’us estas palavras: "Tu
transformaste minha dor em dança; Tu tiraste minha estopa e me
vestiste de júbilo, que meu coração cante a Ti e
não fique silente."
E eu sinto a força do espírito humano que nenhum terror
consegue destruir.