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  Como Mudar o Mundo
 

Por Rabino YY Jacobson

 

Um jovem estava apanhando estrelas do mar jogadas pela maré e atirando-as de volta ao mar para salvá-las. Um homem foi até ele e disse: “Esta praia tem quilômetros de comprimento, e há milhares de estrelas do mar. Seus esforços são inúteis, e não vão fazer a mínima diferença!”

O rapaz olhou para a estrela do mar que tinha na mão e atirou-a ao mar. “Para esta aqui,” disse ele, “vai fazer toda a diferença.”

A porção da Torá que leva o nome Korach, relata a história do homem, que liderou um motim contra o maior líder judaico. “A comunidade inteira é sagrada, e D'us está dentro dela,” exclama Korach.(1) “Por que vocês se elevam acima da congregação de D'us?”

O Midrash (2) especifica, com grandes detalhes, a natureza dos argumentos de Korach contra Moshê.

Pouco antes do debate de Korach, no auge da porção da semana passada,(3) a Torá apresenta o mandamento de tsitsit, ou franjas, que obriga um judeu a pendurar franjas em cada ponta de suas roupas com quatro cantos. Um dos fios em cada canto, instrui a Torá, deveria ser de lã turquesa, conhecida em hebraico como techeiles.

Korach vestiu duzentos e cinquenta homens, que se juntaram a ele em seu debate com Moshê, com roupas de quatro cantos feitas inteiramente de lã turquesa e então confrontou Moshê com a seguinte pergunta: “Uma veste feita completamente de lã turquesa ainda exige um único fio turquesa em suas franjas?”

A resposta de Moshe foi sim.

Korach, que estava tentando demonstrar o absurdo da lei de Moshê, respondeu: “Se um único fio de lã turquesa é suficiente para uma roupa inteira feita de cor diferente, isso não leva à lógica de que uma roupa completamente turquesa não deveria exigir um fio dessa lã?”

Então, continua o Midrash, Korach abordou Moshê com outra pergunta: “Como sabemos, um lar judaico exige uma mezuzá, um pedaço de pergaminho afixado no batente, com duas breves seções da Torá escritas (Devarim 6:4-10; 11:13-21) que discutem nosso relacionamento com D'us e nossa obrigação de cumprir Suas mitsvot. Então Korach faz a seguinte pergunta a Moshê: “Se uma casa está repleta com muitos Rolos de Torá, ainda precisa de mezuzá em suas portas?”

Mais uma vez, a resposta de Moshê foi sim.

Korach novamente desconsidera esse veredicto como absurdo. Um Rolo de Torá contém todas as duzentas e setenta e cinco seções do Pentateuco, ao passo que uma mezuzá contém apenas duas. Se uma única mezuzá basta para uma casa inteira, muitos Rolos de Torá completos não bastariam para criar um espaço sagrado e “casher”?

Este foi o debate público que ocorreu no deserto entre Korach e Moshê.

O Que Aborreceu Korach?


Por que Korach escolheu estes dois exemplos para “demonstrar” que as leis apresentadas por Moshê eram ilógicas? Ele poderia ter escolhido muitas outras mitsvot que aparentemente não têm lugar nas estruturas da lógica humana. Ele poderia, por exemplo, ter zombado da proibição de comer cheesebúrgueres, camarão ou carne de cavalo. Ele poderia ter zombado da mitsvá de purificar uma pessoa profanada com as cinzas de uma vaca vermelha. Poderia ter questionado a mitsvá de tocar um chifre de carneiro em Rosh Hashaná, em vez de tocar um violino?

Por que Korach dissecou e analisou as minúcias das duas mitsvot acima, em particular?

Há um outro aspecto que exige reflexão. Pela descrição bíblica da linhagem da família de Korach, fica claro que ele não era um simples agitador da ralé, ansiando pela fama e poder de Moshê. Korach era um membro da família mais sagrada do povo judeu, um homem educado e moldado pelos sagrados espíritos da Casa de Levi, a única tribo que não tomou parte no espisódio do Bezerro de Ouro. Era primo de Moshê em primeiro grau (seus pais eram irmãos). Além disso: junto com Korach, em seu motim contra Moshê, havia “duzentos e cinquenta homens de Israel, líderes da comunidade, daqueles regularmente chamados à assembleia, homens de renome,” registra a Torá.(4) Se Korach fosse simplesmente um criador de casos, ele não teria tido a companhia de 250 líderes espirituais, eruditos e homens importantes. Deve-se concluir qe o debate de Korach com Moshê foi impulsionado por um argumento sensível, lógico o suficiente para persuadir grandes líderes a fazerem parte da sua rebelião.

Qual era a essência da discordância de Korach com Moshê?

Drama vs. Ação

Por que a Torá instrui o judeu a inserir em cada uma das franjas um fio de lã turquesa? O Talmud explica(5), porque a turquesa é uma cor “espiritual”. Assemelha-se ao oceano e aos céus, lembrando um ser humano da majestade de D'us.

Ora, Korach e Moshê debateram a natureza da liderança espiritual, a questão de como causar impacto e inspirar seres humanos físicos ao idealismo e à espiritualidade. Para Korach, uma capa feita de turquesa não exige um único fio turquesa em suas franjas; para Moshê, você sempre precisa de um único fio.

Korach acreditava que você precisa sacudir as pessoas e dominá-las com o poder e majestade de sua mensagem. Que toda a “veste” delas, toda a sua identidade, se torne turquesa, fundindo-se completamente com a “luz azul” do céu. Isso é tudo que você precisa.

Moshê discordava. Ele dizia que levar as pessoas até seu âmago, deixar seus espíritos se elevarem, é esplêndido, mas não basta. Para a inspiração deixar um impacto duradouro, deve se expressar em atos individuais, palavras e pensamentos específicos. Se você deseja fazer uma verdadeira transformação na vida das pessoas, não basta gerar um momento dramático, fazê-las chorar, rir e dançar; você precisa dar-lhes um único ato tangível pelo qual elas possam se conectar a D'us e trazer Sua moralidade ao mundo numa base diária. Você precisa inspirar as pessoas a tornar azul um fio de suas vidas.

O Futuro do Judaísmo


Este não foi um mero argumento sobre como fazer um discurso. Foi um argumento sobre o que deveria se tornar a grande ênfase do Judaísmo. Segundo Korach, o Judaísmo era sobre despertar uma paixão para revolucionar o mundo. Porém Moshê entendia que para atingir esta meta, o foco básico do Judaísmo precisava ser sobre o comportamento individual diário, mudando o mundo uma mitsvá, uma ação boa e sagrada, por vez.

A mensagem de Korach parece lógica. Se podemos eletrificar uma alma com uma paixão por tornar o mundo um lugar Divino, a mitsvá individual é relevante em última instância? Se podemos transformar uma pessoa em toda-azul, um único fio de azul não é insignificante? Vamos falar sobre mudar as pessoas e mudar o mundo, não sobre pequenos atos individuais!

Em última análise, para Korach, Moshê estava representando D'us de maneira errada. Ao colocar tanto foco nas mitsvot, Moshê estava abalando a criatividade espiritual encontrada nas almas de Israel. Moshê estava roubando a comunidade de sua grandeza. “A comunidade inteira é sagrada, e D'us está dentro deles,” exclama Korach (5). “Por que vocês se elevam acima da congregação de D'us?”

O Revolucionário vs. o Líder

Korach era um revolucionário; era uma alma em fogo. Porém Moshê era um líder, um pastor. Moshê, para ter certeza, identificou-se profundamente com a mensagem de Korach. Se alguém entendeu o valor do idealismo apaixonado, foi Moshê, um homem que deixou para trás uma vida real no palácio do faraó, em sua busca pela verdade. Porém um líder não é uma alma elevada individual; um líder é uma pessoa que abrange dentro do próprio coração uma nação inteira, do maior ao menor, e que está profundamente sintonizado com a natureza humana.

Moshê sabia que uma mensagem que inspire reverência ilimitada e empolgação, mas que não exige mudanças na vida individual, não terá um impacto duradouro. À medida que a inspiração ardente arrefece, que os carvões amortecem o brilho, cinzas negras ficam para trás. Quando o concerto termina, e as luzes se apagam, o que permanece de todo aquele êxtase? Um músico solitário saindo pela porta dos fundos.

Quando um espírito idealista fala sobre transformar o universo e elevar toda a humanidade até o céu, mas deixa de investir muito foco em construir este universo por meio de ações e palavras diárias, ao final, ele pode cair muito baixo, talvez até mesmo ser engolido pelo abismo. Isso de fato aconteceu a Korach e seus homens, como é discutido na continuação da porção da Torá, como continuou a acontecer a mais de um revolucionário social de nossos tempos. Não tem sido essa a história de tantos artistas da nossa geração que levaram as pessoas ao céu e então se viram terminando no abismo?

A lição para nossa vida é clara: levar uma vida judaica numa base diária saturada com o estudo de Torá e cumprimento das mitsvot, e transmitir estes atos sagrados aos nossos filhos – isso é o que vai assegurar a continuidade judaica e o tikun olam (retificação do mundo). Um único ato conta.

*Este ensaio é baseado numa palestra do Rebe feita a um grupo de meninas adolescentes em 26 de Sivan de 5732, 16 de junho de 1974). (6)


Notas:

1 – Bamidbar 16:3
2 – Midrash Tanchuma no inicio da Parashá Korach.
3 – Bamidbar 15:37-41
4 – Ibid. 16:2
5 – Menachot 43b.
6 – Publicado em Sichot Kodesh 5734, vol. 2, págs. 220-229.
 
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