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  Moral: A Única Coisa que o Mercado Não Vende
 

Por: The Times – 21 de março de 2009

 

As contínuas revelações sobre pensões e lucros excessivos, salários e bônus para pessoas no topo despertam em nós sentimentos pelo mais antigo dos esportes humanos: a busca de um bode expiatório. Porém elas deveriam nos levar a refletir mais profundamente sobre os valores da nossa cultura como um todo.

Com frequência, nesses últimos meses, eu me vi lembrando de uma das mais dolorosas conversas que já tive. Foi com um dos industriais mais importantes da Grã-Bretanha. Ele tinha levado sua empresa ao sucesso contínuo durante décadas. Quando o conheci ele tinha se aposentado e estava perto do fim da vida.

Quando as pessoas perdem todo o senso de honra e vergonha e não há nada que não façam se puderem sair impunes daquilo, nenhum regulamento pode nos salvar.Não era um homem religioso, mas tinha um profundo senso de moral. Falou sobre os princípios que o tinham guiado nos negócios e sobre o salário que tinha retirado. Não era desprezível, mas era modesto. O que o incomodava era que seu sucessor dava a si mesmo uma retirada dez vezes maior que a dele, enquanto destruía sistematicamente a empresa que ele construíra tão cuidadosamente.

Lembro-me de outra conversa que tive com um bem-sucedido banqueiro de investimentos. Ele contou-me que a primeira coisa que teve de estabelecer foi seu caráter, sua reputação de honestidade e confiabilidade. Sem isso, ele teria sido incapaz de negociar. Hoje em dia, disse ele, os negócios não dependem mais do caráter, mas dos advogados.

Comum a essas histórias é o desaparecimento gradual do conjunto de princípios que atendiam pelo nome de moralidade. Qualquer que seja a sua fonte – religião, consciência, costume ou código – significava que há certas coisas que você não faz porque não são feitas. Você não recompensa a si mesmo quando clientes, acionistas ou empregados estão sofrendo perdas. Você não se paga de maneira desproporcional àquela que paga os outros. Não tira vantagem do seu cargo apenas porque pode. Você é guiado, mesmo que não haja ninguém vendo, por um senso daquilo que é responsável e correto. Sem este código interiorizado de honra e confiança, nenhuma instituição pode ser mantida a longo prazo.

De alguma maneira, entre os anos 1960 e 1980, prevalecia a ideia de que podíamos passar sem o senso moral. Quem precisava daquilo? Nos anos 1960 pensávamos que o Estado cuidaria dos nossos problemas. Nos anos 1980 pensávamos que o mercado o faria. Restrições auto-impostas eram dispensadas como fora de moda e desmancha-prazeres. Ganância era algo bom. O sujeito que tivesse mais brinquedos quando morresse era o vencedor.

O resultado foi que começamos a perder nosso entendimento sobre a distinção vital entre o valor das coisas e seu preço. O exemplo-chave – no coração de todo o colapso financeiro – foi o mercado imobiliário. O valor de uma casa é ser um lar. É um abrigo, um porto seguro, espaço pessoal num mundo impessoal. Para muitos, é onde mantemos um casamento e construímos uma família. É onde o amor encontra sua habitação e seu nome.

A certo ponto no tempo, alguns começaram a pensar em casas não como lares, mas como investimentos de capital. Começaram a emprestar mais e a gastar mais. A construção de sociedades obrigava àquilo.

O preço das casas continuava subindo. Sua atração como investimento cresceu, e portanto o ciclo se auto-alimentava: preços cada vez mais altos, hipotecas ainda maiores, até que os preços das casas e os empréstimos perderam toda a conexão com a renda media e a sustentabilidade. Aqueles que apenas queriam uma casa não tiveram outra escolha exceto entrar no jogo, a um custo e risco muito altos. Os especuladores estavam convencidos de que tinham ficado ricos, mas em termos reais não tinham. O valor dos imóveis não tinha mudado sequer uma vírgula, porque valor não é a mesma coisa que preço.

Aquilo estava destinado a desabar, e quem pensasse a respeito, diria isso. O investidor Warren Buffet há muito chamava as hipotecas de “armas financeiras de destruição em massa” desde 2002. Naquela loucura coletiva, ninguém lhe deu ouvidos.

Após o colapso financeiro muitas perguntas estão sendo feitas. Deveria haver mais controle? Propriedade estatal das instituições financeiras? Chegamos ao final da economia de mercado? São boas perguntas, mas nem chegam perto do cerne da questão.

A economia de mercado tem gerado mais riqueza verdadeira, eliminado mais pobreza e liberado mais criatividade humana que qualquer outro sistema econômico. O problema não é o mercado, mas a ideia de que o mercado por si só é tudo que precisamos.

Os mercados não garantem igualdade, responsabilidade ou integridade. Eles podem maximizar o lucro a curto prazo ao custo da sustentabilidade a longo prazo. Não distribuem as recompensas com justiça. Não garantem a honestidade. Quando se trata de auto-interesse evidente, eles combinam a máxima tentação com a máxima oportunidade. Os mercados precisam de moral, e a moralidade não é feita pelos mercados.

A moralidade é feita por escolas, mídia, costume, tradição, líderes religiosos, modelos de moral e pela influência das pessoas. Porém quando a religião perde sua voz e a mídia idolatra o sucesso, quando certo e errado se tornam relativos e a moralidade é condenada como sendo “arbitrária”, quando as pessoas perdem todo o senso de honra e vergonha e não há nada que não façam se puderem sair impunes daquilo, nenhum regulamento pode nos salvar. As pessoas vencerão os reguladores, como fizeram pela securização, assim ninguém sabia quem devia o quê para quem.

A grande questão é: como aprenderemos a ser morais novamente? Os mercados foram feitos para nos servir; nós não fomos feitos para servir aos mercados. A economia precisa de ética. Os mercados não sobrevivem somente pelas forças de mercado. Eles dependem do respeito pelas pessoas afetadas pelas nossas decisões. Se perdermos isso, perdemos não apenas dinheiro e empregos, mas algo ainda mais significativo: liberdade, confiança e decência, as coisas que têm valor, não um preço.

 
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