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As
contínuas revelações sobre pensões e lucros
excessivos, salários e bônus para pessoas no topo despertam
em nós sentimentos pelo mais antigo dos esportes humanos: a busca
de um bode expiatório. Porém elas deveriam nos levar a refletir
mais profundamente sobre os valores da nossa cultura como um todo.
Com frequência, nesses últimos meses, eu me vi lembrando
de uma das mais dolorosas conversas que já tive. Foi com um dos
industriais mais importantes da Grã-Bretanha. Ele tinha levado
sua empresa ao sucesso contínuo durante décadas. Quando
o conheci ele tinha se aposentado e estava perto do fim da vida.
Quando as pessoas perdem todo o senso de honra
e vergonha e não há nada que não façam se
puderem sair impunes daquilo, nenhum regulamento pode nos salvar.Não
era um homem religioso, mas tinha um profundo senso de moral. Falou sobre
os princípios que o tinham guiado nos negócios e sobre o
salário que tinha retirado. Não era desprezível,
mas era modesto. O que o incomodava era que seu sucessor dava a si mesmo
uma retirada dez vezes maior que a dele, enquanto destruía sistematicamente
a empresa que ele construíra tão cuidadosamente.
Lembro-me de outra conversa que tive com um bem-sucedido banqueiro de
investimentos. Ele contou-me que a primeira coisa que teve de estabelecer
foi seu caráter, sua reputação de honestidade e confiabilidade.
Sem isso, ele teria sido incapaz de negociar. Hoje em dia, disse ele,
os negócios não dependem mais do caráter, mas dos
advogados.
Comum a essas histórias é o desaparecimento gradual do conjunto
de princípios que atendiam pelo nome de moralidade. Qualquer que
seja a sua fonte – religião, consciência, costume ou
código – significava que há certas coisas que você
não faz porque não são feitas. Você não
recompensa a si mesmo quando clientes, acionistas ou empregados estão
sofrendo perdas. Você não se paga de maneira desproporcional
àquela que paga os outros. Não tira vantagem do seu cargo
apenas porque pode. Você é guiado, mesmo que não haja
ninguém vendo, por um senso daquilo que é responsável
e correto. Sem este código interiorizado de honra e confiança,
nenhuma instituição pode ser mantida a longo prazo.
De alguma maneira, entre os anos 1960 e 1980, prevalecia a ideia de que
podíamos passar sem o senso moral. Quem precisava daquilo? Nos
anos 1960 pensávamos que o Estado cuidaria dos nossos problemas.
Nos anos 1980 pensávamos que o mercado o faria. Restrições
auto-impostas eram dispensadas como fora de moda e desmancha-prazeres.
Ganância era algo bom. O sujeito que tivesse mais brinquedos quando
morresse era o vencedor.
O resultado foi que começamos a perder nosso entendimento sobre
a distinção vital entre o valor das coisas e seu preço.
O exemplo-chave – no coração de todo o colapso financeiro
– foi o mercado imobiliário. O valor de uma casa é
ser um lar. É um abrigo, um porto seguro, espaço pessoal
num mundo impessoal. Para muitos, é onde mantemos um casamento
e construímos uma família. É onde o amor encontra
sua habitação e seu nome.
A certo ponto no tempo, alguns começaram a pensar em casas não
como lares, mas como investimentos de capital. Começaram a emprestar
mais e a gastar mais. A construção de sociedades obrigava
àquilo.
O preço das casas continuava subindo. Sua atração
como investimento cresceu, e portanto o ciclo se auto-alimentava: preços
cada vez mais altos, hipotecas ainda maiores, até que os preços
das casas e os empréstimos perderam toda a conexão com a
renda media e a sustentabilidade. Aqueles que apenas queriam uma casa
não tiveram outra escolha exceto entrar no jogo, a um custo e risco
muito altos. Os especuladores estavam convencidos de que tinham ficado
ricos, mas em termos reais não tinham. O valor dos imóveis
não tinha mudado sequer uma vírgula, porque valor não
é a mesma coisa que preço.
Aquilo estava destinado a desabar, e quem pensasse a respeito, diria isso.
O investidor Warren Buffet há muito chamava as hipotecas de “armas
financeiras de destruição em massa” desde 2002. Naquela
loucura coletiva, ninguém lhe deu ouvidos.
Após o colapso financeiro muitas perguntas estão sendo feitas.
Deveria haver mais controle? Propriedade estatal das instituições
financeiras? Chegamos ao final da economia de mercado? São boas
perguntas, mas nem chegam perto do cerne da questão.
A economia de mercado tem gerado mais riqueza verdadeira, eliminado mais
pobreza e liberado mais criatividade humana que qualquer outro sistema
econômico. O problema não é o mercado, mas a ideia
de que o mercado por si só é tudo que precisamos.
Os mercados não garantem igualdade, responsabilidade ou integridade.
Eles podem maximizar o lucro a curto prazo ao custo da sustentabilidade
a longo prazo. Não distribuem as recompensas com justiça.
Não garantem a honestidade. Quando se trata de auto-interesse evidente,
eles combinam a máxima tentação com a máxima
oportunidade. Os mercados precisam de moral, e a moralidade não
é feita pelos mercados.
A moralidade é feita por escolas, mídia, costume, tradição,
líderes religiosos, modelos de moral e pela influência das
pessoas. Porém quando a religião perde sua voz e a mídia
idolatra o sucesso, quando certo e errado se tornam relativos e a moralidade
é condenada como sendo “arbitrária”, quando
as pessoas perdem todo o senso de honra e vergonha e não há
nada que não façam se puderem sair impunes daquilo, nenhum
regulamento pode nos salvar. As pessoas vencerão os reguladores,
como fizeram pela securização, assim ninguém sabia
quem devia o quê para quem.
A grande questão é: como aprenderemos a ser morais novamente?
Os mercados foram feitos para nos servir; nós não fomos
feitos para servir aos mercados. A economia precisa de ética. Os
mercados não sobrevivem somente pelas forças de mercado.
Eles dependem do respeito pelas pessoas afetadas pelas nossas decisões.
Se perdermos isso, perdemos não apenas dinheiro e empregos, mas
algo ainda mais significativo: liberdade, confiança e decência,
as coisas que têm valor, não um preço.
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