por Rabino Manis Friedman    
  Os limites do corpo: Definindo assédio sexual  
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Nosso primeiro dilema ao lidar com esta questão é esclarecer exatamente o que constitui assédio sexual. Consideremos as duas situações que se seguem:

Cena 1:

Durante uma pausa para o café num escritório, um homem coloca seu braço ao redor dos ombros de uma mulher e diz: "Tudo bem?"

Ela responde: "Por favor, tire suas mãos do meu ombro."

"Calma lá," diz ele com um sorriso. "É apenas um gesto amigável. Estamos em um escritório amigável, e queremos manter uma atmosfera amigável aqui."

"Quer que eu 'dedure' você?" pergunta ela raivosamente.

"Minha senhora, acho que tem um problema sério. Está exagerando. Vá com calma!"

Cena 2:

Uma mulher entra no escritório de um homem após o horário de expediente, fecha a porta, e declara:

"Não há mais ninguém aqui agora."

O homem, muito gentilmente, solicita:

"Desculpe, mas poderia por favor deixar a porta aberta?"

Ela diz: "Está com medo do quê?"

Se qualquer uma das situações acima chegasse a um tribunal, o juiz teria dificuldade para decidir. Isso é assédio? Talvez ele estivesse apenas tendo um mau dia. Talvez a imaginação dela estivesse trabalhando além da hora. Talvez ambos devessem consultar um terapeuta para seus problemas.

Até mesmo nos casos mais óbvios, é difícil ver com clareza a natureza exata do assédio sexual. Lembra-se do caso Thomas-Hill, que ficou famoso em 1991? A cada vez que se ligava a TV, passava-se os olhos por uma revista ou jornal, alguém, em algum lugar, estava perguntando: "Ele está dizendo a verdade? Ela está mentindo? Ele está encobrindo alguma coisa? Ambos estão mentindo?" (A controvérsia devia-se ao fato de que um juiz, Clarence Thomas, que estava para ser nomeado para a Suprema Corte dos Estados Unidos, enfrentava uma séria acusação. Pouco antes de assumir o cargo, uma professora, Anita Hill, alegou ter sido assediada pelo juiz ao tempo em que era sua funcionária. Ele negava veementemente.)

Apesar de todo o debate, era difícil para as pessoas entender exatamente qual crime fora cometido. Sob qual categoria nos Dez Mandamentos podia ser enquadrado? Pertencia à categoria de "Não cobiçar a mulher do próximo"? E se ela fosse solteira? O episódio parecia indicar que a sociedade não estava tão intimidada pelo assédio em si mesmo tanto quanto estava aterrorizada pelo fato de que não sabia como classificar o assédio.

O que é moralidade?

A fim de melhor entender o que é assédio, deve-se primeiro ter uma idéia clara do que a moralidade abrange.

Em termos simples, a moralidade emerge da percepção consciente de que "Embora eu seja maior que você, não usarei isso para tirar vantagem. O fato de eu ser rico e você pobre, ou de eu ser forte e você fraco, saudável e você doente, não me dá o direito de tirar proveito de sua desvantagem."

D'us criou um mundo no qual não existem duas pessoas iguais. Cada qual tem uma vantagem sobre o outro, seja em tamanho, velocidade, inteligência, riqueza material ou conexões. E toda vez que duas pessoas se reúnem, existe sempre a tentação para uma levar vantagem sobre a outra. D'us criou deliberadamente um mundo de desequilíbrio e ordenou-nos expressamente que não tirássemos vantagem desse fato. Esta é exatamente a limitação que nós como seres humanos somos convocados a manifestar, que nos distingue dos animais e nos dota de moralidade. Em um mundo de riqueza equilibrada, tamanho e conhecimento iguais, não haveria crime, mas também não existiria a moralidade.

Via de regra, os seres humanos tentam muito agir com o tipo de moralidade que distingue o homem da besta. Orgulham-se do fato de que, embora suas necessidades físicas sejam similares àquelas dos animais, não vivem somente sob os ditames do corpo, mas também sob os da inteligência. E embora os humanos tenham certas limitações físicas, podem elevar-se acima delas quando exortados a fazê-lo. Uma mãe pode estar exausta, mas quando seu bebê chora, ela de alguma forma encontra a energia necessária e se apressa a confortar o filho. É esta habilidade de ir além dos limites de nossa fisicalidade, de regulá-la segundo as circunstâncias, que nos torna humanos. Conforme crescemos e aprendemos, alteramos o centro de gravidade de nossas necessidades físicas para nossa mente e alma, rumo a nosso supremo objetivo.

Respeitando as fraquezas

Vista nestes termos, a natureza do assédio sexual recebe um novo enfoque.

Ao contrário de outras agressões, a investida sexual nos torna vítimas de nossa própria sexualidade. Pois esta é uma fraqueza que todos nós temos. Somos seres sexuais, e nossa sexualidade aflorou muito antes que soubéssemos o que estava acontecendo. É inerente, é parte de nós agora, e passamos boa parte de nossa existência tentando dominá-la, controlá-la. A maioria de nós aprende como integrar a sexualidade à estrutura geral de nosso ser, o que nos permite prosseguir com a vida. Mas ainda é uma área de considerável fraqueza - um centro de vulnerabilidade. Se estou sentado em meu escritório tarde da noite, e uma colega aparece à porta, entra na sala e fecha suavemente a porta, esta pessoa está mexendo com minha cabeça, criando uma intimidade forçada que não foi solicitada. Ela está tentando despertar algo que não lhe cabe despertar, porque aqui estou eu, tentando manter tudo sob controle, para que eu possa continuar com meu trabalho e voltar para casa ao encontro de minha mulher. Porém se ela persiste, sorrindo com uma pontinha de sugestão nos olhos, e chega um pouco mais perto... Provavelmente terminarei em uma de duas situações, ambas desconfortáveis - enojado comigo mesmo ou com calor no pescoço. Nenhuma delas é a que desejo neste momento específico. Minha reação, de qualquer forma, é assunto meu, mas a pessoa que passou por aquela porta, esteja ou não querendo provocar algum tipo de atividade sexual, assim mesmo é culpada de assédio sexual.

Tirar vantagem da fraqueza do outro desta forma é um insulto à sua inteligência, uma presunção de que estão vivendo unicamente pelos ditames do corpo, e isso demonstra uma total falta de respeito pela condição humana.

Uma situação comum entre adolescentes ilustra melhor os limites que muitas vezes são ultrapassados em casos de assédio sexual. "Ora," diz o rapaz. "Não diga que não quer. Você gosta disso tanto quanto eu." (Levando isso ao extremo, o estuprador diz o mesmo à vítima: "Você gosta disso.") É verdade que talvez ela goste. Mas por quê? Porque o corpo é uma entidade física que aprecia qualquer atenção, contato ou experiência que receba. Esta é a natureza do corpo físico, que permanece sexual desde o momento em que passa a existir até o instante em que pára de respirar. Se fôssemos somente corpos, seríamos seres sexuais o tempo todo. E se dizemos não, não é porque o corpo não pode lidar com isso, mas porque a alma não consegue viver com isso. Pode ser bom para o corpo, mas não para a alma. A adolescente pode pensar: "Por que você continua olhando para meu corpo e ignora minha alma?"

Um ser humano, da maneira que D'us o criou, é sempre um ser sexual. O que fazemos individualmente com nossa sexualidade depende daquilo que somos, daquilo que fomos educados para acreditar, e o que a sociedade nos ensinou. Mesmo assim todos nós, independentemente da origem ou da criação, temos um veio comum de sexualidade correndo através de nós. D'us não criou a sexualidade para que a suprimíssemos a ponto de não mais podermos senti-la, mas Ele nos forneceu uma série de mandamentos que agem como orientação para que não abusemos disso em nós ou nos outros, para que não cruzemos aqueles limites até a arena do assédio.

Em conclusão, o assédio indica uma falta de entendimento e respeito pela sexualidade humana. Não podemos simplesmente ligá-la ou desligá-la toda vez que desejamos. Está sempre lá, sob a superfície. E quando alguém chega e tenta forçá-la à frente de nosso ser quando não a desejamos, ou não estamos preparados - então é assédio.

O antídoto para o assédio sexual é entender que ser sexual não é anormal, mas extremamente normal. É por isso que precisamos dos mandamentos da Torá. Sem os mandamentos, estaríamos perdidos. Qual foi o crime no fiasco de Thomas-Hill? O crime foi a essência da imoralidade. Não era nenhum pecado específico, mas a total ausência de moralidade. A solução é ser sensível aos sentimentos de outros, às sensibilidades de outras pessoas, i.e., respeitar as fraquezas que você percebe nos outros.

Todos têm direito às próprias fraquezas. Lutamos para superá-las. Mas você deve respeitar o espaço que os outros criam ao redor de si mesmos. A moralidade diz: quando você vir uma fraqueza em alguém, não procure tirar vantagem dela. Respeite-a, contorne-a, não a perturbe; não entre aonde não foi convidado. Quando entendermos isso, creio eu, seremos pessoas melhores.

 

 

 
   
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