Um dos temas mais preocupantes e menos entendidos
da vida judaica é aquele dos casamentos mistos. Devido à
falta de informação subjetiva sobre o assunto, este se
torna muito complexo sob um ponto de vista emocional.
Por um lado, os pais sentem que quando seu filho se casa com alguém
não-judeu, ele ou ela está rompendo a cadeia milenar de
continuidade judaica e não querem deixar que isso aconteça.
Por outro lado, eles se sentem pouco à vontade de se opor abertamente
ao casamento misto por causa de suas conotações racistas.
Por que desqualificar alguém como potencial parceiro de casamento
apenas porque ele ou ela não nasceu de um útero judaico?
Esta parece ser uma atitude discriminatória.
A fim de analisar este assunto, devemos dividi-lo em partes:
1 - Qual é o fundamento para a oposição a casamentos
mistos?
2 - Como um judeu pode se opor ao casamento misto sem contradizer o
instinto natural que tem de lutar contra a discriminação,
especialmente depois de tudo que sofremos no decorrer da história
como resultado da discriminação racial?
3 - Que explicação alguém pode dar a um não-judeu
para justificar a recusa em considerá-lo para o casamento?
A Base
A fonte primária sobre a qual se baseia a proibição
de um judeu casar-se com não-judeu encontra-se na Torá
(Devarim 7:3): "Não casarás com eles (os não-judeus,
sobre quem a Torá fala nos versículos anteriores), não
darás tua filha ao filho deles e não tomarás a
filha deles para teu filho."
O motivo para essa proibição é claramente dita
no versículo a seguir: "Porque ele afastará teu filho
de Mim e eles servirão a deuses estranhos…" ("Deuses
estranhos" também pode ser interpretado como significando
aqueles ideais e "ismos" que não se adequam aos ditames
da Torá, e perante os quais a pessoa inclina a cabeça
e dedica seu coração e sua alma.)
O Talmud (Yevamot 23a) enfatiza – e Rashi cita em seu comentário
sobre o versículo acima mencionado – que da expressão
exata do versículo (ele – e não
ela – afastará teu filho)
podemos derivar duas coisas. No caso de sua filha casar-se com "o
filho deles", ele terminará por afastar seus filhos (em
outras palavras, seus netos, que ainda serão considerados seus
filhos) do caminho da Torá. No caso de seu filho
casar-se com a filha deles, os filhos não serão
mais considerados seus filhos, mas filhos dela.
Não são considerados judeus.
Fica claro, então, que não estamos tratando aqui de discriminação
racial que nasce de uma atitude pessoal e subjetiva que o judeu tem
face a face com o não-judeu. Estamos falando sobre uma ordem
Divina objetiva, que é acompanhada por uma explicação.
Se o seu filho desposar uma mulher não-judia, os filhos nascidos
dessa união não serão mais considerados seus filhos.
No caso de sua filha casar-se com um não-judeu, inevitavelmente
seus netos se desviarão do caminho de Judaísmo, embora
ainda sejam considerados judeus.
Levando em conta a responsabilidade que o judeu tem de cumprir os preceitos
da Torá, fica evidente que é obrigatório para os
judeus casar-se dentro da fé, porque caso contrário, será
impossível continuar a cumprir a obrigação que
tem de manifestar a Divindade neste mundo, algo que somente é
possível cumprindo-se a vontade de D'us. O casamento misto é
uma clara contradição à vontade declarada de D'us.
Para melhor entender esta questão, devemos esclarecer um outro
aspecto. Não somente é proibido para
um judeu casar-se com uma não-judia, é impossível
para um judeu desposar uma não-judia. É possível
para eles viverem juntos, é possível coabitarem, é
até possível procriarem, mas não há possibilidade
de ocorrer o casamento.
As leis da Torá são tão objetivas e inalteráveis
(ou mais) que as leis da natureza. Assim como não se pode alterar
a lei da gravidade, por exemplo, não se pode alterar as leis
da Torá. O estudante de Torá ou sábio não
procura criar leis, mas descobrir a estrutura Divina que é inerente
no universo e na vida.
O que é casamento?
Numa tentativa de responder a essa pergunta, vemos que é um desafio
explicar qual é exatamente a função do casamento
em geral. Se duas pessoas se amam, por que não viverem juntas?
O dia em que decidirem não mais partilhar suas vidas, cada um
estará livre para seguir seu caminho! Mesmo se declararem seu
compromisso por meio do casamento, quando não quiserem mais permanecer
casados têm a opção do divórcio. Qual é,
então, o propósito e função do casamento?
Muitos respondem que o casamento nada mais é que uma formalidade,
uma norma social que dá "status legal" ao casal. Porém
dizer que o casamento é simplesmente uma norma social implica
que não há valor verdadeiro, intrínseco; que é
arbitrário. O que acontece no caso de alguém que não
se preocupa com a autoridade humana ou com o estigma social é
que então, está tudo bem, se um casal vive junto e tem
filhos sem ser casado.
Parece-me que a única base verdadeira e justificativa para o
casamento é ser uma instituição Divina. Foi idéia
de D'us. A idéia de casamento tem suas raízes na Torá.
Embora haja muitos sistemas sociais que não se baseiam na Torá
e mesmo assim reconhecem a instituição do casamento, isso
não refuta o fato de que a origem e real valor do casamento sejam
de origem Divina.
Vamos
comparar este conceito com um fenômeno semelhante. De onde vem
a semana de sete dias? Por que uma semana tem sete dias e não
seis ou oito? O ciclo semanal de sete dias tem sua origem nos Sete Dias
da Criação. Para alguém que acredita na Torá,
o ciclo semanal de sete dias tem profundo significado espiritual. Para
quem não acredita, o ciclo de sete dias é meramente arbitrário.
Em outras palavras, para quem aceita a Torá como o "projeto"
da Criação, a semana de sete dias tem uma razão
de ser. Para quem não acredita, a semana de sete dias não
faz sentido. O mesmo se aplica ao casamento. Para aquele que não
acredita, o casamento não faz muito sentido. É simplesmente
uma formalidade instituída, talvez para assegurar a herança
dos filhos. Para quem acredita, o conceito e instituição
do casamento assume um significado muito maior e mais profundo, como
veremos adiante.
O Talmud e a Cabalá nos ensinam que o casamento não é
meramente uma união entre dois indivíduos
totalmente diferentes. É a reunião de
duas metades da mesma unidade. Um casal compartilha a mesma alma que,
no nascimento, se divide em duas metades incompletas. Com o casamento,
elas se reúnem e se tornam, mais um vez, completas. Estamos tratando
aqui não de uma união apenas no nível físico,
emocional e/ou intelectual. Estamos falando de uma união no nível
mais profundo, mais essencial do ser.
Há almas que são compatíveis para casamento e há
almas que não são. Além do caso de casamentos mistos,
a Torá enumera uma lista de "casamentos" inválidos.
Por exemplo, o "casamento" entre irmão e irmã
biológicos ou entre um homem e uma mulher que esteja casada com
outro homem, em outras palavras, incesto ou adultério. A Tora
aqui não está falando apenas sobre proibições,
mas fatos. Nos exemplos acima mencionados, jamais pode
haver qualquer casamento, embora seja fisicamente possível coabitar
e procriar.
Baseados nisto, temos uma explicação muito simples para
o não-judeu sobre porque não o consideramos como potencial
parceiro de casamento. Não é devido a um defeito que ele
tenha. Deve-se simplesmente ao conceito bíblico do casamento,
ao qual todo judeu sente-se obrigado a aderir.
Um caso hipotético: O que aconteceria se um rapaz e uma moça
judeus decidem se casar e estão muito apaixonados um pelo outro,
e meia hora antes da cerimônia começar eles descobrem que
compartilham os mesmos pais biológicos? Eles se casariam mesmo
assim? Obviamente não, e o fato de não poderem se casar
não implica que o amor declarado um pelo outro era falso…
O amor é um fator muito importante num relacionamento, mas não
é o único fator que determina a legitimidade de um casamento.
É possível que um rapaz judeu encontre compatibilidade
com uma moça não-judia (e vice-versa) e gostaria de criar
uma família com ela. Esta aparente compatibilidade somente é
possível quando nenhum deles manifesta sua essência. Desde
que o judeu não se preocupe com o fato de ele ou ela ser judeu
e o não-judeu não se preocupe com sua origem pessoal e
sua essência, tudo parece perfeito. O que acontecerá no
dia em que qualquer um deles "acordar" e decidir preocupar-se
com aquilo que realmente é? De repente, surge a incompatibilidade.
Em outras palavras, enquanto nenhum dos dois se preocupa com sua essência,
eles podem sentir-se compatíveis com alguém que é
essencialmente oposto. No minuto em que um deles descobre sua verdadeira
identidade, o relacionamento deixa de ter qualquer significado verdadeiro.
Conheço alguns casais mistos que estavam muito apaixonados até
o momento em que nasceram os filhos. De repente, começaram a
ter discussões acaloradas sobre a educação dos
filhos, embora tivessem muito tempo antes resolvido o assunto teoricamente.
A mãe judia deseja circuncidar seu filho, por exemplo, ao passo
que o pai não-judeu não quer que o filho seja diferente
dele. Num instante surge a incompatibilidade, mas já é
tarde demais – eles agora produziram uma criança que ambos
os pais e todos os avós consideram sua…
Obviamente, podem citar muitos exemplos de casais judeus que têm
conflitos. Devemos, no entanto, explorar os fatos e ver se eles levam
a vida segundo as normas delineadas na Torá. Pelo menos, o casal
judeu sempre tem o potencial de viver segundo a vontade de D'us.
Surge uma questão: o que acontece no caso de um judeu não
religioso ou ateu? Esta incompatibilidade com um não-judeu ainda
existe? Afinal, se a pessoa não se importa com a religião,
por que se preocupar quando se trata de escolher um parceiro para casar?
O que é um judeu?
Para resolver essa pergunta, devemos explicar outro conceito básico:
o que é um judeu? O que distingue um judeu de seu vizinho não-judeu?
Veja, por favor, que não estou perguntando aqui: "Quem
é judeu?", mas sim "O que é
um judeu?" porque a resposta à pergunta 'Quem é judeu?'
é muito clara: alguém que nasceu de uma mãe judia
ou converteu-se ao Judaísmo de acordo com as leis estipuladas
na Torá. Isso, no entanto, não responde a pergunta 'O
que é um judeu?'
As pessoas com freqüência respondem esta pergunta dizendo
que ser judeu significa "ter um senso de pertencer ao povo judeu".
Esta resposta não é satisfatória, simplesmente
transfere a questão da identidade para longe do indivíduo.
O que, então, é o povo judeu? Uma Nação
composta de indivíduos que não têm outra identidade
exceto a de pertencer a um Povo que não tem definição?
É como dizer que a definição de "árvore"
é "parte de uma floresta". O raciocínio é
o contrário. Uma vez que eu saiba o que é uma árvore,
posso então definir floresta dizendo "um grupo de árvores".
Não posso definir uma árvore simplesmente dizendo "parte
de uma floresta"!
É óbvio também que não posso definir o que
é um judeu baseado em seu cumprimento das mitsvot, porque aqui,
também, o raciocínio é o oposto: o indivíduo
tem a obrigação de cumprir mitsvot porque é um
judeu. Não posso dizer que alguém é judeu porque
ele ou ela cumpre as mitsvot. Considere: um bebê recém-nascido
é judeu embora não tenha ainda cumprido uma única
mitsvá, e não tenha consciência de sua fé!
Um bebê judeu do sexo masculino é circuncidado porque é
judeu; ele não é judeu porque é circuncidado.
O que, então, é um judeu?
Após estudar o assunto por muitos anos e ter incontáveis
conversas com judeus de todos os níveis de observância
e crença, creio que a resposta mais coerente e convincente é
que o elemento distintivo do judeu é a neshamá (alma)
que todo judeu possui. A alma de um judeu é diferente da alma
de um não-judeu. Elas têm diferentes características,
potenciais e necessidades. Todo judeu tem essencialmente o mesmo tipo
de alma que qualquer outro judeu. Esta alma judaica é herdada
da mãe. É o denominador comum que conecta o judeu russo
com o sírio, iemenita, canadense ou uruguaio, embora eles não
falem o mesmo idioma e talvez tenham costumes e hábitos diferentes.
A única diferença significativa entre um judeu e outro
é o nível e intensidade de expressão dessa essência
comum. Em alguns, esta essência se manifesta constantemente, ao
passo que em outros, expressa-se uma vez por ano e em outros apenas
uma vez na vida.
Esta definição de "O que é um judeu?"
não contradiz a aspiração que alguém possa
ter de ser um "cidadão do universo", porque para ser
realmente um "cidadão do universo", a pessoa deve realizar
seu papel específico dentro da comunidade universal. Ser um "cidadão
do universo" não implica negar o papel específico
que cada um tem, mas sim inserir-se na sociedade com uma identidade
e propósito definidos.
Quais são as características especiais da alma?
Rabi Shneur Zalman de Liadi, fundador do Movimento Chabad,
define da seguinte maneira: um judeu não deseja, nem pode
separar-se de D'us.
É possível que um judeu não esteja consciente do
fato de que por determinadas ações ele está afetando
seu relacionamento com D'us. Se soubesse as conseqüências
de suas ações, não prejudicaria espontaneamente
seu relacionamento com D'us. Todo judeu tem sua "linha vermelha",
que não cruzará mesmo que por isso tenha de pagar com
a própria vida.
Muitos judeus passam a vida negando sua condição de judeus,
mas numa situação inesperada, quando suas defesas estão
baixas e ficam distraídos, seu Judaísmo aparece. Há
muitos judeus que investem tempo, energia e recursos para negar que
são judeus. Embora possam negar veementemente este fato, seu
comportamento é apenas outra manifestação de seu
inegável Judaísmo, pois se realmente não fossem
judeus – como alegam – por que é tão importante
para eles negarem isso?
Vemos, portanto, que o problema não começa quando um rapaz
judeu deseja casar-se com uma moça não-judia. A raiz do
problema está no fato de que ele foi privado de uma verdadeira
educação judaica a ponto de nem perceber o que significa
ser judeu e a inerente incompatibilidade entre ele e sua namorada não-judia.
Para muitos, a oposição aos casamentos mistos pode parecer
elitista e até racista. Por que desaprovar um casamento somente
porque um dos membros não é judeu? Um rapaz judeu que
deseja desposar uma moça não-judia poderia pensar: "Que
hipócritas! Quais são as diferenças práticas
entre meu comportamento no dia-a-dia, ou dos meus pais, e o comportamento
da mulher não-judia com quem desejo me casar?
Seria difícil defender essa resistência – aparentemente
hipócrita – da parte dos pais, se não fosse pelo
fato de que podemos atribuí-la à neshamá que eles
tem. A neshamá não permite que eles aceitem que seu filho
cruze esta "linha vermelha" que serve (para todos os propósitos
práticos) quebrar irreversivelmente a cadeia, embora eles próprios
talvez não consigam explicar por que isso os perturba tanto.
Em outras palavras, sua oposição ao casamento misto do
filho não é incoerente. É a sua falha no cumprimento
das mitsvot, numa base diária, que é incoerente e inconsistente
com sua essência.
Opção de Conversão
Uma das soluções propostas para resolver o problema do
casamento misto é converter o parceiro não-judeu ao Judaísmo.
"Por que perder duas almas, se podemos ganhar uma?…"
A conversão é uma alternativa válida?
Vemos que o Judaísmo reconhece a possibilidade de um não-judeu
converter-se ao Judaísmo. O processo adequado de conversão,
conhecido como Giyur, é bastante simples. Consiste em três
etapas:
1) Circuncisão (no caso de um homem);
2) Imersão no micvê (banho ritual);
3) Aceitação dos 613 preceitos em sua totalidade.
Estas três etapas devem ocorrer na presença de um tribunal
rabínico válido. (Um tribunal rabínico válido
consiste em três rabinos que aceitam a Torá como a palavra
de D'us e aceitam cumprir os 613 preceitos na vida diária pessoal.)
O Judaísmo não acredita em proselitismo, porque nem todos
precisam ser judeus para encontrar graça aos olhos de D'us e
terem seu lugar no Mundo Vindouro. Para o não-judeu é
suficiente respeitar o Código de leis conhecido como as Sete
Leis Noahidas para merecer um lugar no Paraíso. No caso de
um não-judeu que deseja sinceramente tornar-se judeu e viver
de acordo com as normas delineadas na Torá para o judeu, nós
o aceitamos de braços abertos, desde que tenha passado pela Giyur
adequada. É óbvio, pois, que no caso de alguém
desejar se converter ao Judaísmo como resultado do seu desejo
de desposar um judeu ou judia, é altamente improvável
que os motivos para essa conversão sejam sinceros.
Lembro-me de uma história na qual um rapaz judeu desejava casar-se
com uma não-judia. Os pais do rapaz insistiam que ela estudar
os fundamentos do Judaísmo antes de concordarem com o casamento.
A moça aceitou a condição e foi estudar numa escola
religiosa para moças. Embora seu motivo original fosse satisfazer
a exigência dos pais do namorado, com o passar do tempo ela descobriu
um mundo novo e ficou genuinamente interessada no Judaísmo. Depois
de alguns meses, o rapaz falou com ela para fazerem os arranjos necessários
para o casamento. "Fala sério?" perguntou ela. "Acha
que pretendo me casar com um rapaz que estava disposto a desposar uma
moça não-judia?"
Quanto ao argumento de que: “se não aceitarmos todos
os tipos de conversão ou casamentos mistos terminaremos alienando
os jovens judeus que se casam com parceiros não-judeus ou aqueles
que passaram por conversões cosméticas, no entanto, se
os aceitarmos como judeus, estaremos conquistando almas para o povo
judeu”:
Em primeiro lugar, o Judaísmo não é um negócio,
especialmente quando baseado em mentiras e desonestidade. O Judaísmo
é baseado em tentar cumprir o máximo daquilo que D'us
nos pede. Não temos de ficar mais preocupados com o futuro do
povo judeu que o próprio D'us está. D'us está tão
"consciente" quanto nós desse argumento e seus supostos
benefícios para o futuro desses casais e o futuro do povo judeu.
Apesar disso, a Torá declara (Devarim 7:7), que D'us não
escolheu o povo judeu por causa de sua superioridade em números
ou poder, mas por causa de sua humildade e devido ao pacto que Ele fez
com nosso antepassado, Avraham. Os judeus sobreviveram a todos os seus
opressores não por causa de sua inteligência, riqueza ou
poder político, mas por causa da sua sinceridade, autenticidade
e auto-sacrifício para preservar e defender seu pacto com D'us.
Além disso, por mais que gostássemos ou por mais que possa
parecer que "compensa" aceitar este tipo de conversão,
não temos a capacidade de negar nem alterar os fatos. Não
está em nosso poder fazer a ninguém este "favor",
da mesma maneira que não podemos ajudar um casal que deseja um
filho homem e D'us os abençoa com uma menina. Temos o poder de
fazer mudanças cosméticas, mas isso não muda o
fato de que assim se consegue nada mais que uma cruel e desonesta mutilação
e distorção.
O conceito judaico de conversão
É interessante notar que a expressão que o Talmud
(Yevamot 48b) usa quando se refere a convertidos (autênticos):
"Ger shenitgayer kekatan shenolad dami", que significa: um
convertido é como um bebê recém-nascido.
Quando o Talmud fala sobre um escravo que foi libertado, não
diz "um homem que foi libertado", mas sim: “um escravo
que foi libertado". Por que, então, ao falar sobre um convertido,
o Talmud usa a expressão 'um convertido que se converteu', em
vez de usar a expressão 'um gentio que se converteu'?
Uma das explicações é a seguinte:
Um convertido autêntico é um que, embora nascido de mãe
não-judia, nasce com uma neshamá, uma alma judaica. É
essa neshamá que o impele a se tornar um judeu ou judia por completo.
Em outras palavras, podemos dizer que este indivíduo nasceu (destinado
ou com uma propensão a tornar-se) um convertido. É por
isso que um convertido é comparado a um recém-nascido.
A diferença entre o momento antes e após o nascimento
é que antes o bebê não é um ser independente.
Seguindo esta analogia, um convertido antes da conversão é
comparável a um judeu num estágio "embrionário",
e portanto ainda não tem as responsabilidades de um judeu total.
Somente após ter passado por uma conversão correta, ele
ou ela se torna um judeu completo. Porém, como dissemos antes,
para que essa transformação ocorra, a pessoa deve passar
por uma autêntica conversão e não pelas versões
cosméticas e estéreis que abundam, mascaradas como opções
mais liberais.
Alguns perguntam: Por que um convertido deve ser mais religioso que
aqueles judeus que não cumprem as mitsvot e mesmo assim são
considerados judeus? Em outras palavras: se um judeu não-praticante
é considerado judeu, por que devemos não considerar como
judeu um não-judeu que passou por uma conversão não-religiosa?
A resposta é simples. Um judeu por nascimento é judeu
não importa o que pense, diga ou faça. A mesma Torá
que estabelece esta regra sobre o judeu por nascimento também
estabelece que aquele que deseja se converter ao Judaísmo deve
aceitar cumprir a Torá inteiramente, para ser aceito como judeu
ou judia. Se alguém dissesse que deseja aceitar 612 dos preceitos
mas há um com o qual não concorda e não pretende
cumprir, dizemos a ele: Quem o está forçando a se tornar
judeu? É preferível que não se converta e continue
a cumprir sua missão na vida como um perfeito não-judeu
que "converter-se" e se achar violando a lei da Torá!
Quando você pensa a respeito, é um critério compreensível
e aceito. Se alguém nasceu nos Estados Unidos, a constituição
americana o considera americano, não importa o que ele faça
para violar a constituição. Se, no entanto, um estrangeiro
deseja adquirir a cidadania americana, mas diz que não aceita
uma determinada cláusula na constituição, ele será
aceito como cidadão americano? Claro que não. Se você
não gosta da constituição dos Estados Unidos, então
torne-se cidadão de algum outro país cuja constituição
você aprove!
Alguém que não queira aceitar a constituição
americana em sua totalidade pode ser aceito como residente legal, mas
não como cidadão. Um cidadão naturalizado deve
aceitar a autoridade da constituição para ser aceito como
cidadão.
Alguém quer sugerir que é mais fácil tornar-se
judeu que se tornar cidadão de outro país? As leis de
D'us são mais negociáveis que as leis humanas?
O verdadeiro problema
O casamento misto é na verdade um sintoma de um problema
muito maior: a falta de uma educação judaica adequada.
Que tipo de educação estamos dando aos nossos filhos?
Estamos realmente dando a eles as experiências e ferramentas necessárias
para poderem entender e avaliar o significado e a importância
de serem judeus?
E quanto à nossa educação judaica? Quanto tempo
nós, pais, dedicamos ao nosso desenvolvimento espiritual? Se
eu faço apenas aquilo que gosto de fazer e não reconheço
a necessidade de obedecer a uma autoridade superior, como posso esperar
que meus filhos não façam o mesmo? Com certeza eles me
dirão: Papai, você faz o que você
quer, por que eu não deveria fazer aquilo que eu
quero? Se o pai não se sujeita a nenhuma autoridade moral, por
que deveria esperar que seus filhos respeitem a ele e aos seus valores?
Só porque foram gerados por ele?
A prioridade máxima atualmente deve ser a melhoria da educação
judaica, tanto num nível pessoal como institucional. Não
devemos nos conformar com o mínimo que nossos filhos estão
recebendo. Devemos exigir o máximo.
Enviaríamos nossos filhos a uma escola na qual eles se graduassem
sem saber como calcular a área do círculo ou quem foi
Napoleão Bonaparte? Por que, então, deveríamos
aceitar um padrão de educação judaica que não
possibilita aos alunos decifrar uma página de Chumash ou Talmud
no texto original ou que não os ensine quem foram Rabi Akiva,
Abaye, Rava, Rashi, Rambam e Rabi Yehuda Halevi, e quais foram suas
contribuições ao pensamento e cultura judaicos?
Eu gostaria de concluir partilhando um episódio que vivemos,
logo depois que minha mulher e eu chegamos ao Uruguai, e a lição
que extraímos disso.
Nosso filho mais velho, Mendy, nasceu logo depois que chegamos e devido
à nossa inexperiência como pais, e especialmente num país
novo, não fizemos seu registro de nascimento em tempo. Como resultado,
tivemos de passar por um processo de Registro Tardio, que demora vários
meses.
Nesse ínterim minha mulher e eu queríamos viajar para
o exterior com nosso filho recém-nascido. Como somos ambos americanos,
pudemos conseguir um passaporte americano emitido para nosso filho.
Chegamos ao aeroporto, prontos para viajar. Quando chegamos ao controle
de passaportes, o inspetor pediu para ver os documentos uruguaios do
bebê. Explicamos que não os tínhamos, e ele disse
que não nos daria permissão para tirar nosso filho do
país sem os documentos uruguaios.
"O que quer dizer, não podemos viajar com nosso filho?"
perguntamos. "Ele tem um passaporte americano!"
"No que nos diz respeito, ele é uruguaio e portanto precisa
de documentos uruguaios", explicou ele.
"Mas ele é nosso filho!" insistimos.
"Ele é uruguaio", declarou o inspetor.
Não viajamos naquele dia.
Aprendemos uma lição importante com aquele incidente.
Não importa o quanto nosso filho seja nosso filho, nossos direitos
não superam aqueles do Estado.
O mesmo se aplica a nosso relacionamento com nossos filhos e sua conexão
com o povo judeu. Antes de pensar sobre os nossos direitos pessoais
como pai, devemos pensar sobre as reivindicações e direitos
que o povo judeu tem com nossos filhos e os direitos que eles próprios
têm como membros do povo judeu.
Nossa maior responsabilidade é lhes dar as ferramentas necessárias
para que possam levar a vida plenamente como judeus.
Dezenove anos apos este episódio com o funcionário da
imigração, tive a oportunidade de mais uma vez falar com
um funcionário da imigração uruguaia enquanto encaminhava
um visto de saída para um de nossos filhos. Contei a ele o que
acontecera há quase duas décadas e a lição
que eu tinha aprendido.
"Você está enganado em sua conclusão",
disse ele. "Não se trata de que os direitos do Estado superam
os direitos dos pais; o Estado está meramente protegendo e defendendo
os direitos da criança."
A lição sobre educação judaica se tornou
ainda mais clara.
Leia também:
“Ameaça
maior à sobrevivência judaica: assimilação
ou anti-semitismo?”