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O que é um milagre? Um
evento de repercussão mundial como a abertura do Mar Vermelho na
época do Êxodo? Ou o constante ato humano de respirar?
Nenhum desses dois fenômenos pode realmente ser explicado, mas um
deles é algo familiar, contínuo, ao passo que o outro é
um acontecimento único e exótico.
O maior milagre de todos os tempos é descrito nas palavras introdutórias
do Livro de Bereshit: “No início, D’us criou…”
De repente, “nada” foi transformado em “alguma coisa”.
Estamos todos familiarizados com a transformação da matéria
em energia, ou da energia em matéria, mas cada uma dessas mudanças
envolve um “algo” que já existia antes. Quando “nada”
existe, não pode haver mudança. Criar ex-nihilo –
literalmente “do nada” – está além da
capacidade do ser humano. Esta é uma forma de aceitação
que deve ser confrontada no início. D’us, e somente D’us,
pode criar. O milagre da criação é o milagre de primeira
ordem, muito além da duplicação do homem.
Os milagres mais conhecidos descritos na Torá e ao longo de nossa
História – a abertura do Mar Vermelho, o maná no deserto,
a Menorá que ardeu no Santuário durante oito dias (o milagre
de Chanucá), e assim por diante –são todos milagres
de segunda ordem. Não representam criação a partir
do nada, mas simples mudanças. Água, que é um líquido,
subitamente agiu como sólido; isso, em síntese, é
o que aconteceu quando o Mar Vermelho foi partido para permitir que Israel
passasse através dele até a terra seca. Uma quantidade de
óleo que normalmente arderia somente por um dia, manteve a chama
acesa por oito dias inteiros, porque sua velocidade de combustão
foi diminuída para um oitavo da taxa normal. Isso, em poucas palavras,
é a história de Chanucá. Como diz o Talmud a respeito:
“Aquele que ordenou que o óleo ardesse, e ardeu, ordenará
que o vinagre queime, e este também queimará.”
Porém existe ainda uma terceira ordem de milagres – os milagres
que estão conosco todos os dias de nossa vida. Devemos agradecer
a D’us pelo batimento diário do nosso coração,
pelo bom funcionamento de todas nossas funções vitais, e
na verdade, por toda as obras cotidianas da natureza. “Mas”
– posso ouvir alguém protestar – “é só
a natureza!” Correto. Mas o comum, o “natural”, os eventos
corriqueiros do dia-a-dia da natureza e de nosso corpo não são
menos obras de D’us que a divisão do Mar Vermelho e, quanto
a isso, o próprio ato da Criação. Vemos assim que
os milagres ainda estão de fato acontecendo, e, na verdade, acontecem
o tempo todo.
O Rebe certa vez comparou sucintamente a perspectiva da Torá e
a perspectiva “não-Torá” (podemos chamá-la
de científica): a opinião da Torá busca o sobrenatural
no natural; a ciência busca o natural no sobrenatural. A função
do cientista é encontrar motivos para todos os fenômenos
da natureza, e então aplicar suas descobertas a todos os eventos
naturais que encontrar depois disso. Ele parte da premissa que para tudo
há um motivo; ele tem fé na causa e efeito. Em um homem
aparentemente saudável que subitamente adoece e morre, o cientista
não pode simplesmente atribuir este fato à vontade inescrutável
de D’us. Seu trabalho é descobrir a causa daquela enfermidade,
talvez para curar outros atacados por uma doença similar, ou talvez
para impedir que a doença contamine outros. Seria bom enfatizar
que tudo isso está perfeitamente de acordo com a doutrina da Torá.
Quais são as causas físicas do trovão e dos relâmpagos,
do arco-íris, das catástrofes como enchentes, terremotos,
escassez ou de fenômenos como o eclipse– na verdade, de tudo
que ocorre no universo?
Uma ocorrência que parece desafiar explicações simplesmente
representa muito mais que um desafio. “No estágio atual de
nosso conhecimento, não podemos explicar adequadamente este fenômeno”
– dirão os cientistas. Porém permanece o fato de que,
como cientista, ele deve encontrar uma explicação “natural”
para tudo aquilo que ocorre no mundo em que vivemos.
A Torá tem uma perspectiva diferente. Da posição
vantajosa da Torá, tudo é “sobrenatural” –
incluindo a natureza. A própria natureza é um milagre, criado
pela mão de D’us; sem Seu pronunciamento “Que haja…”
o nada teria continuado a existir. Seus pulmões funcionam corretamente?
Caso isso seja verdade, agradeça a D’us. As funções
naturais de seu corpo têm ocultas dentro delas a mão de D’us;
sem Ele estas funções não continuariam. Aquela árvore
e aquele pôr-do-sol não são simplesmente uma árvore
e um glorioso poente; são a manifestação do Próprio
D’us através de Suas criações.
Estas duas perspectivas, Torá e ciência não são,
evidentemente, mutuamente exclusivas. O médico que é um
judeu de Torá utiliza toda sua capacidade profissional para tratar
seu paciente, e permanece suficientemente humilde para recitar também
alguns Salmos.
Ou então podemos expressar a mesma idéia de forma contrária:
o judeu de Torá que é médico oferece preces por seu
paciente, mas ao mesmo tempo emprega todo seu talento de médico
para curá-lo. Duas perspectivas diferentes ambas válidas.
Um físico pode enxergar um pôr-do-sol como uma refração
dos raios de luz, ao passo que um pintor poderia ver a mesma cena como
uma cascata de cores. Rabino Chaim de Brisk (um grande luminar da Torá
do século dezenove), observou um pôr-do-sol em Yom Kipur
e descreveu-o como o poder expiador do Dia do Perdão mergulhando
lentamente abaixo do horizonte – um ponto de vista incomum, mas
perfeitamente válido.
Os milagres da natureza certamente estão conosco o tempo todo.
Mas, repetindo a pergunta original, por que milagres “sobrenaturais”,
os milagres do segundo tipo, não ocorrem mais nos dias de hoje?
Tomemos o caso da abertura do Mar Vermelho. Lemos (Shemot 14:31) que Israel
“contemplou a mão de D’us” no Mar Vermelho. Os
Filhos de Israel reconheceram o milagre por aquilo que era. Aquelas gerações
da Era Bíblica, às quais foi dado testemunhar milagres,
tiveram a capacidade de aceitá-los como tal, e de se impressionar.
Então, os antigos implementaram seu reconhecimento da “mão
de D’us” ao viver segundo a “palavra de D’us”,
porque O tinham sentido direta e pessoalmente. As gerações
da antiguidade viveram numa era pré-científica. D’us
queria mostrar-lhes que havia um Poder maior que riquezas e as carruagens
do Faraó, maior que as ondas do mar, e que eles estavam preparados
para aprender as lições que o milagre se propunha a ensinar.
Mas as pessoas mudaram desde aquela época.Se nos reuníssemos
às margens de um rio hoje, e eu prometesse golpear o rio na manhã
seguinte com um cajado que as águas se abririam e, na manhã
seguinte, eu de fato golpeasse o rio e as águas se abrissem, o
que você diria?
Que D’us me enviou? Que foi um milagre? Ou você sugeriria
que foi um truque que eu realizei com a ajuda de uma tonelada de gelatina
sob a barragem ou algum outro passe de mágica? Ou então,
se nos encontrássemos amanhã naquela montanha no deserto
do Sinai e ouvíssemos uma voz trovejando em uma nuvem, declararíamos
que era a voz de D’us ou suspeitaríamos da presença
de um alto-falante escondido ou algo semelhante?
A pergunta que devemos fazer não é se milagres acontecem
ou não nos dias de hoje, mas que efeitos os milagres têm
sobre nós. Os milagres mostram ao homem que D’us domina a
natureza, e o mundo todo. Os milagres são um meio de comunicação,
mas a comunicação precisa de dois parceiros.
Talvez, quando estivermos prontos para milagres, quando formos capazes
de reconhecer um milagre se o virmos, então nos será concedido
testemunhar milagres.
Mas então, é realmente verdade que o tipo de milagres descritos
na Torá não ocorrem atualmente? Não sou um estrategista
militar, mas que tal a Guerra dos seis Dias de 1967, Israel cruzando o
Canal de Suez durante a Guerra do Yom Kipur e o Resgate em Entebe? Os
scuds da Guerra do Golfo, a queda do Comunismo e a migração
em massa dos judeus da antiga União Soviética? Todos podemos
sugerir muitas explicações para estes eventos, mas francamente,
é mais fácil entendê-los como milagres que revelam
a mão de D’us na história do homem que aceitar as
explicações “racionais”.
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