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  Resistência  
  Por Yitta Halberstam – Com permissão de Jewish Action, a revista da Orthodox Union
 

Luz em Todos os Locais Escuros
Diz-se que “a verdade o libertará”. mas quando um intrépido repórter israelense desafiou Dr. Daniel Brown (o nome foi mudado) a aparecer em publico cinco anos atrás, o resultado foi traumático. “Sempre fui franco sobre a minha identidade, tanto com a família quanto com os amigos,” relata ele, “e ninguém jamais deixou de dar apoio e ser caloroso. Porém este jornal israelense em particular me deu informação errada. Eu não sabia que eles pretendiam publicar ou fazer sensacionalismo com minha entrevista da maneira que fizeram.A história foi impressa na edição de fim de semana do jornal, e durante toda a quinta-feira e erev Shabat os comerciais no rádio gritavam continuamente a cada quinze minutos: ‘O neto do sobrinho de Hitler – bem aqui em Israel – é judeu!’ A repercussão deixou minha família abalada.”

Os filhos de Brown – matriculados numa moderna yeshivá ortodoxa em Jerusalém – foram cuspidos por vários colegas e chamados de “nazistas”. Um punhado de vizinhos passou a evitar Brown cuidadosamente quando o encontravam na rua. E na sinagoga no Shabat depois que a história foi publicada, vários conhecidos que normalmente o cumprimentavam com calorosos apertos de mão passaram a olhar para o outro lado.

“Como é possível que filhos de nazistas vivam bem aqui em Israel e ninguém saiba sobre eles? Impossível!”

“Para essas pessoas, que tinham me conhecido como judeu durante 25 anos, eu me tornei – da noite para o dia – um pária,” diz Brown. “Eu pensava estar compartilhando uma lição valiosa com outros; que o passado pode ser recriado e que uma pessoa sempre tem a chance de mudar. Mas na verdade, fui eu que aprendi a lição: algumas pessoas jamais permitirão que você mude.” (Não admira que Brown tenha desejado usar um pseudônimo neste artigo.)

Além disso, com o incidente se tornando um teste para os diversos tipos de comportamento humano, as reações não foram uniformemente negativas. “Na mesma sinagoga naquele Shabat, também fui recebido com um ato de aceitação claramente simbólico,” disse Brown. “Recebi a primeira aliyah. Isso me disse firmemente que a maioria dos membros da sinagoga me considerava plenamente judeu e membro aceito da comunidade. Infelizmente, porém, a decência da maioria não anulou a conduta grosseira da minoria. Ficamos muito magoados pelo que aconteceu.

“Agora entendo por que muitos dos meus semelhantes escondia sua identidade,” diz Brown. “Muitos israelenses ficam pouco à vontade quanto à nossa genealogia; eles não sabem como reagir ou o que fazer conosco.”

Talvez seja por que num país ainda ferido pelo Holocausto, um país cuja própria existência ainda estremece sobre os alicerces das cinzas e dos ossos dos Seis Milhões, muito poucas pessoas estão conscientes daquilo que gosto de chamar de “Movimento de Penitência”, má subcultura de centenas de filhos de nazistasque têm abraçado o próprio passado sombrio da maneira mais extrema possível. Não somente se alinharam com o grupo de pessoas que seus pais procuraram aniquilar, como se desfizeram das antigas identidades e eles próprios se tornaram membros daquele mesmo grupo. A maioria se converteu segundo a Lei Judaica, vive como judeus ortodoxos e mora em Israel. Isto, eu acredito, é um dos últimos capítulos não contados da era pós-Holocausto. É uma história que fala da busca da humanidade pelo significado da vida, nossa capacidade de ser bom e nosso potencial para remodelar a identidade e o destino. Mesmo assim, quando contacto funcionários do governo, tribunais rabínicos e jornalistas israelenses perguntando sobre este fenômeno, a maioria parece chocada pelas minhas perguntas: “Tem certeza?” perguntam eles, alguns surpresos, outros céticos. “Isso é uma lenda urbana,” muitos insistem. “Como é possível que filhos de nazistas vivam bem aqui em Israel e ninguém saiba sobre eles? Impossível!”

Interessante, um número desproporcional de alemães convertidos é de acadêmicos de destaque – a maioria, notavelmente, na área dos estudos judaicos. O próprio Brown seguiu essa trajetória e dirige o departamento de Estudos Judaicos em uma das mais conceituadas universidades do país. Em seu engajamento com literatura rabínica e talmúdica, Brown é acompanhado pelo Rabino Dr. Aharon Shear-Yashuv (antes conhecido como Wolfgang Shmidt e um dos poucos convertidos a dar-me permissão para usar seu verdadeiro nome), diretor de Estudos Judaicos na Universidade Bar-Ilan, e muitos outros incluindo o diretor do departamento de Estudos Judaicos numa universidade no sul dos Estados Unidos e um professor de literatura rabínica numa faculdade da “Ivy League” nos Estados Unidos. (“Ivy League” ou “Liga da Hera”, é o nome dado ao conjunto de universidades na refinada região da Nova Inglaterra, New England, no nordeste dos Estados Unidos, entre elas Cornell, Columbia, Harvard e Yale). Porém Brown é claramente aquele que possui os antecedentes mais interessantes de todos.

“O nome da minha avó era Erna Patra Hitler,” diz Brown. (Após a Guerra, ela tirou o “t”, mudando o nome para ‘Hiler’.) “Hans Hitler – seu segundo marido – era sobrinho do Fuhrer, mas não se parecia com ele em nenhuma maneira discernível. Era doce e gentil. Porém aquilo que meu avô postiço carecia em veneno era mais que compensado pela veemência da minha avó, que era uma nazista juramentada. Ela aceditava na ideologia nazista antes, durante e até depois da Guerra. Tinha orgulho por seu sogro ter sido irmão de Hitler, embora se mantivesse afastado da política. Em vez disso, era dono de um café em Berlim, e como todos sabiam que ele era irmão do Fuhrer, toda a elite nazista prestigiava seu estabelecimento. Isso fazia dele e da sua família – incluindo meus avós – a “nobreza” local.

“Eu ficava nos campos e pensava como os avós de todos os meus amigos tinham estado dentro, enquanto meu avô tinha ficado de fora.”“Quando [meus avós] nos visitavam, chegavam num Mercedes preto, que era então uma novidade e símbolo de status. Era uma sensação quando o Mercedes chegava ao nosso bairro da classe trabalhadora onde minha mãe e eu morávamos.”

Brown nasceu em Frankfurt em 1952, filho de pais protestantes que tinham ambos servido na Wehrmacht. Seu pai, ardente apoiador do partido nazista, divorciou-se de sua mãe pouco após seu nascimento, e prontamente desapareceu da vida deles. Brown foi criado pela mãe, que fazia o impossível para sobreviver na Alemanha pós-guerra. Ela não recebia ajuda financeira nem apoio moral de Erna Hitler, a quem Brown descreve como “indiferente ao sofrimento e dor do próximo”.A infância de Brown foi marcada pela privação e por dificuldades, enquanto sua mãe atolada em dívidas lutava para sustentá-los. Estavam constantemente se mudando de um apartamento para outro, saindo quando os senhorios os despejava por falta de pagamento. Porém, em um aspecto que teria profundas repercussões em seu futuro, Brown foi afortunado, Sua mãe sempre lhe contava a verdade.

Atualmente, há alemães que reclamam dizendo que “não aguentam mais” essa “conversa interminável” sobre o Holocausto, mas nos anos imediatos após a Guerra, houve apenas silêncio e negação, explica Brown.”Na escola, os professores de História ensinavam história alemã somente até a Primeira Guerra Mundial, seguindo a legislação governamental,” diz ele. “O governo estava temeroso de que se estes professores tivessem um passado nazista ou se tivessem apoiado o regime de Hitler, eles não seriam objetivos na sala de aula. Então, na verdade, essa lei tinha boas intenções. Porém como resultado, permanecemos bastante ignorantes sobre aquilo que tinha acontecido há poucos anos. Lembro-me de ter conversas com colegas que se recusavam a acreditar na responsabilidade da Alemanha. Os pais deles tinham enfeitado os detalhes ou mentido redondamente. Porém minha mãe não tinha.”

Em vez das elaboradas explicações inventadas pelos pais de seus amigos para ocultar a verdade, a mãe de Brown mostrou ao filho sua caixa de documentos (que incluía selos do Reich com suásticas), cartas e fotografias dos membros da família – incluindo ela própria – usando uniformes Wehrmacht, que atestavam sua cumplicidade. Ela contou a ele que tinha sido designada para trabalhar na cidade polonesa de Lodz, onde enforcavam judeus no centro da cidade. “Era horrível ”, disse-lhe a mãe. “Eu precisava passar pelo centro da cidade todo dia para ir de casa até o quartel, ida e volta. Porém não conseguia tolerar a visão dos judeus abatidos daquela forma, portanto usava um caminho mais longo ao redor da cidade todo dia, para evitar aquela cena terrível. Jamais pude me acostumar àquilo.”

Brown ficava horrificado pela narrativa da mãe. Ele sentia a sala escurecer enquanto mergulhava na evidência física do passado dela, mas o remorso genuíno da mãe lhe proporcionava um pouco de consolo.”Quando eu lhe perguntava por que ela continuava obedecendo às ordens, por que não resistia, ela respondia simplesmente, mas com profunda vergonha: ‘Eu tinha medo.’ Eu acreditava nela,” diz Brown.

Embora Brown tentasse compartilhar as revelações de sua mãe com seus amigos na escola, eles não podiam aceitá-las como verdadeiras; diziam que ele estava inventando.”Então tentei bloquear aquilo da minha mente,” diz Brown.

Porém quando ele estava no Ensino Médio seu destino continuava chamando-o através de uma herança de seu avó biológico – o primeiro marido de sua avó –que tinha legado para ele uma caixa de livros, entre eles sua cópia pessoal de Mein Kampf. “Eu nunca tinha visto o infame livro de Hitler antes, e o li inteiro,” diz Brown. “Fiquei completamente enraivecido por aquilo que ele escreveu. Eu ficava fazendo anotações às margens do livro, comentários que contrariavam as alegações de Hitler. Ainda tenho este livro em minha biblioteca, porque serviu como um importante catalisador em minha vida. Não consegui ficar apático ao que tinha lido. Sei que meu encontro com isso em grande parte moldou o meu futuro.”

O futuro de todo jovem alemão no período pós-guerra incluía o serviço obrigatório no exército, mas em grande parte como resultado de seu encontro com o Holocausto, Brown tinha se tornado um pacifista. “Eu deveria entrar para o exército assim que me graduasse no Ensino Médio, então comecei a procurar maneiras de me livrar dessa obrigação civil,” diz ele. “Soube que os dois grupos que ficavam isentos do serviço militar eram os religiosos e os alunos da Igreja Católica. Então quando optei por me tornar um estudante de Teologia, a princípio foi por oportunismo, não por preocupações espirituais. Mas uma coisa leva à outra, e foi exatamente isto que aconteceu comigo.

“Os estudantes de Teologia precisam fazer vários cursos sobre Judaísmo e hebraico, e fiquei cada vez mais fascinado por aquilo que estava aprendendo,” diz Brown. “Enquanto estudava o Judaísmo, via mais e mais coisas que me incomodavam sobre o Cristianismo. Por exemplo, o conceito da Santíssima Trindade me incomodava muito… como [poderia] D'us ser três? Outra coisa que eu não entendia era a ideia de que um cristão tinha de sofrer para ser redimido. A abordagem judaica manifestada por Yom KIpur fazia muito mais sentido para mim. “As grandes diferenças teológicas entre Judaísmo e Cristianismo criaram uma cisão dentro de mim e eu estava começando a me sentir esquizofrênico,” continua Brown.

“Em 1977, decidi ir a Israel para aprofundar meus estudos na Universidade Hebraica, onde tive aulas de literatura hebraica e filosofia judaica. Apaixonei-me por Israel e prolonguei minha estadia de um ano para dois.”

Por fim, Brown foi estudar na Yeshivat Mercaz HaRav.

Brown descarta totalmente a hipótese do “Movimento Penitência” – que filhos de nazistas se convertem ao Judaísmo como expiação – afirmando que ele se converteu por razões teológicas, não por penitência pelos pecados de seus pais.

“Talvez haja motivos psicológicos inconscientes que me levaram ao Judaísmo,” concede ele, “mas como sou um pensador crítico e muito cerebral, pelo menos num nível consciente, acredito que vim para o Judaísmo a partir do puro intelecto.” Ele, no entanto, faz essa concessão: “Acredito que aquele que estiver disposto a dar esse passo [conversão] deve ter uma crise de identidade muito profunda precedendo a própria conversão. Ele não consegue retornar à identidade na qual nasceu. Entendo que eu não estava feliz no lugar onde nasci, e tomei a decisão de ir para outro lugar.

“O fato é que durante as décadas de 1970 e 1980 muitos jovens alemães que queriam se desligar da geração anterior, a geração que foi cúmplice do Holocausto, deixaram a Alemanha. E a porcentagem de alemães convertidos em Israel não é insignificante. Eu me converti principalmente porque tinha uma crítica teológica do Cristianismo. Isso é uma racionalização que dei a mim mesmo. Meu avô não teve nenhuma influência cultural ou educacional sobre mim, mas ainda me faz sentir mal o fato de esta ser a minha origem. Aguça os problemas de identidade com os quais tenho de lutar… Minha identidade não é aceita como ponto pacífico. É algo com o qual tenho de lutar continuamente.”

Brown converteu-se ao Judaísmo em 1979, e casou-se com uma alemã convertida que é também uma acadêmica. Embora os pais de sua esposa em Stuttgart tenham cortado todos os laços com a filha, a mãe dele (que faleceu há sete anos) o aceitou como judeu e visitou várias vezes a sua casa em Israel.

“Talvez ela tivesse medo de que se não aceitasse minha conversão, perderia seu único filho,” diz Brown. “Qualquer que seja o motivo, ela aceitou bem minha conversão ao Judaísmo. Compareceu ao bar mitsvá de meus três filhos e participava nos nossos Sedarim em Pêssach. Certa vez eu sugeri que ela viesse morar conosco em Jerusalém e não ficasse sozinha na Alemanha, mas ela disse: ‘Você não planta uma árvore velha num local novo.’ Mas até ela morrer, permanecemos bastante conectados.

Brown é estritamente haláchico, identificando-se com a Ortodoxia Centrista. Apesar disso, como alemão convertido, há algumas áreas nas quais faz uma pausa, como participar nas cerimônias de Yom HaShoah; emocionalmente é turbulento demais para ele. “Geralmente fico em casa.” Brown e sua esposa têm se esforçado muito para criar um lar que seja caloroso, amoroso e que dê apoio.

“Eu queria assegurar que meus filhos tivessem um caminhom uma direção, um sistema de valores, não a disfunção complexa e estabanada que eu próprio vivenciei quando criança,” diz ele. “Porém por mais que eu tente protegê-los de seu legado esquizofrênico, há coisas que não posso controlar. Por exemplo, quando meu filho Yisrael viajou à Polônia com a escola há vários anos, sua reação foi bem diferente daquela de seus colegas de classe. “’Tudo era tão estranho,’ ele me disse. ‘Eu ficava nos campos e pensava sobre como os avós de todos os meus amigos tinham estado lá dentro, enquanto o meu avô tinha ficado lá fora. Meus colegas foram para aqueles campos com seus passados; eu fui apenas para assistir. Fui apanhado no meio – senti-me muito mal.’

“Também me senti totalmente indefeso quando meus colegas disseram coisas cruéis e ofensivas a eles – comentários que tinham aumentado desde que a entrevista no jornal israelense foi publicada pela primeira vez,” diz Brown. “No ano passado, por exemplo, durante uma cerimônia em Yom Hazikaron, diversos estudantes cochicharam para o meu filho mais novo que iriam bater nele porque ele é um nazista. Deixei de mandá-lo para a escola durante uma semana até que o diretor cuidasse do problema.”

Brown também tem tido sua cota de dificuldades. “Sempre tentei ser sincero e aberto sobre as minhas raízes; jamais escondi minha origem como muitos convertidos de origem nazistas,” diz ele. “Na maior parte do tempo, as pessoas aceitam e são tolerantes. Porém, vez ou outra alguém diz algo ofensivo.

Recentemente, após partilhar alguns detalhes biográficos com meus alunos na universidade, um deles me disse: ‘Imagine! Seu avô poderia ter transformado minha avó em sabão.’”

Brown estima que haja cerca de 300 convertidos alemães em Israel, mas a maioria é avessa à publicidade e permanece oculta. Apesar disso à medida que o Holocausto se distancia na História, um número cada vez maior desses convertidos estão se apresentando e contando suas histórias. Artigos recentes em jornais publicados na Europa e no Canadá têm detalhado as extraordinárias metamorfoses de pessoas como Katrin Himmler, sobrinha-neta do Comandante das SS Heinrich Himmler, que casou-se com um israelense e Oskar Eder, ex-membro da Luftwaffe que mudou o nome para Ashr, casou-se com uma sobrevivente do Holocasto e atualmente trabalha em Israel como guia turístico.

As impressionantes histórias dessas personalidades, e pessoas muito semelhantes a elas, demonstram para Brown a poderosa mensagem de que “nada é imutável. O significado da minha história, das histórias daqueles semelhantes a mim, é que as coisas podem ser mudadas: você pode mudar seu comportamento, sua localização, sua fé. Ser e tornar-se é aquilo que estamos fazendo todos os dias.”

       
  Estes princípios estão baseados nos textos sagrados da Torá, do Talmud e da Lei Judaica, com os comentários dos Rebes de Chabad em referência ao Holocausto.
       
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