Adaptado de um artigo de Rabino Benjamin Blech
 
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  O que diz a lei judaica sobre a pena de morte?  
   
 

A maioria dos países ocidentais aboliu a pena de morte. Os Estados Unidos são uma das poucas exceções. Os defensores da pena de morte freqüentemente citam a Bíblia como a fonte para justificar seu uso, mas será uma surpresa para muitos que, sob a lei judaica, a pena de morte é praticamente impossível de aplicar. Isso ocorre porque, além dos Cinco Livros de Moshê (a Lei Escrita) a lei judaica consiste também da Lei Oral, que explica e interpreta a Lei Escrita. Enquanto a Torá nos dá uma lista de crimes capitais, o Talmud (Lei Oral) estabelece os requisitos necessários para se provar a culpa. Antes que a culpa possa ser estabelecida e uma execução levada a cabo, numerosos requerimentos legais devem ser satisfeitos:

1 - Duas testemunhas versus prova circunstancial. A célebre história de Rabi Shimon ben Shetach (San'hedrin 37b) ilustra até que ponto a prova circunstancial não é considerada pela lei judaica. Ele testemunhou ter visto um homem perseguir seu amigo até umas ruínas. Correu atrás dele e encontrou o amigo morto, enquanto o perseguidor segurava uma espada banhada em sangue. Rabi Shimon disse: "Ó perverso, quem matou este homem? Ou fui eu ou foi você. Mas o que posso fazer - seu sangue não foi entregue às minhas mãos, porque a Torá diz: 'Com base em duas testemunhas, ele será condenado à morte.'" A faca podia estar suja de sangue, o homem que ali estava podia ser o único que possivelmente cometera o assassinato. Mas enquanto não houvesse duas testemunhas que realmente presenciaram o crime, as cortes não poderiam condenar.

2 - Requisitos para testemunhas. As testemunhas devem ser "casher". Isso significa, por exemplo, que não podem ser parentes umas das outras ou de qualquer outra pessoa envolvida no crime. Além disso, o Talmud relaciona uma vasta quantidade de razões que desqualificam uma testemunha, baseada em personalidade, ocupação, etc. Por exemplo, uma pessoa que aposta em jogos de azar é desqualificado como testemunha.

3 - Advertência. Na lei judaica, ninguém pode ser condenado por um crime, a menos que tenha sido advertido adequadamente. Isso significa que as duas testemunhas que vêem uma pessoa prestes a cometer um crime devem bradar ao criminoso em potencial tanto o texto bíblico proibindo o ato quanto a penalidade para tal infração em particular.

4 - "No prazo". Uma advertência não é suficiente se for feita mais de quatro segundos antes do crime ser cometido. É possível que o infrator tenha esquecido a advertência ou não a esteja mais levando a sério, caso mais que quatro segundos se passarem entre o sinal de alerta e o crime!

5 - Aceitação da advertência. O último requisito é provavelmente o mais "chocante" e "ilógico" da série. Para que tudo que foi dito acima tenha validade, o criminoso prestes a cometer um crime deve indicar verbalmente que ouviu a advertência e optou por ignorá-la. Somente se o criminoso responder : "Apesar disso, farei", o tribunal pode prosseguir com suas deliberações para a pena de morte.

Devemos lembrar que o sistema legal que reconhece D'us como Juiz Supremo não está afirmando que este homem deva permanecer impune. Ao contrário, quer dizer que uma corte humana é apenas designada por D'us para executar a retribuição quando existe certeza absoluta. De outra forma, devemos deixar que D'us cuide para que os perversos recebam o que lhes é devido.

Dadas as restrições acima, é compreensível que Rabi Elazar ben Azaryá dissesse que um tribunal que pronuncia uma sentença de morte a cada setenta anos é um tribunal assassino (Talmud, Tratado Macot 7a).

Os padrões que explicamos - do requisito de duas testemunhas até a aceitação da advertência - derivam todos da Torá. No entanto, a própria Torá, em termos que não deixam dúvida, ordena: "Certamente deve ser morto." Como pode a Lei Escrita ordenar uma sentença que a Lei Oral torna impossível impor? Como esta contradição pode ser resolvida? Qual é, então, a vontade de D'us?

Melhor prevenir que remediar

Há uma grande diferença entre a lei judaica e outros sistemas legais. Enquanto outros se concentram na situação após o crime ter sido cometido, a lei judaica tenta impedir que o crime seja cometido. Apesar das alegações daqueles que propõem punições pesadas, a estatística indica que os criminosos muitas vezes não são impedidos pela ameaça de uma sentença severa. No máximo, sentenças severas afastam os criminosos da sociedade por algum tempo. Quanto ao crime capital, e na verdade todas as formas de crime, o objetivo da lei judaica é prevenir o crime.

No Êxodus, o sistema legal do judaísmo é introduzido com o seguinte versículo: "E estes são os estatutos que deverás colocar perante eles" (Shemot 21:1). Este é o único lugar em que a frase "perante eles" (Lifnehêm) é usada. Em qualquer outro lugar da Torá, as ordens são dadas "a eles" (Lahêm). Por que então a Torá usa as palavras "perante eles" quando apresenta o sistema legal?

O famoso orador, o Maguid de Dubno, respondeu com uma parábola: "Os sábios de Chelm" - conhecidos mundialmente por possuírem a sabedoria que exemplifica a estupidez da humanidade - depararam-se com um sério problema. Uma das estradas da cidade tinha um aclive muito íngreme no ponto em que fazia a curva em torno da encosta da montanha. Não havia defensas. Quando cavalos e carruagens desciam em alta velocidade, eram incapazes de acompanhar a curva e se precipitavam no despenhadeiro, ficando gravemente feridos.

"O que deveria fazer a cidade de Chelm quanto a esta situação terrivelmente perigosa? Durante vinte e quatro horas reuniram-se e deliberaram. Uma curva acentuada, sem proteção, pessoas, cavalos e carruagens constantemente se ferindo. O que fazer? E então a resposta veio num clarão de brilhante discernimento. A cidade de Chelm votou unanimemente pela construção de um hospital sob o desfiladeiro."

O mundo tem demonstrado uma reação de "Chelm" a seus problemas. Uma onda de crimes? Construa mais prisões. Uma epidemia de drogas? Comece mais campanhas contra os tóxicos. Violência, perversidade, corrupção? Construa hospitais que lidem com os efeitos, mas nunca com as causas.

Prevenção, não punição

A essência da lei judaica é preventiva. Estas ordens são colocadas "perante eles" porque visam lidar com o crime "antes" e não após o ato. A lei judaica foi feita para ser estudada por todos, não somente advogados. O judaísmo afirma que quando uma criança é criada com o conhecimento da lei de D'us e com amor pela Torá, esta criança provavelmente não transgredirá. A declaração de que um malfeitor "certamente deve ser condenado à morte," não significa uma punição a ser posta em prática depois que o crime foi cometido, mas uma doutrina educacional, a ser estudada por todos, de que aos olhos de D'us isso é um crime hediondo.

Como podemos transmitir aos filhos o grau de severidade implícito em diferentes tipos de comportamento errado? Se o filho perturba com um pequeno ruído, o pai diz: "Pare com isso." Se ele, inadvertidamente, brinca com uma chave de fenda e começa a colocá-la numa tomada, os pais gritam a plenos pulmões e talvez até digam: "Se fizer isso de novo, vou matá-lo." Obviamente, a ameaça não deve ser levada a sério, pois seu propósito é assegurar que aquilo não aconteça. Afinal, os pais não querem que a criança perca a vida.

Quando D'us estabeleceu estas leis perante o povo de Israel, Ele estava, na verdade, intercedendo em uma linguagem similar de amor e preocupação. Quando D'us diz: "ele certamente será morto", está dizendo que se a pessoa cometer este crime, merece morrer, não que Ele realmente deseja que seja executada. Para enfatizar isso ainda mais, estas palavras são seguidas pela ordem de D'us aos tribunais: "E o tribunal julgará e o tribunal salvará" (Bamidbar 35:25), ordenando aos juízes que façam tudo ao seu alcance para conseguir um veredicto de "inocente".

Alternativa para a pena de morte

O judaísmo encontrou uma notável alternativa para a pena capital. De fato, reunir pessoas em praça pública às segundas e quintas-feiras pela manhã, bem como no Shabat. Que a praça seja a sinagoga. Em vez de enforcar ou guilhotinar, eletrocutar ou decapitar, que todos ouçam as palavras do próprio D'us: "Aquele que fizer tal e tal coisa certamente será morto." Imagine uma criança que, desde os primeiros dias, vem ouvindo em nome do Onipotente que amaldiçoar ou ferir os pais é um crime capital e quem fizer assim deve morrer. É difícil acreditar que um dia considere displicentemente a perpetração destes crimes.

O que outras culturas fazem após o crime, via execuções públicas, o judaísmo consegue com uma metodologia de instrução pública.

Medidas de emergência

Existe ainda uma admoestação final, a de medidas de emergência. Se os criminosos souberem que sempre conseguirão escapar impunes, se os castigos bíblicos forem vistos como universalmente inaplicáveis, não é possível que a compaixão acabe sendo inútil? Os Sábios estavam claramente conscientes desta possibilidade. Portanto, em situações extremas, o San'hedrin (Tribunal Supremo de 71 juízes), recebeu a autoridade de fazer vista grossa às benesses das leis de pena capital e impor uma sentença de morte, apesar da falta de advertência total e evidência incontestável.

A pessoa se pergunta como o San'hedrin lidaria com a sociedade moderna. Chegamos ao ponto em que medidas de lei de emergência deveriam ser consideradas aplicáveis? Seria bom sentir que não fomos tão longe a ponto de nossa sociedade não poder ser trazida de volta à lei de D'us. Entretanto, algo fica muito claro na lei judaica. Antes que os tribunais pudessem ignorar as leis de punição capital, deveriam ser feitos todos os esforços para assegurar que toda a sociedade entendeu, desde tenra idade, o que D'us deseja de nós.

 
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