|
BUSH:
"NOS DIAS APÓS O KATRINA, CHABAD SALVOU VIDAS"
Foi a manchete principal do jornal israelense Jerusalem Post (edição
Internet) da quarta-feira, dia 22/09:
"Nos dias após o Katrina, o Chabad salvou vidas", disse
o Presidente George Bush falando aos judeus republicanos em Washington
na quarta-feira.
Num discurso que proferiu no 20º aniversário da Coalizão
Republicana Judaica, Bush conclamou o povo americano a continuar ajudando
as vítimas do Furacão Katrina e elogiou a Comunidade Judaica
que angariou 17 milhões para esta causa.
Bush, na sua segunda aparição em sua semana perante platéias
judaicas, contou a história dos rabinos judeus na Louisianna que
lançaram missões de resgate para ajudar as vítimas,
entre elas pessoas de Chabad que saíram da cidade inundada de Nova
Orleans e resgataram moradores
extraviados, forneceram refeições casher, colocando-as em
contato com seus familiares e dando abrigo àqueles que perderam
suas casas.
Além de salvar vidas, a comunidade judaicas resgatou Rolos Sagrados
da Torá, além de livros e objetos religiosos das sinagogas
que ficaram completamente inundadas.
Sobreviventes
do Katrina
Por Yossi Nemes
Nota do Editor: Muitas pessoas estão
escrevendo em busca de informações sobre os emissários
de Chabad em Nova Orleans. Dois destes corajosos emissários são
Rabino e Sra. Yossi Nemes de Metairie, um subúrbio de Nova Orleans.
Eis aqui o relato pessoal de Rabino Nemes.
Dizem que a
percepção é uma visão de 20/20, porém
não estou mais convencido disso. Às vezes, se tivéssemos
sabido o que estava guardado para nós, nossas decisões teriam
sido diferentes e então o bem que resulta dessas mesmas decisões
se perderia para sempre.
No Shabat passado, 27 de agosto, pela manhã, as previsões
eram de que Nova Orleans estaria fora da rota do Furacão Katrina.
Porém os retardatários que vieram ao nosso Chabad Center
trouxeram boatos de que talvez estivéssemos bem no caminho dele.
Primeiro havia uma chance de dez por cento, depois vinte, e quando o Shabat
terminou, as probabilidades eram de que Nova Orleans estaria bem na rota
do furacão.
Na manhã de domingo as autoridades estavam sugerindo enfaticamente
que as pessoas deveriam evacuar a cidade. Embora muitos habitantes com
experiência nesse tipo de alarme no passado continuassem cépticos,
minha mulher, Chanie, e eu começamos a planejar nossa saída
de Metairie.
Logo teve início uma sucessão interminável de telefonemas;
eram pessoas em férias que tinham se perdido e moradores em busca
de conselhos sobre aonde ir e o que fazer.
Alguns precisavam de ajuda para encontrar as rotas de fuga, outros procuravam
um abrigo e, para aqueles determinados a ficar e que não aceitavam
outra alternativa, nós demos conselhos sobre como fortificar a
casa e se preparar.
Às 11 horas fui ao nosso Chabad Center, que é térreo,
pegar os sagrados Rolos de Torá para guardá-los em relativa
segurança dentro de nossa casa de dois andares. Alguns congregantes
devotados vieram ajudar a pregar tábuas nas janelas.
O telefone não parava. Minha mulher cuidava das chamadas para nossa
casa, enquanto eu atendia os telefonemas para o Chabad Center. Logo foi
expedida uma ordem compulsória para abandonar a cidade. Felizmente,
descobrimos alguns hotéis no Quarteirão Francês com
vagas no terceiro andar, e conseguimos levar até lá alguns
turistas que estavam sem transporte.
Duas turistas foram convidadas a sair do hotel em que estavam e, com o
avançar das horas, ficaram sem opções. Elas não
sabiam o que fazer. Instintivamente, convidei-as a ficar em nossa casa.
Enquanto eu falava com um amigo que estava levando pessoas para sua firma
no centro da cidade, pedindo que ele viesse apanhá-las, elas disseram
que tinham convencido um motorista de táxi a levá-las pelo
triplo do preço.
Chanie convidou mais algumas moças, também.
As horas passavam rapidamente, mas as chamadas não diminuíam.
Algumas pessoas idosas não tinham como deixar suas casas, e precisavam
ajuda para relacionarem os itens que deveriam levar para o andar mais
alto. Nos raros intervalos entre as chamadas, nós empacotávamos
o que fosse possível. O vento começou a aumentar. O rádio
informava que o congestionamento na rodovia demoraria horas para ser resolvido.
Às 4
da tarde, quando finalmente tivemos alguns minutos para traçar
uma estratégia para nós mesmos e para os recém-chegados
que dependiam de nós, descobrimos que sair de carro representava
um alto risco. Os boletins de notícias apresentavam um quadro sinistro
das estradas atulhadas, com os carros parados e a tempestade se aproximando.
Se fôssemos apanhados na rodovia no meio da tempestade, D'us não
o permita, nossas chances de sobreviver seriam ainda menores que aquelas
que nos esperavam em nossa casa de tijolos, reforçada contra furacões.
Às 5 horas o vento ficou mais forte. Começamos a preparar
o Plano B.
Enchemos as banheiras com água. Levamos as Torot para o andar de
cima, junto com documentos importantes, roupas e outros artigos grandes
e pequenos.
Por fim ficamos, 13 pessoas, no segundo andar de nossa casa. rezamos pelo
melhor, mas tentamos nos preparar para o pior. Passamos o tempo lendo
Tehilim, pedindo a D'us para nos guardar, bem como toda a comunidade judaica
e o povo de Nova Orleans, e discutimos aspectos da fé e da Divina
Providência.
Também jogamos alguns jogos de memória e outros mais leves.
As rajadas de vento chegaram à velocidade de furacão, e
à meia-noite atingiram 170 a 200 quilômetros por hora na
nossa área, a 50 quilômetros do olho da tempestade.
Ouvíamos árvores enormes estalarem e, olhando pelas clarabóias,
chegamos a ver algumas voando para longe como papel. As venezianas sacudiam
à medida que o vento assobiava e gritava num barulho ensurdecedor.
Isso prosseguiu
durante a segunda-feira. Os ventos mais fortes (170 a 200) continuaram
durante seis horas, num total de quase 14 horas de ventos com força
de furacão.
Contamos histórias de fé e de resistência.
Pela Divina Providência, minha mulher e eu recentemente tínhamos
reencontrado alguns escritos do Rebe sobre a expressão "tracht
gut vet zein gut", que significa "pense o bem e tudo sairá
bem". O Rebe encorajava as pessoas que encaravam desafios a enfrentarem
a situação e realmente mudá-la, pensando positivamente.
Bem, uma coisa era falar sobre pensar positivamente, mas ninguém
imagina o impacto que isso tem sobre a pessoa que enfrenta situações
realmente difíceis. Eu sentia em meus ossos que nossos pensamentos
positivos tinham o poder de nos fazer atravessar aquilo, ao passo que
pensamentos negativos nos fariam sucumbir. Felizmente, com nosso pensamento
positivo comunal, todos estávamos num bom estado de espírito
e bastante otimistas, apesar das circunstâncias. Além disso,
ficávamos assegurando uns aos outros que não estávamos
ali à toa. D'us nos guiara para ficar ali e ajudar todos que nos
procuravam, e nosso destino estava agora em Suas mãos.
Na manhã de segunda-feira, estávamos sem energia elétrica,
telefones e água corrente. O calor intenso e a umidade eram insuportáveis
e, sem ventilação, a casa estava abafada. Havia treze pessoas
em quatro dormitórios no segundo andar.
Mas estávamos vivos! Graças a D'us, estávamos sobrevivendo!
Esporadicamente, era possível fazer uma chamada pelo celular, para
saber notícias dos outros membros da comunidade judaica que ficaram
para trás. Milagrosamente, aqueles com quem falamos estavam bem
– considerando as circunstâncias – e ficávamos
encorajando uns aos outros.
Finalmente, no começo da tarde, os ventos diminuíram e corremos
para abrir as janelas.
Havia meio metro de água no piso térreo da casa e, embora
pudéssemos andar ali, não dava para sair de casa, pois lá
fora havia um metro e meio de água. Também ficamos sem os
celulares e estávamos totalmente incomunicáveis.
Passou um barco de resgate médico e eles gritaram para ter certeza
de que ninguém estava em perigo em nossa casa. Informei a eles
sobre outras pessoas no quarteirão que eu sabia terem permanecido
em casa. Eles nos avisaram para não entrarmos na água, pois
havia muitos cabos elétricos caídos e também cobras
venenosas. Eles nos asseguraram que voltariam no dia seguinte para ajudar,
mas não os vimos novamente.
Além de ler e rezar, passamos o dia conversando sobre todos os
tipos de coisas, grandes e pequenas, e agradecendo a D'us pelos milagres.
`À noite percebemos que a água tinha descido alguns centímetros
e ficamos otimistas sobre sairmos na terça-feira.
Porém
ouvimos no rádio de pilhas que a água parecia estar subindo
e, pediam com urgência que todos, incluindo as pessoas em Metairie,
deixassem as casas! A cidade inteira logo poderia estar debaixo de 2 metros
de água. Obviamente, a cidade ainda não tinha passado pelo
pior.
Não podíamos sair àquela altura e, desnecessário
dizer, ficamos bastante tensos.
Quando o nível da água finalmente baixou no final da tarde,
o Corpo de Engenheiros do Exército anunciou que água estava
indo na direção da cidade e não para o nosso lado.
Porém a apenas cinco quilômetros a oeste de nós, a
água começou a subir e, em questão de horas, chegou
a 6 metros. Rezamos para que as pessoas estivessem a salvo, mas nos sentíamos
incapazes de ajudá-las.
Milagrosamente, os diques e as bombas em nossa área agüentaram
firmes e não tivemos mais enchentes.
O sistema de emergência federal esteve no ar o tempo todo, mas o
restante da mídia não podia transmitir localmente, Eu soube
depois que durante este tempo algumas transmissões anunciaram que
Metairie corria perigo. Porém estávamos alheios a isso,
e somente quando pude falar com minha mãe no dia seguinte eu soube
do medo que todos sentiram, de que seus entes queridos e membros da comunidade
estivessem passando pelo pior. Sinto-me da mesma maneira agora sobre aqueles
membros da nossa comunidade com os quais ainda não consegui fazer
contato. Cada momento parece uma hora, quando se espera para saber das
condições daqueles que amamos.
Na terça-feira à noite dormimos com as janelas abertas,
com uma visão de fios elétricos caídos e árvores
arrancadas, algumas tão grandes como nossa casa.
Estávamos felizes por estar vivos, com saúde e com provisões
básicas, mas com muita pena pelos milhares que estavam desabrigados
e careciam das necessidades básicas. Isso tornou as coisas mais
fáceis de suportar para nós.
Às 4 horas da madrugada da quarta-feira, não conseguindo
mais manter meus olhos fechados, olhei pela janela e vi que não
havia mais água lá fora, só barro. As bombas tinham
começado a funcionar novamente! Havia toneladas e toneladas de
barro, na rua e sobre as casas, carros e placas de direção.
Enquanto olhava pela janela, vi um vizinho idoso que eu nem sabia que
tinha ficado em casa. Ele estava perto da janela aberta no segundo andar
da sua casa, tentando em vão atrair a atenção dos
helicópteros militares que sobrevoavam o bairro com um espelho
que refletia a luz. Pelo desespero que ele transmitia, percebi que precisava
de pronta ajuda.
Patinei pela
lama para atravessar a rua até a casa dele, descobrindo que ele
e a esposa idosa estavam sem comida durante todo o dia. A mulher sofria
de problemas cardíacos e precisava de cuidados hospitalares. Eles
não tinham conseguido entrar em contato com ninguém.
Levei comida e água para eles, assegurando que estivessem hidratados
e alimentados. Ela pareceu relaxar e estar se sentindo melhor. Aparentemente,
só o contato humano – e o alimento, é claro –
a ajudaram. Eles estavam apavorados, achando que ninguém os encontraria
e ninguém sabia onde estavam. Só o fato de me verem e saber
que havia outros para ajudar, já fez uma grande diferença.
Fui com o marido dela até uma casa na mesma rua onde morava uma
mulher que, para minha surpresa, tinha o telefone funcionando normalmente!
Meu vizinho telefonou para o filho, que fez os arranjos necessários
para ir buscá-los. Não posso descrever seu rosto e sua voz
quando o filho atendeu o telefone. Quisera que todas as nossas crises
tivessem finais tão felizes.
Eu também pude ligar para minha mãe, com quem tive uma conversa
que jamais esquecerei.
Os avisos continuavam no rádio. Saiam! Os diques ainda não
estão seguros e seu bairro pode ser o próximo! Começamos
a limpar alguns itens danificados pelo barro no piso térreo de
nossa casa, e a fazer as malas. Não sabíamos quando seria
possível voltar.
Encontrei outro homem de nossa Casa de Chabad, Shmuel Markovitch que,
com seus três filhos, tirara três árvores caídas
na estrada, e levara comida e água aos vizinhos, e que depois me
ajudou a fazer funcionar o carro.
Como eu tinha 13 pessoas para transportar, ele me deu as chaves de sua
caminhonete refrigerada, geralmente usada para transportar comida casher,
e insistiu para que eu a usasse. Imagino quantas vidas ele salvou com
sua presença de espírito e auto-sacrifício. (Por
fim ele foi para Miami e agora está bem, graças a D'us.)
Eu soube também que Rabino Zelig Rivkin, o emissário chefe
de Lubavitch para o Estado, conseguira sair no dia anterior, pouco depois
que o dique se rompeu. Ele estava desolado por precisar partir sem saber
da nossa situação, mas deixou para trás um de seus
veículos, colocando 12 pessoas em apenas dois carros (um pertence
ao filho dele, outro emissário aqui), caso nós precisássemos
de um carro para deixar o local.
[Hoje ele está em Houston, coordenando os esforços de resgate
ali.]
Quando conseguimos reunir todos já eram 3 horas. No caminho passamos
pela casa de uma família judia, mas eles tinham partido, deixando
todos seus pertences para trás. Eu sabia que o filho deles estava
para se casar na Califórnia, e não tiveram como levar as
roupas para o casamento e outras coisas importantes. Colocamos em duas
malas os artigos essenciais para o casamento e saímos.
Nossa área não foi a mais atingida, pois a destruição
que vimos era indescritível. Casas de pernas para o ar, árvores
arrancadas e carros boiando. Algumas pessoas caminhavam pela estrada como
se estivessem num estupor. Dava para ver que muitas famílias e
muitas comunidades perderam tudo que possuíam. Rezamos para que
ao menos as pessoas tenham sobrevivido e possam reconstruir a vida.
Fomos para Memphis, única direção possível,
e estamos na casa dos emissários de Lubavitch locais, Rabino Levi
e Sra. Rivca Klein.
Oportunamente daremos mais notícias, se D'us quiser.
|