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Primeiro cientista
a descobrir a vacina contra a poliomielite, foi aclamado como herói
e reconhecido no mundo inteiro por ter contribuído para a cura
desta doença.
Até os anos 50, a poliomielite representava uma praga terrível.
Desde o início do século, pode ter aleijado ou custado a
vida de mais de um milhão de jovens. O vírus provoca um
quadro semelhante a uma gripe, mas quando penetra no sistema nervoso leva
à paralisia e, às vezes, à morte. É transmissível
por contato direto com pessoas infectadas e ataca, principalmente, crianças.
As epidemias eram anuais e provocavam medo e pânico.
As imagens que a imprensa veiculava de crianças pequenas com músculos
atrofiados, em cadeiras de rodas, apoiadas em muletas ou necessitando
de respiradores artificiais, eram particularmente impressionantes. Era
inevitável que quem conseguisse exorcizar esses medos, se tornaria
um herói internacional e seria reconhecido como "o salvador
das crianças".
A probabilidade de um microbiólogo adquirir fama é mínima
e logo contestada pelos concorrentes. No campo cientifico, até
pequenas descobertas costumam deixar um rastro de reivindicações
e reclamações, e podem suscitar inveja e maldade. Na verdade,
o mérito de ter debelado e praticamente erradicado a poliomielite
do mundo ocidental pertence não a um, mas a dois cientistas. Em
meio a grande publicidade, declarações e controvérsias,
as pesquisas no decorrer da década de 1950 eram lideradas por Jonas
Salk e Albert Sabin. Usando métodos antagônicos e em acirrado
conflito pessoal, os dois cientistas desenvolveram duas vacinas extremamente
eficazes contra a pólio, com um intervalo de seis anos.
Mas como Salk chegou primeiro, recebeu as honras e os reconhecimentos
do público leigo, já que o mundo científico não
gostava muito dele e nunca o agraciou com o Prêmio Nobel, nem o
aceitou como membro da Academia Nacional de Ciências.
Sua vida
Salk nasceu em Nova York, em 1914; era filho primogênito de um casal
de imigrantes judeus ortodoxos de origem polonesa que viviam no Bronx
e trabalhavam na área de confecções femininas. Em
casa era o mais religioso dos irmãos, que o chamavam de "pequeno
rabino".
Colocava os tefilin diariamente e freqüentava regularmente a sinagoga
até terminar o colegial. Sua mãe teria gostado que se tornasse
professor ou rabino. Mas ele afirmava que se interessava "pelas leis
da natureza" e desde pequeno "o impressionavam as tragédias
da vida, para continuar indiferente ao que acontecia ao próximo".
Isso o estimulou a realizar algo positivo em prol da humanidade.
Foi aluno brilhante no curso universitário básico e na Faculdade
de Medicina da Universidade de Nova York. Desde cedo teve vocação
para a pesquisa, embora admita: "Minha mãe ficaria muito feliz
se eu tivesse um consultório na Park Avenue".
Recém-formado, conseguiu uma posição invejável
como pesquisador na Universidade de Michigan para estudar virologia ao
lado do eminente professor Thomas Francis. Juntos trabalharam para o desenvolvimento
de uma das primeiras vacinas contra a gripe, usando o vírus influenza
inativado.
Em 1939 casou com Donna Lindsey. Tiveram três filhos, mas divorciaram-se
em 1969. Seus três filhos se tornaram médicos. Pouco depois,
casou novamente com Françoise Gilot, escritora e pintora francesa
que fora companheira de Picasso no final da década de 40, início
da de 50.
Vacina contra-pólio
Depois da Segunda Guerra Mundial, Salk mudou-se para a Universidade de
Pittsburg, onde se dedicou à pesquisa sobre a poliomielite. Por
sorte, chegou a publicar alguns trabalhos teóricos básicos
sobre o vírus, que chamaram a atenção de Basil O'
Connor, presidente da Fundação para a Paralisia Infantil:
acreditando em Salk, investiu fundos e lhe deu total autonomia para desenvolver
seu trabalho.
Mas quem forneceu a peça chave que permitiu a Salk produzir sua
vacina foi John Enders, de Harvard, que recebeu em 1954 o Prêmio
Nobel por ter conseguido cultivar "in vitro" o vírus
da poliomielite - um trabalho revolucionário - fornecendo aos cientistas
empenhados na produção da vacina quantos vírus fossem
necessários, de forma rápida e segura.
O objetivo estava, então, configurado. Chegar primeiro era apenas
questão de sorte e de rapidez - no que Salk era forte. Ele trabalhava
com uma vacina obtida com vírus mortos.
Já Sabin vinha de uma escola antagônica de pesquisa de vacinas.
Como Louis Pasteur, acreditava que o caminho para produzir imunidade permanente
passava pela criação de uma infecção leve
usando um vírus vivo, mas de virulência extremamente atenuada.
Trabalhava na produção de uma vacina de acordo com esta
teoria.
Salk, valendo-se de sua experiência com a vacina contra a gripe,
sabia muito bem que o sistema imunológico podia ser estimulado
sem infecção propriamente, apenas com um vírus inativado
ou morto.
A vacina de Salk, que usava um soro injetável contendo vírus
mortos, era de preparo mais fácil e rápido: foi testada
pela primeira vez em 1952, e, em 1954, Salk e Francis iniciaram uma vacinação
em massa no maior experimento médico realizado nos Estados Unidos.
Vacinaram mais de um milhão de crianças, entre 6 e 9 anos,
parte com a vacina e parte com o placebo.
A vacina funcionou. Mas no mundo científico, a divulgação
desses dados deveria seguir um protocolo: primeiro a publicação
em revista médica espe-cializada e depois o mais amplo possível
reconhecimento dos créditos. Salk não seguiu este protocolo,
deu uma entrevista coletiva e falou pelo rádio. Acabou recebendo
todos os créditos.Esse erro o perseguiria. Para os cientistas,
Salk fora vaidoso. Até hoje, não o perdoaram por não
ter reconhecido o valor e citado Enders e os colegas de Pittsburg. Tudo
o que fez posteriormente foi visto com certa desconfiança.
A vacina de Albert Sabin, com vírus vivo atenuado e para administração
por via oral, ficou pronta em 1961. O vírus vivo daria uma imunidade
superior e mais prolongada, entretanto as duas vacinas são eficazes
e usadas até hoje nos Estados Unidos.
Em 1963, Salk fundou e dirigiu o "Instituto Salk para Estudos Biológicos",
em La Jolla, Califórnia. Desde 1986, dedicou-se ao desenvolvimento
de uma vacina contra a Aids. "Não podia parar; a pessoa fracassa
se para cedo", dizia o cientista. Em 1994, menos de um ano antes
de sua morte, dizia que havia feito "progressos enormes".
Salk encarava os obstáculos filosoficamente como desafios: "Eu
era consciente de que algumas portas que me foram fechadas resultaram
em outras portas que se abriram". Ainda jovem se candidatou a trabalhar
na pesquisa das doenças reumáticas e não foi aceito.
Uma porta lhe foi fechada, por isso se voltou à pesquisas do vírus
da gripe.
Salk acreditava que a sua origem judaica teve um papel fundamental em
sua vida e sua carreira: "...forneceu-me as qualidades necessárias
para sobreviver e evoluir. Assim tenho visto as adversidades: como uma
vantagem. Os judeus aprenderam a desenvolver uma sabedoria inata sobre
como conseguir lutar e crescer. Pude ver isso da forma que minha mãe
criou seus filhos. O que ela queria acima de tudo era que fôssemos
melhores que ela."
Salk morreu em 1995 de um infarto do miocárdio. Estava estudando
e trabalhando com o vírus da Aids.
Com a descoberta da vacina que erradicou a poliomielite, Jonas Salk se
tornou um grande herói da medicina. Seu nome será sempre
associado às vidas salvas de uma das mais temíveis doenças
do século XX.
Quanto a Albert Sabin, sua contribuição à virologia
se estende muito além do seu trabalho com a poliomielite. Antes
de criar sua vacina oral, este cientista, também de origem judaica
polonesa, desenvolveu as vacinas contra a dengue e contra a encefalite
japonesa.
Ao morrer, em 1993, com 86 anos, estudava o papel dos vírus nos
tumores.
Bibliografia:
Time Magazine 100, The Century Greatest Minds. March 29,
1999.
Slater & Slater, Great Jewish Men. Jonas Salk, pág. 267
M. Shapiro, The Jewish 100. pág. 286. |