A vista da janela do meu filho

 
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Por Jay Litvin z’l
 

Como pais, nós sabemos mais que os nossos filhos. Somos mais velhos e mais sábios. Temos mais experiência e esta experiência muitas vezes nos torna mais práticos, mais espertos nos caminhos do mundo.

Em nosso desejo de ajudar os nossos filhos, com freqüência nos sentimos inclinados a partilhar este conhecimento com eles, dar-lhes conselho, ou simplesmente dizer a ele o que achamos que pode ser útil.

Mas quando refletimos sobre nossa própria vida podemos achar que ter recebido o conhecimento de uma outra pessoa, ser aconselhado com base na sabedoria dos outros, não ajudou muito. Em vez disso, preferimos descobrir a verdade por nós mesmos. E apreciamos aqueles que ajudaram neste processo de descoberta, em vez de interrompê-lo.

Como pais, desempenhamos muitos papéis e muitas formas de relacionamento são possíveis com nossos filhos. Dentre eles, guia e mentor, amigo, aliado, companheiro e apoio. Devemos dançar delicadamente na corda bamba da sabedoria, autoridade e disciplina, enquanto permanecemos como fontes de amor e aceitação incondicionais.

 

Em nosso desejo de ensinar e orientar nossos filhos, podemos passar muito depressa por uma etapa essencial: conhecê-los e aceitá-los como são, entender como eles percebem e sentem o mundo que os cerca.

Vejo estes papéis como complementares, não contraditórios. O fato de sermos próximos aos nossos filhos não enfraquece nossa autoridade; desenvolver a amizade não diminui o respeito; aceitá-los como são não nega a oportunidade de aperfeiçoamento. Ao contrário, é uma questão de tempo, de julgar cada oportunidade para julgar qual aspecto de nosso relacionamento desejamos melhorar num determinado momento.

Em nosso desejo de ensinar e orientar nossos filhos, podemos passar muito depressa por uma etapa essencial: conhecê-los e aceitá-los como são, entender como eles percebem e sentem o mundo que os cerca. Sem este passo, talvez achemos nossos esforços para educar não apenas fúteis, mas também provocar uma rebelião. Conhecer e aceitar nosso filho por aquilo que é, tentando entender como ele vê o mundo, partilhando uma sensação mútua de admiração sobre o mundo, ajudará em nossos esforços na educação e orientação e, ao mesmo tempo, ajudará a nos aproximamos deles.

Em vez de enxergarmos nossos filhos como recipientes vazios esperando para serem cheios, e a nós mesmos como fontes transbordantes de sabedoria ansiosas para enchê-los, vamos imaginar por um momento que possuem seu próprio nível de conhecimento e experiência. E embora não sejamos recipientes vazios, sejamos pelo menos vazios de preconceitos sobre quem são eles e o que eles sabem, e abordar nossos filhos com genuína curiosidade e senso de admiração.

Nem sempre os filhos fazem sentido, porém geralmente há algum sentido naquilo que à primeira vista pode parecer sem sentido. Se você como pai acredita nisso, então sua conversa com seus filhos ajudará a revelar o sentido deles, o significado e a lógica que se escondem por trás das suas palavras. Quando você age assim, passa a fazer parte de uma deliciosa aventura na descoberta daquilo que seu filho pensa sobre o mundo. E se você puder fazer isso sem tentar corrigir o pensamento dele, começará a ver o mundo como ele vê, não importando se ele se conforma ao sentido adulto da realidade como você a percebe.

Assim, um ingrediente chave para esta jornada ao ser interior do seu filho é uma curiosidade genuína sobre quem ele é. Esta curiosidade é isenta de um motivo oculto e vem tanto com o carinho pelo seu filho quanto pela afirmação que a realidade para vocês dois é mais uma questão de percepção que uma declaração de fato. Em outras palavras, o mundo é aquilo que fazemos dele. Aquilo que sentimos e pensamos na verdade depende das lentes através das quais nós vemos o mundo.

Você procura, simplesmente, ter um vislumbre do mundo através das lentes do seu filho, Será uma lente única. Cada um de nós, criança e adulto, vê e entende o mundo de maneira única.
Isso desenvolverá confiança e proximidade? Examine os seus relacionamentos com as pessoas que o rodeiam. Num ambiente receptivo, com pessoas que estão realmente curiosas sobre nossa maneira de ver o mundo e que nos encorajam a partilhar nossas percepções; quem entre nós não se torna amigável? Com freqüência, ficamos lisonjeados por tanta atenção, gratificados por que nossas opiniões são procuradas e valorizadas.


E então ele disse:
"Mas talvez a música esteja no vento. Talvez o vento toque uma música que só as árvores consigam ouvir."
"Sim, meu filho, talvez o vento toque uma música que só as árvores possam ouvir."

Os filhos não são diferentes. Eles também florescem à luz da sua genuína curiosidade e interesse, em sua aceitação e apreciação. Eles sentirão não apenas o seu interesse e carinho, como também como você é enriquecido pelo privilégio de partilhar o ponto de vista de outra pessoa, especialmente a opinião de alguém que você ama.

Você será enriquecido? Certamente. Pois um dos maiores prazeres dessas jornada de descoberta é o presente de partilhar o mundo de outra pessoa. É como se você tivesse recebido a capacidade de ver o mundo com olhos novos, descobrir um mundo tão autêntico quanto o seu, porém completamente desconhecido para você.

Você não está descobrindo o mundo de uma criança, está descobrindo o mundo como ele é visto pelo seu filho. E é um mundo tão real quanto o seu ou outro qualquer. É tão novo quanto uma tela de Rembrandt, tão abrangente quanto Einstein, tão incomum quanto um Van Gogh, tão assustador quanto um livro de Edgar Allan Poe. Um mundo que tem sua própria harmonia e lógica, se você conseguir entrar nele com tempo suficiente para ouvi-lo e entendê-lo.

Um pai relata:

Olhando pela janela, meu filho viu uma árvore cujos galhos balançam sem parar.

"Como a árvore mexe os galhos dessa maneira?" pergunta ele.

Sem me levantar da cadeira, nem tirar os olhos do livro, começo a responder: "A árvore não está movendo os galhos. É o vento…" Mas antes de deixar as palavras saírem, caio em mim. Em vez de falar, levanto-me da cadeira e vou até a janela, para perto do meu filho. Olho para a árvore.
Dentro do quarto, por trás da janela fechada, não posso sentir nem ouvir o vento. Vejo apenas uma árvore com os galhos balançando e penso comigo mesmo: dentro desse quarto, como posso ter certeza de que os galhos estão se movendo por causa do vento, em vez de por vontade própria?
Enquanto estou ali com meu filho observando a árvore, fico hipnotizado pelo movimento dos galhos, pelo tremular das folhas. Minha mente se aquieta e fico menos seguro sobre o que fazia os galhos se moverem. Seria o vento, ou alguma expressão independente da árvore?

"Percebo o que você quer dizer" – eu disse ao meu filho. "O movimento da árvore é muito bonito."
"Você acha que a árvore está dançando?" ele perguntou.
"Por que ela estaria dançando?"
"Talvez esteja contente porque o sol está brilhando" – disse ele.
"Talvez" – respondo.
"Ou porque é primavera" – acrescenta ele – e não faz mais frio."
"Talvez" – digo novamente.

Enquanto estávamos ali observando a árvore, eu também comecei a discernir a dança da árvore, o movimento e o ondular dos seus galhos, notando algumas nuanças que não conseguira ver antes. Parecia haver um certo ritmo no movimento, primeiro forte, depois suave e gentil, então vigoroso novamente, às vezes quase violento.

"As árvores estão vivas?" pergunta meu filho.
"Sim," respondo, "estão vivas."
"Elas sentem as coisas?"
"Não sei" – respondo. "Por que pergunta?"
"Porque esta árvore parece feliz. Uma árvore pode ficar triste ou feliz?"
"O que quer dizer?" pergunto.
"No inverno, as árvores parecem tristes" – disse ele. "Os galhos ficam caídos, e parecem frias e solitárias. Mas agora, com as folhas no lugar, o sol brilhando e os pássaros cantando, ela parece feliz."
"Deixe-me ver" – eu digo.

Olhamos em silêncio. Observo outras árvores e elas, também estão se movendo com o vento, cada qual num ritmo diferente, e pareciam expressar algo singular e único em seu movimento. Nem toda árvore estava dançando.

"Olhe aquele carvalho grande lá longe" – eu digo. "O que acha que ele está sentindo?"
"Ele também está feliz. Mas não está dançando muito. Acho que isso é porque ele é velho, e talvez seus galhos sejam mais duros. Ou talvez não se entusiasme com o sol e a primavera. Já os viu muitas vezes antes e está acostumado."

"Sim" – concordo, sorrindo por dentro.

Dessa vez, eu amei aquela árvore. Ou pelo menos estava sentindo tanto amor, que era impossível excluir a árvore dos meus sentimentos. E comecei a me perguntar se a árvore estava causando aquelas sensações em mim. Ou a árvore seria um simples catalisador, como o vento, que criava uma reação em mim, assim como o vento provocava uma reação na árvore?

"Você acha mesmo que a árvore está dançando?" perguntei ao meu filho.
"Não sei."
"Não sabe?" perguntei, surpreso pela sua súbita incerteza.
"Se ela estivesse dançando, precisaria de música."
"Ah, entendo" – disse eu – "ela precisaria de música."

E então ele disse:

"Mas talvez a música esteja no vento. Talvez o vento toque uma música que só as árvores consigam ouvir."
"Sim, meu filho, talvez o vento toque uma música que só as árvores possam ouvir."

E comecei a sonhar com cientistas com ouvidos e instrumentos para escutar a música do vento.
Meu filho interrompeu meus pensamentos.

"Pai?" disse ele.
"Sim, filho,"
"Não gosto muito da minha professora na escola."

E então conversamos sobre isso durante algum tempo, ali perto da janela. E embora eu não pudesse ter certeza, tive a sensação de que a árvore estava nos observando, e perguntei-me se nós – a árvore, meu filho e eu – partilhávamos a sensação daquele momento.

   
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