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Após terminar
meu curso de flebotomia, fui colocada no Hospital Richford para duas semanas
de prática clínica. Durante minha segunda semana, Ema, uma
das flebotomistas, foi falar comigo e com minha supervisora, Stacey.
[Flebotomia = Procedimento invasivo que consiste na introdução
de um cateter de silicone através de uma veia sob visão
direta para passagem de líquidos, sangue e seus derivados, alimentação
parenteral ou medicação.]
“Preciso que tirem sangue de alguns pacientes na pediatria. Poderiam
ir me ajudar?” perguntou Ema.
Para extrair sangue na ala pediátrica é precisa ser especialmente
treinado, e nem Stacey nem eu tínhamos aquele certificado. Eu nunca
estivera naquele andar.
Mas vimos que teríamos de ajudar Ema, que era treinada, e subimos
as escadas.
Quando terminamos com o primeiro paciente, Ema disse que tinha de ir a
mais dois quartos naquele andar: Quarto 35 e Quarto 13. “A qual
quarto você quer ir, Stacey? Nenhum deles é uma criança
pequena, portanto você pode tirar sangue delas.”
“Tanto faz,” disse Stacey. “Não importa, acho
que iremos ao Quarto 35.” Ema nos agradeceu, e seguimos pelo corredor.
Do lado de fora do quarto com nosso carrinho, eu comecei a imprimir as
etiquetas para os tubos de sangue. Ao olhar as etiquetas que saíam
da pequena impressora, gelei. Eu reconhecia este nome, Ahava. Conhecia
esta menina da minha comunidade. Há algumas semanas eu tinha recebido
seu nome hebraico completo, pedindo que rezasse pela sua saúde.
Pensando depressa, decidi não entrar no quarto. Não queria
comprometer sua privacidade. Talvez ela não quisesse que ninguém
soubesse que estava no hospital. Eu não disse nada a Stacey, mas
esperei do lado de fora enquanto ela entrava para tirar o sangue.
“Isso é tão estranho,” pensei comigo mesma.
“De todos os andares no hospital, de todos os quartos neste andar,
fomos designadas para este quarto? Esta paciente?”
De pé ali ao lado da porta, espiei através da cortina para
ver se estava certa. Ali estava ela, uma mocinha de 16 anos, parecendo
pálida, fraca e abatida. Afastei-me rapidamente. Como podia ser?
Meu coração ficou voltado para ela.
De repente ouvi Stacey me chamando lá de dentro do quarto. “Devorah,
pode me trazer um transferidor?”
Fiquei chocada. O que poderia fazer? Não tinha escolha. Teria de
entrar. Segurando o transferidor apertadamente na mão, lentamente
entrei no quarto e puxei a cortina para o lado. Nossos olhos se encontraram,
e o rosto de Ahava iluminou-se com o maior sorriso que eu jamais vira
até então.
“Oh, como é bom ver você!” ela exclamou.
Passando o aparelho para Stacey, fui até o lado da cama, e começamos
a conversar.
Antes de sair, prometi a ela que a visitaria, e que continuaria a rezar
por ela.
No dia seguinte eu estava no supermercado casher quando ouvi alguém
chamar meu nome.
“Devorah”, disse minha amiga, correndo na minha direção.
“Você deveria saber como fez bem a ela.”
A princípio eu não sabia do que ela estava falando. Então
entendi que ela era amiga de Ahava.
“Assim que você saiu ela me mandou um e-mail: ‘Você
não acredita quem acaba de sair do meu quarto!’ Você
realmente iluminou o dia dela, Devorah.”
Minha amiga contou-me que Ahava estaria no hospital durante Pêssach,
e decidimos ir visitá-la no domingo, o segundo dia do feriado.
No dia seguinte, eu me vi aguardando ansiosa pela folga para o almoço.
Em vez de passar a hora com minhas colegas, fui lá em cima para
visitá-la, como tinha prometido. Demos juntas uma caminhada pelo
corredor e encontramos um banco perto de uma janela grande.
Sentada à luz do sol, ela mencionou que estaria no hospital durante
Pêssach.
“Oh,” disse eu, tentando dar a entender que não sabia
disso. “Sim, e estamos preparando um Seder de Pêssach para
o andar inteiro. O hospital nunca teve um seder antes, e todos estão
empolgados. Enviei convites a todos os quartos. Todo mundo está
convidado.”
“Uau, isso é ótimo!” disse eu.
Nesse instante o pai dela chegou. “Olá, querida,” disse
ele. “Acabo de falar pelo telefone com Jerry Cohen, do Fornecimento
Casher. Ele soube que você está no hospital, e que está
planejando um Seder para o andar inteiro. Ele telefonou para dizer que
pretende doar toda a comida para o Seder, e tudo que precisarmos durante
Pêssach.”
O sorriso de alegria de Ahava espalhou-se pelo seu corpo inteiro. Sua
felicidade era contagiosa, e todos nós sentimos nosso estado de
espírito elevar-se.
Olhando para o relógio, vi que minha hora de almoço estava
quase no fim. Despedi-me, e prometi que a visitaria novamente.
Conforme o combinado, no segundo dia de Pêssach minha amiga e eu
fizemos a longa caminhada de uma hora até o hospital. Vimos um
guarda de segurança na entrada e perguntamos a ele como poderíamos
chegar lá em cima sem usar o elevador. Ele explicou que poderíamos
ir pelas escadas somente até o quarto andar. Como há crianças
no quinto andar, a porta é mantida trancada. Estávamos num
impasse. Mas não iríamos desistir. Explicamos que tínhamos
ido visitar uma amiga, e que caminhamos uma hora apenas para chegar até
ali.
“Vocês são judias, certo? Ortodoxas, eu sei.”
Disse ele. “Esperem, deixem-me fazer um telefonema rápido.”
Minha amiga e eu trocamos sorrisos quando ele pegou o fone e começou
a discar. “Tudo bem, meninas,” disse ele, desligando. “Venham
comigo. Vou levar vocês lá para cima e destrancar as portas.”
“Obrigado, Hashem,” murmuramos.
“Na verdade, meu nome é John, mas vocês são
bem-vindas,” disse ele. “Vocês judeus são impressionantes.
Não posso acreditar que caminharam tudo isso.”
Quando vimos o rosto dela radiante, soubemos que a caminhada tinha valido
a pena.
“Conte-nos sobre o Seder!” dissemos em uníssono. Sentamo-nos
e ela começou a relatar as partes mais importantes. Os pacientes
se sentaram juntos, cantaram, contaram histórias e partilharam
uma deliciosa refeição. Todos tiveram uma ocasião
maravilhosa.
Estar no hospital pode ser solitário e deprimente, mas essa garota
de 16 anos aproveitou a oportunidade para levar luz e alegria a outros.
Nunca sabemos por que somos colocados em determinadas situações.
Eu não sei por que D'us quis que eu visse Ahava no hospital. Mas
sei que fiquei comovida e inspirada pela sua coragem e otimismo. Estou
realmente grata por ter tido essa oportunidade de aprender com ela.
Alguns dias depois de Pêssach, soubemos seu diagnóstico.
Uma adolescente que já fora livre de preocupações
está lentamente perdendo a visão e a mobilidade. Estremeço
quando penso nela. Não posso sequer imaginar o que ela está
passando. É com nossas preces que podemos fazer uma diferença. |