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Eu mal
a conhecia. Miriam era uma profissional com trinta e poucos anos –
trabalhamos no mesmo escritório, lado a lado por cerca de um ano.
Ela era sempre muito simpática, inteligente e charmosa, mas nunca
fomos muito chegadas porque ela morava em outra comunidade e não
freqüentávamos os mesmos círculos. Creio apenas que
cada qual estava muito preocupada com si mesma, e como nossas vidas eram
tão diferentes, elas nunca coincidiam. Gostávamos de trabalhar
juntas, falar sobre isso e aquilo, mas não tínhamos muito
em comum. Afinal, o mundo dela parecia girar em torno do seu trabalho,
ao passo que minha carreira era minha família, e o escritório
apenas uma pequena parte da minha vida.
Eu sempre achei que ela fosse feliz; tudo em sua vida corria exatamente
conforme os planos – ela amava o trabalho e estava fazendo carreira
na empresa, tinha um marido atencioso e bem-sucedido, e tinham acabado
de comprar uma bela casa. Tudo estava indo bem. Tudo estava perfeito.
Ou assim eu pensava.
E então, um dia, assim do nada, enquanto estávamos ao lado
da máquina de café, ela de repente explodiu em lágrimas.
Chocada, tentei acalmá-la, e quando ela se sentiu um pouco melhor
abriu o coração para mim.
Tudo corria bem em sua vida… exceto uma coisa.
Ela não conseguia engravidar.
Miriam contou-me que ela e o marido estavam tentando conceber, jamais
esperando ter problemas, mas após dois anos de tentativas, nada
acontecera. A princípio eles riram, achando que fosse "estresse
devido ao trabalho", mas após algum tempo viram que o problema
era mais sério. E, embora tudo o mais estivesse bem, neste aspecto
tudo ia mal. E isso era o que eles desejavam acima de tudo.
"Eu só pensava naquilo", disse-me ela. "Eu me sentava
para uma reunião com um cliente e ficava pensando em ter bebês.
Lembro-me que uma vez uma colega de trabalho fez uma observação
inocente sobre viajar no fim de semana com o marido e deixar os filhos
com a mãe. Ela estava nervosa pensando que as crianças sentiriam
falta dela, e achando que a mãe teria dificuldade para cuidar de
três crianças pequenas. Ela sorriu para mim e disse: "Você
tem sorte, não tem estes problemas." Rangi os dentes, sorri
para ela, e depois fui ao banheiro chorar durante duas horas."
Eu me senti mal por alguém ter dito aquilo a ela, e depois vi como
facilmente poderia ter sido eu. O que eu tinha dito no passado? Eu tinha
sido insensível? Jamais me ocorrera que este assunto era doloroso
para ela. Não tendo qualquer idéia de que ela lutava com
problemas de fertilidade (na verdade, jamais tinha percebido que alguém
lutava com problemas de fertilidade) eu não sabia o quanto este
tema poderia trazer sofrimento para tantas pessoas.
Fiquei chocada – eu tinha trabalhado com esta jovem durante um ano,
tínhamos conversado casualmente sobre todo o tipo de coisas, e
eu deduzira que sua vida estava exatamente como ela planejara. Porém
o tempo todo ela estava se sentindo infeliz, e escondendo isso muito bem.
E então um dia, na hora do café, ela não conseguiu
mais segurar – desabafou tudo – e para alguém que ela
mal conhecia!
A princípio eu não sabia como reagir. Ironicamente, eu sempre
me sentira um pouco intimidada por ela. Miriam era uma verdadeira fortaleza.
Perto dela, uma mulher extremamente bem-sucedida, eu me sentia uma dona
de casa comum. Mal sabia eu que ela valorizava tanto aquilo que eu tinha.
Miriam parecia precisar de alguém para fazer confidências,
alguém objetivo e de certa forma afastado da sua vida pessoal;
e eu tive a responsabilidade de escutar. Embora eu não soubesse
por que ela me escolhera, achei que se ela o tinha feito, eu deveria tentar
ajudá-la da maneira que pudesse.
Ela me contou que tinha começado a consultar um especialista em
fertilidade, que a mandava fazer testes e mais testes – sem resultados.
"Eu estava acabrunhada; ia ao consultório médico fazer
exames de ultrassom para ver quando eu estava ovulando, e depois corria
de volta para o trabalho. Muitas vezes cheguei atrasada, e embora o chefe
fosse muito compreensivo, eu me sentia mal por ter de explicar a ele e
aos colegas por que eu estava sempre atrasada e muitas vezes ranzinza.
E quando comecei com a medicação, sentia-me mal fisicamente
também. E depois de tudo aquilo, minha menstruação
chegava. Eu estava um feixe de nervos."
Porém apenas ir ao médico, explicou ela, não basta.
Aparentemente cada médico tem uma especialidade específica,
e um médico que ajuda um casal talvez não consiga ajudar
outro. Miriam disse que conheceu muitos casais que passaram horas intermináveis
atrás de médicos que não ajudavam, faziam-nos perder
tempo em tratamentos que só aumentavam sua ansiedade. Às
vezes eles aguardavam durante meses para consultar um médico, apenas
para ouvir que deveriam parar de tentar, que estavam velhos demais para
conceber.
"Você não sabe o que fazer, com quem falar," disse
ela. "E eu não podia falar com ninguém à minha
volta – minha família se sentia mal por nós, eles
não queriam tocar no assunto; minha irmã mais nova estava
preocupada com os próprios filhos, e obviamente o assunto era pessoal
demais para eu conversar com os colegas de trabalho. Todas as minhas amigas
também tinham os próprios filhos para mantê-las ocupadas,
ou então não estavam interessadas em ficar grávidas…
e elas certamente não queriam ouvir os meus problemas. Eu me sentia
só, como se fosse a única pessoa no mundo com estes problemas
– eu não tinha ninguém a quem me voltar."
Bem… eu certamente estava lisonjeada por ela ter decidido confiar
em mim, praticamente uma estranha – deve ter sido um ato de puro
desespero da parte dela. Mas eu também estava empolgada; aqui estava
um problema que eu pessoalmente – graças a D'us – conhecia
pouco, algo que para muitos é importante. Em retrospecto, é
claro, eu deveria ter percebido como deve ser difícil ter dificuldades
para conceber, especialmente em nossa comunidade. Afinal, o Judaísmo
dá um valor incrível à vida em família e à
criação dos filhos. E é impossível não
ter a vida girando ao redor dos filhos depois que você os tem. Desde
o momento da concepção, nossa vida muda para sempre.
Estou envergonhada por admitir que jamais dei muita atenção
ao tema da infertilidade. Acho que eu simplesmente acreditava que as pessoas
tinham filhos quando quisessem. Depois que Miriam e eu conversamos, comecei
a pensar quem mais eu conhecia que pudesse estar afetada. Jamais me ocorrera
que talvez algumas pessoas que eu achava que não queriam filhos
na verdade não podiam tê-los. Jamais pensei em ser sensível
quando conheci pessoas e logo perguntava: "Então, quantos
filhos você tem?"
Comecei a me perguntar quantas pessoas talvez tenham histórias
sofridas para contar sobre a minha falta de consideração.
A primeira coisa que eu fiz depois da minha conversa com Miriam foi pesquisar
no computador para aprender mais sobre infertilidade. Infelizmente, Miriam
e seu marido estão longe de serem os únicos – são
apenas um dos milhares de casais que têm problemas para conceber.
Na verdade, parece que cerca de um em cada sete casais podem ter problemas
com fertilidade a certa altura da vida conjugal. E parece que o número
aumenta à medida que o casal fica mais velho. Isso significa que
cerca de 15% dos casais pode não conceber após tentarem
durante doze meses. Alguns subseqüentemente conseguirão sem
qualquer intervenção, mas a maioria precisará de
ajuda médica. Infelizmente é um problema que afeta a muitos…
e eu não tinha a menor idéia.
Poucos meses depois do "incidente da máquina de café",
Miriam chegou ao escritório um dia parecendo mais calma do que
eu a vira por um longo tempo. Ela finalmente encontrara um médico
em quem confiava, que lhe dava apoio emocional e conforto para ela e o
marido, e os estava orientando através de todo o processo de tratamentos
de fertilidade. Ele os estava ajudando a recuperar o controle de sua vida.
Com essa ajuda positiva, ela continuou o tratamento com maior confiança
e um renovado senso de esperança.
Miriam continua a agradecer-me "por estar lá" quando
ela precisou de mim; a verdade é que eu aprendi muito com ela e
tenho muito a lhe agradecer. Aprendi a ser mais consciente, a abrir meus
ouvidos e meu coração aos outros. E se alguém escolher
confiar em mim para expressar seus sentimentos, ou se alguém apenas
aparentar que precisa de apoio, farei o melhor possível para escutar,
deixá-la falar livremente das suas frustrações e
desapontamentos.
Por causa de Miriam eu comecei a ser voluntária num centro para
casais com problemas de fertilidade, partilhando com essas pessoas suas
esperanças e preocupações. Há centenas de
casais como Miriam e seu marido, a maioria sofrendo em silêncio.
Talvez sejam nossos vizinhos, nossos amigos, pessoas com quem vamos à
sinagoga; e muitas vezes ficamos alheios, insensíveis, ou absorvidos
demais em nossa própria vida para prestar atenção
às preocupações dos outros. Por meio desse incidente,
fiquei determinada a ajudar, de qualquer maneira que eu possa. E não
apenas fornecendo informação sobre fertilidade àqueles
que sofrem com isso, mas para aqueles que felizmente não têm
esse problema, para que estes se tornem uma fonte de apoio e força
para aqueles que têm, em vez de uma fonte de sofrimento e tristeza.
E o mais importante, aprendi a contar minhas bênçãos
e a jamais contar com algo como certo. Espero e rezo para que um dia eu
consiga ver Miriam e o marido felizes, bem como outras famílias
que tentam conceber, para que eu esteja lá para saber quando conceberam
e tiveram um bebê saudável, e com gratidão dar as
boas-vindas a um pequenino em suas casas.
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