Enfrentando a Infertilidade  
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Por Leah Weitz-Cohen
 

Eu mal a conhecia. Miriam era uma profissional com trinta e poucos anos – trabalhamos no mesmo escritório, lado a lado por cerca de um ano. Ela era sempre muito simpática, inteligente e charmosa, mas nunca fomos muito chegadas porque ela morava em outra comunidade e não freqüentávamos os mesmos círculos. Creio apenas que cada qual estava muito preocupada com si mesma, e como nossas vidas eram tão diferentes, elas nunca coincidiam. Gostávamos de trabalhar juntas, falar sobre isso e aquilo, mas não tínhamos muito em comum. Afinal, o mundo dela parecia girar em torno do seu trabalho, ao passo que minha carreira era minha família, e o escritório apenas uma pequena parte da minha vida.

Eu sempre achei que ela fosse feliz; tudo em sua vida corria exatamente conforme os planos – ela amava o trabalho e estava fazendo carreira na empresa, tinha um marido atencioso e bem-sucedido, e tinham acabado de comprar uma bela casa. Tudo estava indo bem. Tudo estava perfeito. Ou assim eu pensava.

E então, um dia, assim do nada, enquanto estávamos ao lado da máquina de café, ela de repente explodiu em lágrimas. Chocada, tentei acalmá-la, e quando ela se sentiu um pouco melhor abriu o coração para mim.

Tudo corria bem em sua vida… exceto uma coisa.

Ela não conseguia engravidar.

Miriam contou-me que ela e o marido estavam tentando conceber, jamais esperando ter problemas, mas após dois anos de tentativas, nada acontecera. A princípio eles riram, achando que fosse "estresse devido ao trabalho", mas após algum tempo viram que o problema era mais sério. E, embora tudo o mais estivesse bem, neste aspecto tudo ia mal. E isso era o que eles desejavam acima de tudo.

"Eu só pensava naquilo", disse-me ela. "Eu me sentava para uma reunião com um cliente e ficava pensando em ter bebês. Lembro-me que uma vez uma colega de trabalho fez uma observação inocente sobre viajar no fim de semana com o marido e deixar os filhos com a mãe. Ela estava nervosa pensando que as crianças sentiriam falta dela, e achando que a mãe teria dificuldade para cuidar de três crianças pequenas. Ela sorriu para mim e disse: "Você tem sorte, não tem estes problemas." Rangi os dentes, sorri para ela, e depois fui ao banheiro chorar durante duas horas."

Eu me senti mal por alguém ter dito aquilo a ela, e depois vi como facilmente poderia ter sido eu. O que eu tinha dito no passado? Eu tinha sido insensível? Jamais me ocorrera que este assunto era doloroso para ela. Não tendo qualquer idéia de que ela lutava com problemas de fertilidade (na verdade, jamais tinha percebido que alguém lutava com problemas de fertilidade) eu não sabia o quanto este tema poderia trazer sofrimento para tantas pessoas.

Fiquei chocada – eu tinha trabalhado com esta jovem durante um ano, tínhamos conversado casualmente sobre todo o tipo de coisas, e eu deduzira que sua vida estava exatamente como ela planejara. Porém o tempo todo ela estava se sentindo infeliz, e escondendo isso muito bem. E então um dia, na hora do café, ela não conseguiu mais segurar – desabafou tudo – e para alguém que ela mal conhecia!

A princípio eu não sabia como reagir. Ironicamente, eu sempre me sentira um pouco intimidada por ela. Miriam era uma verdadeira fortaleza. Perto dela, uma mulher extremamente bem-sucedida, eu me sentia uma dona de casa comum. Mal sabia eu que ela valorizava tanto aquilo que eu tinha. Miriam parecia precisar de alguém para fazer confidências, alguém objetivo e de certa forma afastado da sua vida pessoal; e eu tive a responsabilidade de escutar. Embora eu não soubesse por que ela me escolhera, achei que se ela o tinha feito, eu deveria tentar ajudá-la da maneira que pudesse.

Ela me contou que tinha começado a consultar um especialista em fertilidade, que a mandava fazer testes e mais testes – sem resultados.

"Eu estava acabrunhada; ia ao consultório médico fazer exames de ultrassom para ver quando eu estava ovulando, e depois corria de volta para o trabalho. Muitas vezes cheguei atrasada, e embora o chefe fosse muito compreensivo, eu me sentia mal por ter de explicar a ele e aos colegas por que eu estava sempre atrasada e muitas vezes ranzinza. E quando comecei com a medicação, sentia-me mal fisicamente também. E depois de tudo aquilo, minha menstruação chegava. Eu estava um feixe de nervos."

Porém apenas ir ao médico, explicou ela, não basta. Aparentemente cada médico tem uma especialidade específica, e um médico que ajuda um casal talvez não consiga ajudar outro. Miriam disse que conheceu muitos casais que passaram horas intermináveis atrás de médicos que não ajudavam, faziam-nos perder tempo em tratamentos que só aumentavam sua ansiedade. Às vezes eles aguardavam durante meses para consultar um médico, apenas para ouvir que deveriam parar de tentar, que estavam velhos demais para conceber.

"Você não sabe o que fazer, com quem falar," disse ela. "E eu não podia falar com ninguém à minha volta – minha família se sentia mal por nós, eles não queriam tocar no assunto; minha irmã mais nova estava preocupada com os próprios filhos, e obviamente o assunto era pessoal demais para eu conversar com os colegas de trabalho. Todas as minhas amigas também tinham os próprios filhos para mantê-las ocupadas, ou então não estavam interessadas em ficar grávidas… e elas certamente não queriam ouvir os meus problemas. Eu me sentia só, como se fosse a única pessoa no mundo com estes problemas – eu não tinha ninguém a quem me voltar."

Bem… eu certamente estava lisonjeada por ela ter decidido confiar em mim, praticamente uma estranha – deve ter sido um ato de puro desespero da parte dela. Mas eu também estava empolgada; aqui estava um problema que eu pessoalmente – graças a D'us – conhecia pouco, algo que para muitos é importante. Em retrospecto, é claro, eu deveria ter percebido como deve ser difícil ter dificuldades para conceber, especialmente em nossa comunidade. Afinal, o Judaísmo dá um valor incrível à vida em família e à criação dos filhos. E é impossível não ter a vida girando ao redor dos filhos depois que você os tem. Desde o momento da concepção, nossa vida muda para sempre.

Estou envergonhada por admitir que jamais dei muita atenção ao tema da infertilidade. Acho que eu simplesmente acreditava que as pessoas tinham filhos quando quisessem. Depois que Miriam e eu conversamos, comecei a pensar quem mais eu conhecia que pudesse estar afetada. Jamais me ocorrera que talvez algumas pessoas que eu achava que não queriam filhos na verdade não podiam tê-los. Jamais pensei em ser sensível quando conheci pessoas e logo perguntava: "Então, quantos filhos você tem?"

Comecei a me perguntar quantas pessoas talvez tenham histórias sofridas para contar sobre a minha falta de consideração.

A primeira coisa que eu fiz depois da minha conversa com Miriam foi pesquisar no computador para aprender mais sobre infertilidade. Infelizmente, Miriam e seu marido estão longe de serem os únicos – são apenas um dos milhares de casais que têm problemas para conceber. Na verdade, parece que cerca de um em cada sete casais podem ter problemas com fertilidade a certa altura da vida conjugal. E parece que o número aumenta à medida que o casal fica mais velho. Isso significa que cerca de 15% dos casais pode não conceber após tentarem durante doze meses. Alguns subseqüentemente conseguirão sem qualquer intervenção, mas a maioria precisará de ajuda médica. Infelizmente é um problema que afeta a muitos… e eu não tinha a menor idéia.

Poucos meses depois do "incidente da máquina de café", Miriam chegou ao escritório um dia parecendo mais calma do que eu a vira por um longo tempo. Ela finalmente encontrara um médico em quem confiava, que lhe dava apoio emocional e conforto para ela e o marido, e os estava orientando através de todo o processo de tratamentos de fertilidade. Ele os estava ajudando a recuperar o controle de sua vida. Com essa ajuda positiva, ela continuou o tratamento com maior confiança e um renovado senso de esperança.

Miriam continua a agradecer-me "por estar lá" quando ela precisou de mim; a verdade é que eu aprendi muito com ela e tenho muito a lhe agradecer. Aprendi a ser mais consciente, a abrir meus ouvidos e meu coração aos outros. E se alguém escolher confiar em mim para expressar seus sentimentos, ou se alguém apenas aparentar que precisa de apoio, farei o melhor possível para escutar, deixá-la falar livremente das suas frustrações e desapontamentos.

Por causa de Miriam eu comecei a ser voluntária num centro para casais com problemas de fertilidade, partilhando com essas pessoas suas esperanças e preocupações. Há centenas de casais como Miriam e seu marido, a maioria sofrendo em silêncio. Talvez sejam nossos vizinhos, nossos amigos, pessoas com quem vamos à sinagoga; e muitas vezes ficamos alheios, insensíveis, ou absorvidos demais em nossa própria vida para prestar atenção às preocupações dos outros. Por meio desse incidente, fiquei determinada a ajudar, de qualquer maneira que eu possa. E não apenas fornecendo informação sobre fertilidade àqueles que sofrem com isso, mas para aqueles que felizmente não têm esse problema, para que estes se tornem uma fonte de apoio e força para aqueles que têm, em vez de uma fonte de sofrimento e tristeza.

E o mais importante, aprendi a contar minhas bênçãos e a jamais contar com algo como certo. Espero e rezo para que um dia eu consiga ver Miriam e o marido felizes, bem como outras famílias que tentam conceber, para que eu esteja lá para saber quando conceberam e tiveram um bebê saudável, e com gratidão dar as boas-vindas a um pequenino em suas casas.

     
     
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