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  Estou no Havaí… ele no Iraque  
 
por Dini Felzenberg
 

Faz 190 dias que meu marido, Rabino Capitão Shmuel Felzenberg, deixou nossa base no Havaí para ir ao Kwait e depois para o Iraque. Não sei exatamente quantos dias (e minutos) faltam até sua volta em fevereiro de 2005. Mesmo que eu soubesse, isso não teria muito importância, pois estas distribuições de tropas sempre parecem se atrasar e a única maneira de não ter decepções é não ter expectativas.

Porém não é fácil quando você está planejando o bar mitsvá do filho mais velho e deve tomar todas as decisões sozinha. Concordo, pode ser um tanto infantil localizá-lo no Iraque para pedir sua opinião sobre os convites, mas às vezes estes detalhes parecem importantes.

Isso faz parte do pacote quando se casa com alguém que serve o Exército dos Estados Unidos. E devo dizer, desde o início, que eu não acredito que haja qualquer mulher ou cidadão dos Estados
Unidos que pudesse ter mais orgulho do papel que seu marido está desempenhando.

É engraçado, porque as pessoas não esperam ouvir estas declarações patrióticas vindas de alguém como eu. Veja, não somos uma dessas "famílias de militares"; na verdade, ninguém em minha família jamais serviu o exército. Fui criada como judia ortodoxa em New Jersey, onde me esforcei nos meus estudos em escolas Chabad durante toda da minha vida.


Queremos que nossos maridos e pais voltem para casa em segurança e com saúde.

Você provavelmente está se perguntando sobre o meu marido. Ele também foi criado num lar ortodoxo, envolveu-se com Chabad mais tarde na vida, estudou na Yeshivá de Morristown, na Faculdade Rabínica da América e continuou para conseguir sua ordenação rabínica em Kfar Chabad, Israel. Também não é o tipo de pessoa que se espera vá servir no Iraque.

Porém creio que quando algo é realmente certo para você, não importa o quanto pareça fora do comum ou pouco prático, você faz aquilo que tem de ser feito. E sem dúvida, meu marido teria de estar no Iraque exatamente agora, servindo seu país e como um Kidush Hashem (santificação do nome de D’us) para o mundo inteiro.

Desde a época em que éramos recém-casados, lembro-me do meu marido falando sobre alistar-se no Exército. Ele achava que era uma boa oportunidade para conhecer coisas novas e utilizar sua capacidade como rabino. A princípio, eu não achei que era sério ou ele insistiria naquilo, mas no decorrer dos anos ele continuou a mencionar o Exército e vi então que era algo que ele desejava profundamente. Após algum tempo eu disse a ele que deveria alistar-se, ou então parar de falar no assunto. Ele decidiu se alistar. Isso foi há cinco anos.

Todos nos perguntam "por quê?" Por que alguém desistiria de uma vida confortável para morar numa base militar? Por que você deixaria seu bairro e um ambiente religioso em troca de um local onde seus filhos terão poucos, se é que terão algum, amigos judeus? Por que seu marido arriscaria a vida para ser capelão no Iraque quando poderia ser rabino praticamente em qualquer comunidade? E por que você apoiaria isso tudo?

Sim, todas são boas perguntas. Porém, em nossa opinião, nossa resposta também é muito boa. Por quê? Porque como judeus, fomos criados para ser uma luz entre as nações, para iluminar as trevas, e para santificar o nome de D’us sempre e onde pudermos. E isso, creio eu, é exatamente o que meu marido está fazendo, e por extensão nós, sua família, estamos fazendo também, morando na base militar.

O cargo de Shmuel na base é Capelão. O que isso significa em termos práticos é que ele é responsável por cuidar do bem-estar espiritual dos soldados em sua unidade, que atualmente abriga 1000 indivíduos. Seu trabalho tem três aspectos: ele aconselha o Comando sobre ética e a maneira adequada de ajudar os soldados; fornece aconselhamento espiritual, religioso ou geral para soldados que precisam; e é responsável por organizar cerimônias ou serviços religiosos. Todo capelão funciona tanto como especificamente em sua fé, e como capelão da unidade. Atualmente, existem apenas oito capelães judeus na ativa, e em todo o Oriente Médio há apenas um capelão judeu na ativa (embora o Exército esteja tentando arrumar capelães visitantes para Rosh Hashaná e Yom Kipur).


Se é assim que as pessoas tratam a bandeira, muito mais nós, como judeus, devemos nos comportar em relação à nossa sagrada Torá.

Shmuel na verdade tem construído para si mesmo uma boa reputação com suas reuniões diárias sem denominação religiosa, que incluem a recitação de Salmos, com a finalidade de dar a cada soldado a força e o impulso espiritual necessários para mais um dia difícil no Iraque, longe da família e do conforto. Embora tenha tido algumas experiências maravilhosas com alguns dos soldados judeus no decorrer dos anos, atualmente presta serviços numa unidade onde não há um único judeu.

O que encontramos através do nosso serviço é que quanto mais tentamos ajudar e dar aos outros, mais o Exército americano trabalha para nos ajudar e tornar nossa vida o mais confortável possível. Por exemplo, quando recentemente Shmuel precisou viajar para o Afeganistão durante algumas semanas, o Exército fez de tudo para que ele não precisasse viajar no Shabat.
Devido à maneira de trabalhar de Shmuel e o respeito que demonstra aos outros, ele também é bastante considerado na base. Shmuel foi avisado a não esperar a classificação mais alta, pois os comandantes, dos quais cada um tem um número limitado de classificações para conceder, com freqüência reserva as patentes mais altas para os oficiais de linha, e não para capelães ou outros cargos. Mesmo assim, Shmuel recebeu a classificação mais alta durante os últimos quatro anos.
Outra conquista recente é o prêmio RCA (Rabinical Council of America) que ele recebeu por "Capelão do Ano" por relevantes serviços prestados.

Deixe-me dar-lhe uma idéia do que tem sido a nossa vida no Exército. Quando Shmuel se alistou, a princípio fomos enviados para o Estado de Washington e agora, durante os últimos dois anos, estamos vivendo na bela ilha de Oahu no Havaí. Nossa área de alojamentos tem cerca de 150 famílias e no momento, apenas dez pais não estão viajando a serviço. Você não pode imaginar como é a vida quando praticamente todos os homens estão fora. Existe uma camaradagem que supera todas as diferenças religiosas, sociais, intelectuais ou raciais. Somos todos famílias. E todas queremos que nossos maridos e pais voltem para casa em segurança e com saúde. Jamais em minha vida eu imaginei que poderia receber tanto amor e apoio daqueles que não pertencem à minha família, muito menos de tantos não-judeus. Sinto-me abençoada por viver em meio a pessoas tão maravilhosas.

Shmuel e eu temos seis filhos. Nossos dois mais velhos, de doze e onze anos, são meninos, e uma menina de dez, um garoto de oito, e os dois menores, com cinco e um ano e meio, são meninas. Nossa bebê tinha menos de um ano quando Shmuel foi mobilizado. Para assegurar seu cadeirão, para que ela possa vê-lo toda vez que estiver comendo. Gravamos fitas com ele contando histórias e ensinando lições de Torá para os filhos. Vivemos numa comunidade onde os pais não têm outra opção exceto escrever mensagens de adeus antes de partirem, rezando para podermos jogá-las fora quando eles voltarem. Infelizmente, já perdemos dois homens da nossa unidade, que foram emboscados num comboio que se dirigia para o Kwait.

Existem também algumas dificuldades práticas. Ensino meus filhos em casa, pois não há educação judaica disponível, e preciso cozinhar tudo praticamente a partir do nada. Porém estas coisas parecem tão pequenas em comparação aos milhares de soldados que dedicam a vida para proteger nossa liberdade. Felizmente, vivemos a uma distância não muito grande de um Beit Chabad em Honolulu, portanto sempre que possível comparecemos a eventos e reuniões para que meus filhos possam brincar com outras crianças judias e fazerem parte de uma comunidade.
Além disso, passamos os verões com nossas famílias em New Jersey, onde as crianças freqüentam um acampamento. Porém criar os filhos neste ambiente tem sido também bastante fortalecedor. Meus filhos sabem quem são, o que podem e não devem fazer. São respeitados por outras crianças e as famílias sabem que não podem lhes dar comida não-casher e que há determinados dias nos quais se dedicam a outras atividades, como no Shabat. E ainda fico comovida até as lágrimas quando meus filhos menores explicam um costume ou Lei Judaica a um amiguinho não-judeu com tamanho orgulho e entusiasmo.

Portanto, este é basicamente o "por quê" de estarmos aqui. Assim como qualquer outra pessoa que tem um trabalho a fazer neste mundo, estamos tentando fazer o nosso. Ocorre apenas que a obra de nossa vida nos levou, por enquanto, para o Havaí e Iraque. Mas sabemos que estamos servindo a um objetivo e certamente vemos os frutos do nosso trabalho. E embora tenhamos nos alistado para dar de nós, descobrimos que também recebemos muito. Existe algo a aprender em cada situação e cada ambiente.

Há uma última coisa que eu gostaria de partilhar, algo que teve um grande efeito sobre mim. Tento usá-lo como exemplo quando rezo ou vou à sinagoga. Todo dia, ao pôr-do-sol, a bandeira americana é abaixada e uma cerimônia começa, todos param onde estiverem. É comovente ver como o respeito e o amor pelo país paira no ar. Durante estes minutos, pode-se ouvir um alfinete cair no chão, em qualquer lugar da base. Ensinei meus filhos que se é assim que as pessoas tratam a bandeira, muito mais nós, como judeus, devemos nos comportar em relação à nossa sagrada Torá. Meus filhos aprenderam o que significa ter respeito e amor.

Então, enquanto continuo os preparativos para o bar mitsvá de meu filho, contando os minutos até a volta de meu marido, sinto-me grata a D’us pelas oportunidades que Ele nos tem dado. Já fui testemunha em primeira mão de que quanto mais você dá, mais você realmente recebe.

     
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