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  A invasão dos hackers
  Por Tzvi Freeman
 

Pergunta:
Rabino, por que pessoas boas sofrem neste mundo?” e Por que coisas boas acontecem para pessoas horríveis? Bem, para dizer a verdade, não é exatamente isso que está me incomodando. O que me irrita é todo o prestígio, poder, prazer e diversão que vai para as pessoas podres, desagradáveis e baixas desse planeta. Nenhuma resposta até hoje me satisfez.
Já me disseram: “Como você sabe que ele é realmente tão feliz?” Também já ouvi: “Como você sabe que ele é realmente tão mau? Talvez ele saia sorrateiramente da cama à noite a fim de distribuir comida para viúvas e órfãos.”

E finalmente: “Olhe para o quadro geral. No fim, todos os bons serão recompensados....”
Se este mundo é a obra prima de um D’us que deseja o bem e a bondade, então o que pessoas horríveis estão fazendo em Seu mundo?Se alguém vai contra as regras do jogo e maltrata outra pessoa, deveria ser imediatamente eliminado da existência. Um D’us realmente bom não deveria tolerar sujeitos perversos...

Resposta:
Você está certo, não deveria ser dessa maneira. O mundo não foi projetado assim.Todas aquelas respostas são secundárias. A verdadeira resposta é bem simples. É esta: Eles “hackearam” o sistema. Você sabe tudo sobre os hackers – o lado sombrio da cibernética. Por exemplo, você está usando um daqueles jogos Online para múltiplos usuários (MUDs), onde as pessoas entram num mundo simulado, escolhem personagens (chamados avatars) para representá-las e então jogam e fazem negócios, empilhando arsenal virtual e matando outros avatars e destruindo qualquer coisa que desejem – incluindo o código.

No caso de você estar pensando em patrocinar um desses projetos, tenha isso em mente: 10% do seu orçamento irá para desenvolvimento, testes, servidores, marketing, etc. Os outros 90% vão para manutenção. Por quê? Porque no meio da noite, quando os programadores que estão jogando cobram o triplo – que é quando eles já venceram – algum hacker descobrirá que se ele partir para cima e jogar realmente rápido e digitar algum código, seu avatar fica invisível / poderoso / duplicado / imensamente rico – ou seja lá o que estiver em jogo. E então ele deixa todos os amigos saberem. Em seguida ele entra em E-Bay para leiloar todas as novas armas virtuais que adquiriu – em troca de dinheiro não-virtual. E enquanto ele faz isso e seus programadores com os olhos inchados estão tentando encontrar aquele hacker sem fechar o maldito jogo para todos aqueles jogadores inocentes que apenas querem jogar de acordo com as regras – porque se eles fecharem o jogo toda vez que isso acontecer o jogo estaria sempre fechando – alguém encontra outra falha, e mais outra, e o seu MUD inteiro está nadando de braçada num nome falso.

Bem, designers de jogos, consolem-se. Vocês não estão sozinhos, O Grande Criador do supremo MUD de todos os MUDs tem lidado com o mesmo problema há 5763 anos. Veja, se você tem um ponto fraco inevitável em seu sistema, onde você vai colocá-lo? Colocará luzes de neon apontando para ele, dizendo: “Não entre ali! Isso arruinará tudo!” Você conhece a natureza humana melhor do que isso não é? Sabe que não há nada mais tentador para um ser humano que o proibido, o perigoso e o destrutivo. (Na verdade, não apenas para os seres humanos. Metade dos critérios aqui têm as mesmas sutilezas. Como aqueles esquilos esperando um carro passar para que possam se exibir para seus amigos, como podem atravessar a rua correndo e escapar por um triz de serem atropelados – na maior parte do tempo. Aves fazem o mesmo com o seu para-brisas – deixando para trás um autógrafo. As gazelas na África são famosas por pararem, saltar para cima e então sair correndo quando perseguidas por um leão – apenas para causar sensação. Os seres humanos, afinal, não são tão originais... )

E eis que Ele coloca uma árvore no meio – sim, no meio – do Jardim. Então Ele diz aos dois primeiros usuários: “Estão vendo aquela linda árvore suculenta ali no meio do jardim? Por favor, não comam dela, sim? Porque se o fizerem as coisas vão começar a dar errado.”
E Adam diz: “Ei, Eva! Veja só, há uma árvore ali da qual não podemos comer! Eu me pergunto qual será o sabor, ah?”

Duplamente hackeado
Isso faz você pensar que o primeiro hacker foi um trabalho encomendndo, não foi? Vamos primeiro olhar as consequências do primeiro hack: quanto mais importante, mais hacks. Cada hack tinha um efeito semelhante: procurar qualquer traço da presença de D’us no esquema das coisas, desarranjar o sistema de regras e ordens, e fornecer muitas coisas boas para aqueles que fizeram a bagunça. Após algum tempo, ficou mais fácil hackear que jogar segundo as regras.

É assim que o Zohar descreve os efeitos do primeiro pecado de Adam: o mundo era como uma fruta, a polpa da fruta cercada por uma casca. Ao comer daquela fruta, Adam efetivamente misturou o fruto e a casca. Os hacks consequentes aumentaram ainda mais a confusão até que ficou impossível encontrar um pedaço de fruta sem casca misturada. Todos sabemos qual é o sabor disso. Como a confusão do mundo em que vivemos.

Deixe-me colocar isso em termos de game-design: você percebe que para ter um mundo precisa tanto de plano anterior quanto de primeiro plano. Branco sobre branco não se comunica muito bem. No primeiro plano do mundo todas as coisas que importam, as coisas que comunicam informações, os eventos que trazem propósito Divino e deleite. O pano de fundo é aquilo que apenas tem de estar ali como um palco para que todo o drama possa desenrolar.

Com o pano de fundo, a regra é: quanto mais quieto, melhor. Como uma lousa em branco para desenhar um diagrama. Como o silêncio na sala em que você toca música. Como o céu escuro pelo qual você deve esperar antes de acender os fogos de artifício.

O pano de fundo não é mau. É necessário para que possa haver conteúdo significativo. Porém precisa saber seu lugar: é apenas um contêiner. É somente o acompanhamento, não o solista. O melhor que pode fazer é tomar um assento no fundo e ficar com a boca fechada.

Imagine, agora, que o pano de fundo e o primeiro plano se tornem totalmente confusos. O quadro inteiro se perde. A comunicação é prejudicada e tornada sem sentido. Bem, foi exatamente isso que Adam e os hackers subsequentes fizeram: tiraram todo o significado do mundo quando misturaram o pano de fundo com o primeiro plano.

O efeito mais nefasto dessa mistura não é tanto que o primeiro plano perde o significado. Pior: O pano de fundo finge que também tem significado. Demora uma vida inteira, como se o quadro todo fosse feito para ele.

Foi assim que o mal entrou no nosso mundo. O mal é o pano de fundo trazido à vida, destruindo seu relacionamento com o primeiro plano – as centelhas de santidade que se tornaram perdidas dentro dele.

Você provavelmente está ansioso por um exemplo, então aqui vai:
Os rabinos do Talmud nos contam que a Divina Presença foi criada somente para ser usada no Templo da Divina Presença em Jerusalém. Porém a humanidade sequestrou o ouro com propósitos próprios. Alguns chegaram a construir palácios repletos de ouro para glorificar a si mesmos. O ouro se espalhou pelo mundo e foi deturpado.

D’us criou o potencial para a linda música no mundo. Era para ser uma maneira de chegar até Ele e expressar um senso de unicidade no mundo. Não era para a glorificação do ser humano, idolatria, violência, sensualidade desenfreada nem para os cofres dos capitães da indústria da música.
Os jogos eletrônicos não existem para que possamos transformar nossos filhos em máquinas e imunizar os adolescentes contra os horrores da matança e da guerra. Os e-games existem para nos dar lindas metáforas para entendermos o Criador e a criação.

Todas as coisas boas, empolgantes e divertidas foram criadas pelo objetivo de atingir consciência mais elevada e manifestar a singularidade essencial do cosmos. Este era o jogo original. Por enquanto, o jogo tem sido transformado numa corrida louca para empilhar a maioria dos brinquedos, atingir o estímulo mais sensorial e derrubar a maioria dos muros.

Passar o Código Adiante
As coisas pioraram tanto, que a Administração teve de limpar todos os dados colocados, desligando o sistema por um ano inteiro enquanto mantinha um único conjunto de caracteres (incluindo animais) em PRAM. A interação seguinte (a “liberação do arco-íris”) foi prometida como sendo mais resistente. Na verdade, não tem havido uma falha do sistema desde então. No entanto, isso foi ao custo de importantes reduções na duração de vida do avatar. E quando toda a base de usuário tentou passar o Sistema Operacional através de uma ação conspiratória, múltiplas linguagens tiveram de ser introduzidas para inibir o grau de interação usuário-ausuário.

Estranhamente, levou muito tempo para o Eterno Mestre do Jogo acordar Seus programadores e passar adiante o código. Para mapear todos aqueles hacks e construir alguma resistência dentro do sistema, você precisa do código de fonte original, anotado. Você também precisa de um bom senso de conceito e design original. Então você desejará ver aquele primeiro conceito bem como o documento do design. Não há dúvida de que é disso que trata a Torá. É como o maior de todos os cabalistas, Rabi Yitschac Luria (o “Ari”) descreve o processo de uma mitsvá. Ele a chama de “apanhar as centelhas”.
As centelhas são as luzes Divnas que caem do abalo do mundo de Tohu (falaremos disso em outra oportunidade, desculpe). Elas estavam inicialmente esperando a redenção, protegidas dentro das conchas deste mundo. Adam foi colocado no jardim apenas para este propósito. Aquele era o jogo original.

Então, como foi mencionado, a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal fez um tzimmes da torta de maçã – como explicamos acima. Então lá vem a Torá com as receitas secretas para identificar, detectar e resgatar aquelas pobres centelhas e trazê-las de volta ao seu lar adequado – a cada vez que um objeto ou evento deste mundo é usado para cumprir uma mitsvá.

Além de resgatar as centelhas, a Torá também fornece a fórmula para cortar as linhas de suprimento daqueles hackers nefandos. Aqueles são todos os “não-faças”. Uma vez que todas as linhas proibidas tenham sido abandonadas, o lado sombrio simplesmente cai no esquecimento.
Há então as orientações para lidar com o “âmbito permissível” – todos os aspectos do mundo exterior. Como você deve comer, dormir, trabalhar honestamente e conduzir seus relacionamentos pessoais com os outros – tudo com Divino propósito. Assim, tudo se encaixa no lugar e o MUD volta a existir. De certa maneira, os assuntos permissíveis fazem mais para resgatar aquelas centelhas que as mitsvot.

Ocasionalmente, há casos em que a própria escuridão é transformada em luz. É como ampliar o jogo graças às descobertas dos hackers. Fazer isso, no entanto, é extremamente arriscado. Muitas vezes é conseguido por um daqueles hackers que se entregou e agora trabalha para o lado do bem.
Porém tudo está dentro do poder da Torá. Porque a Torá, como nos diz o antigo Midrash, contém o projeto, o conceito e o documento original de todo o Sistema Operacional do mundo. É onde o próprio D’us olhou quando construir este lugar.

Mais Sequestros
As mitsvot são poderosas, mas também trazem novos riscos e perigos. Como explicamos, todo o alimento do mal vem através desse primeiro plano sequestrado, também conhecido como “bem”. No esquema do projeto original, o pano de fundo tem uma fonte de energia muito limitada. O protocolo de recurso do primeiro plano, por outro lado, é dinâmico: mais atividade = maior suprimento. Uma vez que a Torá entra em cena, recursos e energia de muito além do sistema começam a fluir. Em termos simples, o bem traz mais luz ao mundo. E o mal sabe disso. Então geme e grita por um pouco daquela luz.

O que o pano de fundo nasce-como-mal conspira fazer? Assim que detecta uma fonte de mais luz entrando no mundo, luta para afunilá-la em sua direção. Faz tudo que pode para atropelar quem quer que esteja fazendo o bem e aquelas coisas maravilhosas, e assim derrama todo o bem por cima dele. E então expande seu império ainda mais.

É por isso que, como nos diz o Talmud, “Aquele que é maior que seu semelhante, suas tentações também são maiores.” O lado escuro não está interessado nos fracos que levam vidas normais. O lado escuro não está interessado em sequestrar bicicletas. O lado escuto está interessado em 747s – pessoas e comunidades que estão plugadas em vidas repletas de objetivos. Agora você entende por que sempre que há um bem maior, ali você encontrará o shmutz [sujeira] mais denso.

Você gosta realmente dessa resposta?
Muitas pessoas não gostam dessa resposta. Deixa-as aborrecidas. Não é como uma daquelas respostas simpáticas que fazem você sentir-se bem e aquecido por dentro porque pode dizer: “Oh, agora vejo que as coisas, afinal, não são tão terríveis.” Pelo contrário, pensar sobre essa resposta pode até criar um senso de ultraje.

Isso é bom. Não devemos ser pacificados por respostas. Devemos ficar ultrajados. Faz parte do processo de cura. Ficar revoltado pela maneira que as coisas são e ter um impulso para mudar isto. Como você pode ver, o ato de consertar o jogo em si torna-se o novo jogo. Um jogo muito mais profundo. Exigindo um conjunto de habilidades muito mais profundas.

É isso que o segundo Rebe de Chabad, Rabi Dovber (1773-1827) nos explica em sua Torat Chayim: “Quando o mundo foi criado, foi criado com Sabedoria. (O antigo Targum de Yonatan ben Uziel traduz ‘No princípio D’us criou…’ como ‘Com Sabedoria D’us criou…’) porque o início de todos os princípios é Sabedoria – a sabedorai de criar um mundo maravilhoso apenas com 0 – zeros – e 1 – uns.

Porém há uma sabedoria mais profunda. Um princípio antes do princípio. A sabedoria que precede a Criação. Que sabedoria é aquela? A sabedoria de curar aquilo que está quebrado – sem deixar cair todo o sistema. A sabedoria de transformar trevas em luz, de transformar os hackers numa equipe de qualidade e entrar no código de resistência. E isto é a sabedoria da Torá.

Por enquanto, aqueles remendos preenchem o globo inteiro. Porém os níveis mais difíceis estão exatamente antes da vitória. Segundo todas as indicações, estamos chegando lá. E agora você sabe por que, para início de conversa, Ele começou a “hackear” o mundo.

       
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