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  Guardando o Shabat em Hollywood
 
Por David Sacks
 

A Pensei que eles dissessem: "Você jamais trabalhará nessa cidade outra vez!" somente em filmes antigos.

Pouco depois que eu comecei a guardar o Shabat, consegui meu primeiro emprego como escritor na equipe de uma sit-com, seriado de TV. Era o programa classificado em 99º do horário nobre de 1999. Não que isso tenha algo a ver com a história, mas pensei que fosse interessante.

Não houve muito a fazer na primeira semana, e estávamos em agosto, quando o sol se põe relativamente tarde, portanto terminamos o trabalho antes de haver qualquer conflito. A segunda semana foi diferente. A sexta-feira estava passando e terminamos bem a tempo de eu conseguir chegar em casa para o acendimento das velas. Eu morava perto do estúdio, portanto se me desvencilhasse logo, conseguiria chegar em casa no último instante.


Em muitos aspectos, este foi o momento mais crítico de minha vida. Eu tinha sido extraordinariamente abençoado. Conquistara minha meta de estudar em Harvard, escrever para o Lampoon, e achar um emprego em Hollywood. Porém apesar disso tudo, faltava alguma coisa.

Era uma daquelas reuniões que eu desejava desesperadamente que terminasse. Porém, a cada vez que eu estava para encerrar, alguém levantava outra questão. E depois outra. Eu estava sentado em frente a uma janela enorme, observando o sol ficar cada vez mais baixo no céu. Finalmente, chegou um ponto no qual se eu não saísse imediatamente, não conseguiria chegar a tempo.

Eu não sabia o que dizer ou fazer. Como nunca passara pela experiência de guardar o Shabat no local de trabalho, não tinha pensado em discutir o assunto com os Produtores Executivos. O que eu sabia muito bem era que, alguns minutos antes do pôr-do-sol não era a hora de fazer um discurso sobre as minhas crenças religiosas. Em outras palavras, eu estava encalacrado. Portanto, fiz a única coisa que me ocorreu. Levantei-me e, sem qualquer cerimônia, saí. Eles devem ter pensado que eu estava indo ao banheiro. Mas não voltei à sala.

Correndo até o carro, lembro-me de ter pensado que para um dia de repouso, este estava provocando bastante ansiedade. Eu precisava conversar com os Produtores Executivos, explicar minha situação, e esperar que eles me apoiassem.

Após o fim de semana, fui procurá-los juntamente com meu colega, e perguntei se eu poderia sair umas horas mais cedo na sexta-feira para que eu pudesse guardar o Shabat. "Não", disseram eles. Então perguntaram se eu ainda insistia naquilo, porque se o fizesse, eles iriam me substituir. Em outras palavras: trabalhe no Shabat, ou será demitido.

Quando cheguei em casa, telefonei para meu agente. Ele perguntou-me o que eu pretendia fazer. Eu disse a ele que não iria trabalhar no Shabat. Ele respondeu que se fosse assim, então eu não trabalharia mais na televisão.

Este foi um momento surpreendente. Os magnatas de Hollywood são famosos por dizerem "Você jamais trabalhará nessa cidade outra vez!" – mas eu pensei que isso só acontecesse nos filmes antigos. Ora, aqui estava eu, e não apenas alguém estava realmente dizendo aquilo – como estavam dizendo aquilo para mim!

No dia seguinte eu disse ao meu parceiro que não iria trabalhar. Ele entendeu, mas disse-me que tentaria continuar no programa sem mim. Não o culpei. Afinal, ele nem sequer era judeu. Não somente aquilo, mas as pessoas ficam anos tentando trabalhar nos seriados para TV. Era uma grande chance para ele também, e ele tinha todo o direito de ver aonde aquilo iria levar.
Em muitos aspectos, este foi o momento mais crítico de minha vida. Eu tinha sido extraordinariamente abençoado. Conquistara minha meta de estudar em Harvard, escrever para o Lampoon, e achar um emprego em Hollywood. Porém apesar disso tudo, faltava alguma coisa.
Sobre isso, eu ouvira um ensinamento que durante anos pensara ter vindo de um grande mestre chassídico do Século Dezenove. Depois descobri que era de um motoqueiro tatuado em recuperação. Não somente isso não desmerece a frase, como creio mesmo que a torna ainda mais interessante de ser relatada.

Ele disse: "Todos nós somos criados com um buraco no formato de D'us dentro de nós." Tentamos preenchê-lo com conquistas na carreira, drogas, relacionamentos, dinheiro, mas nenhuma dessas coisas o preenche exceto D'us, exatamente porque é um buraco no formato de D'us.

A sociedade moderna cinicamente vê a religião como uma muleta, mas nada poderia estar mais longe da verdade. A busca da espiritualidade é a expressão de um anseio embutido em nós pelo próprio D'us. Para alguns, aquela voz interior se torna mais alta durante as horas de tragédia. Para outros, eu incluído, fica mais clara nos tempos de fartura. Ela diz: Todas essas oportunidades são ótimas – mas deve haver algo mais na vida!

Eu não tinha mais a certeza de que escalar cegamente a escada do sucesso fosse me levar a lugares cada vez melhores. Eu precisava saber onde o "sucesso" estava me levando, e talvez ainda mais importante, onde ele me faria parar. Percebi então que se eu não pudesse levar minha alma junto comigo na jornada, então não importa o quão longe eu fosse, chegaria a um beco sem saída.

A pressão definitivamente estava aumentando. Eu estava a ponto de perder meu emprego, meu parceiro, e fora informado que não trabalharia mais na televisão. Mas apesar disso, de alguma forma consegui permanecer calmo. Talvez eu não trabalhasse no campo que escolhera, mas em meu coração, sabia que nada de mal adviria de guardar o Shabat.


Percebi então que se eu não pudesse levar minha alma junto comigo na jornada, então não importa o quão longe eu fosse, chegaria a um beco sem saída.

Meus agentes puseram-se em campo, falaram com o chefe do estúdio e com os Produtores Executivos. Para minha surpresa, por trás de portas fechadas, todas as partes se mostraram realmente respeitosas e amigáveis.

Agora, antes de aceitar um trabalho, sempre converso sobre o Shabat. Apesar dos estereótipos que as pessoas têm sobre a indústria do entretenimento, tenho me impressionado pela maneira positiva pela qual tanto judeus quanto não-judeus reagem da mesma maneira.

O Judaísmo ensina que quando você está passando por uma provação, faz qualquer coisa para sair dela. Mas se você passa por aquilo com sucesso, não trocaria a experiência por nada. D'us deu-me um grande presente. Ele poderia ter tornado o processo todo fácil para mim. Mas em vez disso, Ele me deu a oportunidade de ficar firme naquilo que acredito. Talvez por este motivo, este para mim continua sendo o momento de que mais me orgulho na vida.

Desde então, a vida nunca mais foi a mesma. Quando chega o pôr-do-sol da sexta-feira, não importa o que esteja acontecendo, o quando estou ocupado, tudo desaparece e a única coisa que permanece é o Shabat. O sagrado Shabat.


Biografia do autor:

David Sacks vive com sua esposa e filhos em Los Angeles, onde escreve e produz para a televisão. Entre os shows que está escrevendo estão “Os Simpsons”, “Third Rock from the Sun”, e “Malcolm in the Middle”. Ele é fundador da Jewish Impact Films, e conferencista veterano do The Happy Minyan of Los Angeles, um grupo dedicado a aproximar pessoas da espiritualidade judaica. Suas palestras estão disponíveis no site http://www.613.org/sacks.html
     
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