Por Que os Filhos Rejeitam os Pais

 
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Por Yosef Y. Jacobson
 

Impaciência Judaica
Quando o avião desceu no Aeroporto ben Gurion, ouviu-se a voz do comendante:

“Vocês devem permanecer sentados com o cinto afivelado até que este avião esteja completamente parado e os avisos dos cintos tenham sido desligados.

“Agora, para aqueles de vocês que permaneceram em seus assentos, desejamos um feliz Ano Novo. Para aqueles que estão de pé nos corredores, desejamos um feliz Chanucá.”

Liberdade, Finalmente
D’us garante a Moshê que apesar do fato de que sua intervenção inicial com o faraó tenha piorado as coisas, a libertação de fato chegará:“Portanto, diz aos israelitas: ‘Eu sou o Eterno, e os tirarei do jugo dos egípcios. Eu os libertarei da escravidão, e os redimirei com um braço estendido e com poderosos atos de julgamento. Eu os terei como Meu povo, e Eu serei o seu D’us. Vocês saberão que Eu sou o Eterno seu D’us, Aquele que os está libertando do jugo egípcio.’”

Na verdade, após uma série de pragas que arrasaram o país e subjugaram seu rei, o faraó finalmente se rende. Após torturar, abudar e assassinar impiedosamente os hebreus durante décadas, eles são libertados. No décimo quinto dia do mês hebraico de Nissan, o povo judeu, finalmente, vive um êxodo em massa de um regime genocida e uma monarquia tirânica. Eles embarcaram no caminho da liberdade.

Mais de três milênios se passaram desde aquele dia. É muito tempo. Porém os filhos e netos dos escravos que partiram do Egito ainda comemoram anualmente este evento. Até hoje, Pêssach continua sendo a festa judaica mais observada e celebrada. Muitos judeus que se consideram afastados da tradição e da religião ainda participam em algum Seder de Pêssach.

O significado disso não pode ser exagerado. É fácil celebrar o milagrer da liberdade quando você é livre. Porém durante a maior parte da sua história, a nação judaica se viu exilada por tiranos e ditadores de todos os tipos. Se Pêssach representa a jornada da escravidão para a liberdade, o que aconteceu com ela após a destruição do Primeiro Templo pela Babilônia e o subsequente exílio de Israel? Ou depois que os gregos e os romanos conquistaram a terra judaica e exilaram seus habitantes? O que aconteceu com a celebração da liberdade após a destruição do Segundo Templo, o fracasso da rebelião Bar Kochba, as horríveis perseguições adriânicas e a longa e trágica série de eventos que levaram ao maior exílio da história judaica? Os judeus podiam celebrar a emancipação sob circunstâncias tão opressivas? Poderiam os judeus ainda se sentarem anualmente e declarar com sinceridade: “Nós fomos escravos do faraó no Egito e D’us nos libertou?”

Liberdade sob opressão? Essa questão foi levantada por um dos maiores pensadores judeus do Século 16, que foi ele próprio sujeito a horríveis perseguições por parte das autoridades cristãs. Rabi Yehuda Loew (1512-1607), conhecido como o Maharal, foi Rabino Chefe de Praga, e uma das personalidades mais influentes de seu tempo, autor de muitas obras importantes sobre filosofia judaica. Na sua época, os judeus sofreram terrivelmente com os infames libelos de sangue, sendo acusados de matar crianças cristãs antes de Pêssach para usar seu sangue para a matsá de Pêssach, e diz a lenda que Rabi Loew criou um Golem, um homem criado por meio de poderes cabalísticos para combater os libelos de sangue que afligiam a comunidade judaica de Praga.

O Maharal de Praga perguntava-se como o povo judeu poderia ter celebrado a liberdade do Egito durante tantas vezes quando foram atirados de volta às trevas do exílio e perseguição? Um judeu da Palestina do Século II poderia realmente celebrar Pêssach? E quanto a um judeu iemenita do Século 8? Um judeu espanhol do Século 14? Um judeu polonês do Século 17? Ou um judeu alemão em 1938? Um judeu russo em 1960?

Porém eles celebraram. Durante 3320 anos, quando Pêssach chegava, uma nação teimosa estava determinada a reviver a liberdade. Sob o olho vigilante da Inquisição, no Arquipélago Gulag de Stalin, até no Gueto de Varsóvia, você podia ouvir a mesma pergunta sendo feita a cada ano: “Por que esta noite é diferente de todas as outras?” E a resposta dada: “Porque nessa noite fomos libertados!”

Como eles conseguiram fazer isto? Eram escapistas irracionais, alheios à realidade? Ou talvez, o povo judeu estivesse celebrando algo muito autêntico que sentiam na alma em todo Pêssach, apesar das condições muitas vezes insuportáveis que viviam?

A resposta apresentada pelo Maharal de Praga é profunda e comovente.

O Êxodo do Egito, sugere ele, não foi meramente um evento político e geográfico, no qual trabalhadores escravos tiveram permissão de deixar o país e forjar o próprio destino. Foi também uma mutação existencial, na qual o presente da liberdade foi “imbuído” na própria psique de um povo. Com a libertação do cativeiro egípcio, um novo tipo de pessoa foi criado – o Homem Livre: o indivíduo que jamais concordará com a opressão e que sempre ansiará pela liberdade. O êxodo implantado dentro da alma da humanidade é uma busca inerente pela liberdade e uma repulsão inata pela subjugação.

Vem daí, então, todo o drama que levou ao Êxodo do Egito: o diálogo com o faraó, os milagres realizados por Moshê e Aharon, o rei se tornando mais obstinado, as dez pragas que assolaram o Egito, e finalmente a luxuosa cerimônia do Sêder realizada ainda no Egito. Numa era em que a opressão era a norma, quando os reis acreditavam ter poder divino e total, e o ser humano comum estava à mercê de líderes e deuses caprichosos, o Êxodo do Egito revolucionou a paisagem da imaginação humana por toda a eternidade. Os judeus iriam descobrir – e seriam responsáveis por informar essa descoberta a toda a humanidade – que a responsabilidade mais importante de toda sociedade é preservar a liberdade e a dignidade de toda pessoa humana, sob a soberania de um D’us livre que desejou seres humanos livres que escolhessem construir um mundo baseado na liberdade, na dignidade do indivíduo e na moral, para construir um pedaço do céu no planeta terra.

Assim, embora subsequentemente conquistado e oprimido, alvo de abuso e caçado como animal, o judeu jamais deixou de se ver como homem livre. Ele jamais concordaria emocionalmente com a perseguicão, e jamais chegaria a termos com a realidade da subjugação. Jamais deixaria de ver a opressão e o exílio como a suprema aberração da realidade e a maior distorção do empreendimento humano. Seu próprio ser gritaria em protesto contra a tirania e a crueldade, e ele permaneceria incessantemente obcecado com a crença de que o futuro deve ser diferente, que a Redenção ainda vai chegar, que uma sociedade na qual o mal e a corrupção imperam não pode durar.

Isto, declara o Maharal, é aquilo que os judeus celebravam todos os anos no Sêder de Pêssach, apesar de suas circunstâncias difíceis. Não estavam vivendo num país de sonhos. Sabiam muito bem que estavam exilados, porém agradeciam a D’us pelo Êxodo ocorrido há muito tempo, porque tinha implantado neles pela eternidade a consciência da liberdade. Se – como disse brilhantemente o Baal Shem Tov – você está onde sua vontade está, isso significa que você é essencialmente livre. Se você anseia por liberdade, então de fato você é livre.

Os mestres chassídicos desenvolveram essa ideia um pouco além. Se para alguns pensadores religiosos a busca do homem pela liberdade é sintomática de seu anseio pela indulgência frivola e emancipação do jugo da responsabilidade, no misticismo judaico, nosso anseio pela liberdade é uma das qualidades mais divinas, entranhado dentro de nós por causa da Divina consciência embebida no espírito humano. O homem anseia por refletir D’us. Assim como D’us é totalmente livre, o homem criado à imagem de D’us anseia por ser totalmente Divino, portanto totalmente livre. É essa Divindade inerente num ser humano que nos impulsiona a constantemente desafiar e transcender os limites impostos sobre nós, incluindo até os limites da nossa própria natureza.

Como é interessante – e trágico – comparar esta inspiradora observação do Maharal com as odiosas observações feitas por um dos líderes filosóficos do moderno fundamentalismo islâmico, Sayyid Qutb. Em seu livro “Marcos”, Qutb argumenta que durante o cativeito egípcio, os judeus adquiriram um “caráter de escravos”. Como resultado se tornaram covardes e sem princípios quando indefesos, e viciosos e arrogantes quando poderosos. Esses traços se tornaram eternas qualidades judaicas e são responsáveis pela sua eterna perfídia, ganância, ódio, impulsos diabólicos e eternas conspirações e tramas contra Maomé e o Islã.

Por que eles se rebelam?

Esta ideia do Maharal contém profundas ramificações no campo da educação contemporânea. Como a liberdade é uma propriedade intrínseca da alma humana, uma manifestação de sua natureza Divina, devemos ser extremamente cautelosos para encorajar, em vez de sermos ameaçados, por sua total e intensa expressão.

Liberdade na Educação

Se isso é verdadeiro sobre todas as pessoas, muito mais então com crianças e adolescentes, que possuem uma profunda busca pela liberdade, pela auto-expressão individual, pela liberdade de fazer as próprias escolhas e mandar na própria existência. Isso é uma qualidade Divina que pode ser efetivada para produzir as maiores bênçãos. Se suprimirmos sua liberdade, isso pode obrigá-los a expressá-la de maneiras indesejáveis.

Então por exemplo, quando pais e educadores impõem sobre os filhos e alunos valores e tradições por meio somente de autoridade e coerção, muitos desses jovens poderão rejeitar estes valores quando adultos. Isso não é por desdém pelos valores, mas é sua maneira de provar a eles próprios e ao seu ambiente que eles são de fato livres.

A educação, obviamente, requer autoridade e disciplina. Crianças que têm permissão para fazer tudo que desejam muitas vezes terminam tendo vidas infelizes, faltando-lhes estabilidade, direção e seguranca. A longo prazo, as crianças ficam infelizes quando lhes é dado poder demais. Por outro lado, quando moral e valores religiosos são comunicados aos jovens somente em nome da autoridade em vez de com a voz da compaixão, quando a fé é sobre dogma e não sobre profundidade, quando a paixão é completamente substituída pela obrigação, o amor pelo hábito, a voz da alma pelo fardo da tradição, os valores que consideramos tão importantes podem ser percebidos como instrumentos de opressão aos olhos de nossos filhos. Em sua desesperada busca pela liberdadel às vezes não lhes damos opção exceto dizer adeus a tudo aquilo que tentamos ensinar-lhes.

Um delicado equilíbrio entre anarquia e supressão deve ser mantido. Os jovens devem aprender por que os valores tradicionais, morais e religiosos de seus pais e avós são meios para a auto-realização, auto-descoberta – e para a suprema liberdade. E eles devem receber oportunidades inteligentes de experimentar a alegria de ter a liberdade para escolher aquilo que constitui o caminho para uma vida profunda e digna; a liberdade de escolher a liberdade.

       
   
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