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  Fé, Coragem e Triunfo  
 
por Nachun Sasonkin
 

Nota do Editor:

Em 21 de março de 2004, um ano atrás e dez anos após um ataque terrorista que quase tirou sua vida no infame tiroteio na Ponte do Brooklyn, deixando-o gravemente incapacitado, Nachum Sasonkin juntou-se a 65 colegas para receber a ordenação rabínica na Faculdade Rabínica de Chabad-Lubavitch dos Estados Unidos em Morristown, New Jersey. Para dirigir-se às centenas de pessoas que quiseram saber das reações de Nachun a esta ocasião histórica, ele preferiu colocar seus pensamentos por escrito, na seguinte carta enviada a Chabad-org.

Pela Graça de D’us
28 de Adar, 5764 – 21 de março de 2004

Caros amigos

Agradeço pelo seu extraordinário apoio e demonstrações de carinho. Como vocês podem imaginar, este é um dia muito comovente para mim e, como é mais fácil expressar-me por escrito, decidi colocar meus pensamentos nesta carta.

Há dez anos, minha mãe, sentada ao lado da minha cama no Hospital S. Vicente em Manhattan, acreditava que este dia chegaria. Provavelmente, ninguém mais acreditava.

Eu tinha dezoito anos, estava em coma, com uma bala no meu cérebro. A 1º de março de 1994,
eu estava numa van com catorze de meus colegas de classe. Voltávamos ao Brooklyn depois de uma visita ao hospital em Manhattan onde nosso Rebe, Rabi Menachem Mendel Schneerson, de abençoada memória, tinha passado por uma cirurgia. Ao chegarmos na Ponte do Brooklyn, um terrorista libanês abriu fogo, atingindo nosso carro com quinze disparos de metralhadora. Meu amigo Ari Halberstam, de dezesseis anos, foi morto. Dois outros amigos, Levi Wilhelm e Yankel Schapiro, ficaram gravemente feridos. Foi divulgado que eu tivera morte cerebral na primeira página do The New York Times.

Porém meus pais, irmãos e amigos se recusaram a desistir. Eles se sentaram ao meu lado, conversaram comigo e cantaram para mim, embora aparentemente eu não os escutasse. Três semanas depois, recuperei um pouco de consciência. Passaram-se diversas semanas até que eu percebesse onde estava e soubesse o que tinha acontecido ao Ari, aos meus amigos e a mim mesmo.

Mesmo depois que acordei, meu prognóstico médico não era bom. Certa de dez por cento do meu cérebro se fora. Eu estava completamente paralisado. Os médicos achavam que talvez eu nunca mais pudesse andar, falar ou mesmo comer.

Eu me comunicava piscando os olhos – uma vez para sim, duas para não. Certa vez, após um exame médico, um fio aguçado esquecido debaixo do meu pé provocou-me fortes dores. Embora minha irmã notasse minhas lágrimas, eu não tinha como dizer-lhe por que estava chorando.
Durante uma hora de intenso sofrimento, ela perguntou e nós fomos tentando, até que finalmente ela tocou meu pé.
Porém enquanto lutava para respirar com a ajuda de uma máquina, eu pensava repetidamente numa passagem das minhas preces diárias e em sua interpretação talmúdica: "Com cada respiração, precisamos louvar a D’us." Ao contrário de antes, eu me tornei consciente de cada inspirar, apreciava cada movimento, cada interação humana.

Precisei de anos de terapia para reaprender as coisas que tinha aprendido quando bebê: focalizar minha visão, andar, falar, engolir. (Durante um ano fui alimentado através de um tubo que ia até meu estômago). Porém com a ajuda de médicos, enfermeiras, terapeutas, homeopatas e amigos extraordinários, lenta mas constantemente recuperei algumas funções e depois mais, e depois mais ainda.

Ainda tenho uma bala alojada no meu cérebro. Minha fala é arrastada. Tenho dificuldade para manter o equilíbrio quando caminho. Mas estou determinado a seguir em frente, com a ajuda de D’us, e isso não me impedirá de fazer o que sei e nasci para fazer.

Graças a D’us, casei-me com uma pessoa extraordinária e Nechama Dina e eu já fomos abençoados com nossa primeira filha, Chaya Mushka, e rezamos a D’us para que venham muitos mais.

Sempre acreditei que conseguiria. Ao ver o sorriso otimista de minha mãe, ao lembrar da atitude espiritual e sempre esperançosa do Rebe, eu acreditei que poderia ter minha vida de volta, e recuperar aquilo que fora o mais importante em minha vida: a capacidade de ajudar os outros.

Vejam, não sou o primeiro rabino em minha família. Meu bisavô e xará, Nachun Shmarya Sasonkin, em 1920 foi enviado pelo sexto Rebe para Batum na República Soviética da Geórgia para liderar a comunidade judaica local na sua luta corajosa para preservar seu legado e sua fé.

Seu filho, Moshe Sasonkin, foi preso pelos capangas de Stalin por aquela mesma obra, e enviado à Sibéria. Ele nunca voltou. Meu pai, Rabi Avraham Sasonkin, nunca conheceu seu próprio pai – tinha dois meses quando Moshe foi levado. Criado pelo avô sob o regime soviético, mais tarde ele emigrou para Israel. Junto com minha mãe ele se mudou, a pedido do Rebe, para a região de Taanachim ao norte de Israel, para trabalhar com famílias atingidas pela pobreza e jovens com desvantagens sociais.

Meu avô materno, Rabi Sholom Posner, chegou aos estados Unidos na década de 1920 e serviu como rabino durante mais de sessenta anos, primeiro em Chicago e depois em Pittsburgh, onde ele e minha avó construíram uma vibrante comunidade judaica. Ele foi um dos primeiros dos milhares de agora famosos "shluchim" de Chabad-Lubavitch, enviados pelo Rebe para serem os pioneiros na divulgação de Chabad-Lubavitch nos Estados Unidos.

Nas entrevistas a jornais que deram no decorrer dos anos, meus médicos e terapeutas expressaram perplexidade sobre o meu caso. A dor que eu suportei, a determinação que demonstrei, o progresso que fiz. Muitos deles declararam: "Eu jamais tinha visto algo como isto."

Mas para mim, não poderia ter sido de outra maneira. Não depois de todos aqueles anos estudando os ensinamentos do Rebe e participando dos farbrenguens (reuniões chassídicas), ouvindo-o falar.

É isso que ser um chassid do Rebe sempre significou para mim: você dedica a sua vida a ajudar os outros, e faz tudo que precisa ser feito. Toda minha vida, eu sabia que seria um "shaliach". Meus sete irmãos estão espalhados pelo mundo fazendo esta mesma obra. Meu irmão Moshê, por exemplo, arrisca a vida para servir a população israelense em Metulá, perto da fronteira síria.

Eu sempre soube que a meta da minha vida é ajudar um ser humano na busca para aperfeiçoar-se, e ajudar um irmão judeu a se conectar melhor com seu legado e com seu povo.

Ser um chassid do Rebe significa também jamais desistir. Significa ter convicção absoluta de que, não importa qual seja a situação da pessoa, o Todo Poderoso nos concede a força para superar todos os obstáculos e cumprir nossa missão na vida. Eu pensava sobre isso o tempo todo, e foi o que me ajudou a atravessar os momentos mais difíceis.

Tenho tanto a agradecer, e tantos a quem dizer obrigado.

Ao celebrar minha ordenação rabínica, lembro-me com saudade do meu amigo Ari Halberstam, que certamente está celebrando comigo hoje, do seu canto no céu.

Agradeço a D’us por me permitir valorizar a preciosidade de cada respiração e de cada passo que dou. Rezo para que eu continue a levar minha vida num nível mais profundo que o de antes, nunca tomando algo como devido, sempre reconhecendo Suas bênçãos. Eu agradeço a Ele por dar-me a Torá e permitir-me apreciar seus rigores, júbilo e plenitude. Rezo para que eu jamais me canse na minha busca para corresponder aos seus padrões, e que eu me torne um representante digno e professor do seu projeto para a vida. Agradeço ainda a D’us por permitir-me ser um testemunho vivo de Seus milagres e pelas oportunidades que Ele me deu para infundir a fé, esperança e otimismo na vida daqueles que são desafiados por circunstâncias intoleráveis. Rezo para que Ele me permita continuar a fazê-lo, em prol de todos aqueles que sofrem.

Agradeço aos meus pais e irmãos, que jamais saíram do meu lado em todos aqueles anos difíceis.

Aos meus dedicados médicos e terapeutas no Hospital S. Vicente de Manhattan, do Centro de Reabilitação Moss, ao Instituto Rusk da Universidade de NY e ao centro Feldenkrais.

Aos meus amigos e colegas, que iam regularmente ao hospital, ao centro de reabilitação, e a todo lugar onde eu precisava do apoio deles.

Minha maravilhosa esposa Dina e minha filha Chaya. Meus professores no Oholei Torá, Colel Menachem e à dedicada equipe de Rabi Herson na Faculdade Rabínica de Chabad-Lubavitch dos Estados Unidos, pela sua sabedoria e encorajamento, enquanto eu me esforçava durante as rigorosas 14 horas de estudos diários.

Ao Rebe, por ensinar-me que tudo isso é possível.

A todos vocês pelo carinho.

E mais uma vez, ao Nosso Pai no Céu, por dar-me vida e propósito, e uma segunda chance para atingi-la.

Agradeço pelos seus calorosos votos e que D’us os abençoe sempre.

Sinceramente,

Nachun Shmarya Sasonkin

     
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