Faça-me um favor  
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Faça-me um favor. Todos nós já dissemos esta frase centenas de vezes para centenas de pessoas. Pedimos a um filho para nos trazer um copo de água; pedimos ao cônjuge para experimentar a sopa que acabamos de fazer, ler o poema que escrevemos ou convidar o casal que conhecemos recentemente; pedimos um irmão para ajudar com a louça, apanhar alguma peça na lavanderia ou dar uma paradinha na farmácia; pedimos a um amigo para nos enviar um e-mail ou um fax, ou fazer contato com um conhecido; pedimos a um estranho com um carrinho cheio no supermercado que nos deixe passar à frente na fila porque temos somente dois itens.

Se nós realmente nos tornamos interligados por meio de favores, talvez precisemos repensar sobre a natureza e o valor de um favor.

Pedimos ao carteiro para levar uma carta, à pessoa perto de nós no ônibus para ir um pouquinho à frente, ao empacotador do supermercado para usar sacos de papel e não de plástico, ao caixa do banco para nos dar notas de dez no lugar de vinte, ao garçom para trazer chá sem limão (ou fritas sem sal), ao vizinho para nos dar uma carona, e pedimos a alguém que passa para nos informar a hora certa.

A verdade é que todos pedimos favores aos outros - e eles, por sua vez, nos pedem. São pequenas cortesias - breves interlúdios dentro ou entre relacionamentos. Muitas vezes pedimos um favor sem prestar atenção. De fato, somente quando o favor beira a imposição é que nos sentimos desconfortáveis, acanhados, até um pouquinho culpados. Não se trata apenas de sentir que estamos em dívida com alguém, mas sim porque nos conscientizamos da vulnerabilidade humana.

Afinal, por que hesitamos quando pedimos ou quando nos pedem um favor? Em parte podemos quantificar a hesitação: o tamanho do favor deve estar em proporção com nosso grau de proximidade com a pessoa. Posso pedir um favor maior a um amigo íntimo ou a um parente que a um conhecido ou um estranho. Se preciso apanhar meu carro na loja, pedirei a meu irmão ou a um amigo. Se ninguém mais pode fazê-lo, relutantemente pedirei a um colega de trabalho. Fico relutante não porque ele não o fará, ou porque usará isso contra mim ("Lembra-se quando eu fiz isso e aquilo para você?") mas porque não sou assim tão chegado a ele.

De certa forma, favores são como um barômetro ou medidor de temperatura. Eles nos dizem quão intenso, quão quente ou quão estável é o relacionamento. Favores pequenos equivalem a pouca retribuição. Não temos muito em comum com a senhora na fila do caixa. Ambas temos compras a pagar, compromissos e filhos travessos. Por isso, só nos pedimos pequenos favores. Por três itens - uma lata de atum, um pacote de fritas e um refrigerante - ela me deixará passar à sua frente. Mas por quatro artigos - acrescente um pacote de biscoitos - bem, acho melhor não pedir.

Porém, favores incomuns nos familiarizam e fazem com que fiquemos mais abertos. Descobrimos que o estranho que parou para ajudar-nos a trocar um pneu tem um filho procurando emprego em computadores. Dois meses mais tarde, um cliente nos pergunta se conhecemos alguém que trabalha com computadores. A proporção do favor muda, a taxa de separação se encolhe, e subitamente a pessoa no outro lado do favor torna-se mais humana, mais vulnerável, reflete mais a alma - mais Divina, se me permite.

Se nós realmente nos tornamos interligados por meio de favores, se os pequenos atos de cortesia agem como um adesivo, como a gravidade nos aproximando pelas vastidões de nosso isolamento místico, talvez precisemos repensar s natureza e o valor de um favor. Talvez devamos começar a sair um pouco de nosso caminho para fazer um favor. Talvez devêssemos também sair um pouco do nosso caminho para dar a alguém a oportunidade de nos fazer um favor.

O Rebe disse certa vez que para trazer Mashiach, tudo que precisamos é intensificar nossos atos de bondade e generosidade. Só um pouquinho. É uma maneira de revelar a unidade interior, a Divindade dentro de nós todos.

Portanto, por favor, faça-me um favor.

 

 

 
     
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