O Sorriso de Esther – apagado pelo terrorismo
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  Por Jay Litvin
  Eu não sei por que Nachman Klieman e sua mulher se mudaram para Israel em 1977. Eu não o conheço muito bem. Na verdade, vi-o apenas três vezes, embora fale regularmente com ele pelo telefone, especialmente quando eu atrasava o pagamento do aluguel.

Lembro-me de sua mulher, Ruchama, de quando a conheci, vestida num casaco florido, sentada à mesa de jantar na casa deles, confortavelmente instalada com o telefone e uma xícara de café ao lado. Era um apartamento espaçoso em Rehovot, e eles tinham feito uma reforma e mobiliado sem luxos, mas era agradável. Nós gostamos de alugá-lo. E foi bom assinarmos o contrato de locação com ex-moradores de Chicago, como nós. Criou-se um vínculo imediato entre a gente, como sempre ocorre entre judeus de Chicago, especialmente se travam conhecimento num outro país.

A última vez que vi os Klieman foi há três anos e meio, quando fomos apanhar as chaves. Eles se mudaram para sua casa nova em Halamish, a cerca de dez quilômetros, no outro lado da Linha Verde. Não os vejo nem mesmo quando vou pagar o aluguel. Levo o cheque para a mãe de Ruchama e seu marido. Eles moram a alguns quarteirões de distância. Eles ficaram tristes quando Nachman e Ruchama se mudaram para mais longe. Creio que deve ter sido agradável ter os netos por perto. Eles se preocupavam pela segurança deles, especialmente nos últimos tempos.


Imploramos a D’us para demonstrar que Seu mundo é justo, um mundo no qual os maus são punidos, os bons recompensados… ou pelo menos protegidos.

Muitas mudanças ocorreram para os Klieman no decorrer dos anos. Um filho mora numa barraca numa colônia agrícola ao sul das colinas de Hebron. Outro se achegou a Chabad e dirige um "tanque de mitsvá", fornecendo serviços aos soldados e acampamentos na área Binyamim de Shomron. A filha de 23 anos tornou-se professora num jardim da infância para crianças com Síndrome de Down perto de seu ishuv . E Nachman recentemente anunciou que iria se aposentar como porta-voz da El-Al Airlines.

Em meu breve e esporádico contato com Nachman eu o conheço como uma alma boa e gentil, um homem compassivo. Um rematado homem do meio-oeste. Vinte e cinco anos em Israel não o tinham transformado. Seu caráter transparece na suavidade da sua voz, em sua humildade e ligeira timidez, em sua paciência. Ele jamais expressou raiva para com meu aluguel cronicamente atrasado. Mesmo quando eu atrasava tanto que ele tinha de telefonar e para cobrar-me o aluguel, ele o fazia como se estivesse se desculpando. Quando soube que eu tinha câncer, eu senti que ele não queria ser um fardo a mais na minha vida. Eu aceitei sua paciência como sua maneira de tornar minha vida mais fácil.

Ontem pela manhã, quando li sobre o assassinato de sua filha, minha mulher Sharon e eu nos preparamos para ir ao funeral. Mais uma vez, em nosso pouco tempo em Israel, escutaríamos os gritos de dor de uma mãe que perdera um filho para o terrorismo.

Fomos com nossos amigos, ex-vizinhos e colegas de trabalho de Rehovot num ônibus fretado, blindado, até a aldeia deles. Antes mesmo de chegarmos ao portão de entrada o terreno ficou irregular, belo e selvagem. Quebrei o silêncio da viagem de ônibus mencionando à minha mulher como era compreensível que os Klieman tivessem deixado Rehovot em busca de um local mais bonito. Eu estava ansioso para ver aonde eles moravam; ver a casa e a comunidade que, de alguma maneira oblíqua, tinha desempenhado um papel nesta morte trágica.

Os Klieman não me impressionaram como heróis. Eu tinha uma sensação de que eles eram como muitos israelenses que tinham se mudado para as comunidades do outro lado da Linha Verde, tanto para morarem num local bonito quanto para estar entre aqueles que colonizavam a terra que acreditavam firmemente ser parte da "Terra de Israel". Eu tive a sensação (embora nunca tenha falado com eles sobre isso) de que morar do outro lado da Linha Verde – este simples ato – acrescentava um senso de propósito à vida deles, apenas por acordarem em sua aldeia todas as manhãs. A maioria de nós que se muda para Israel tem este senso de propósito.

Acreditamos que só por morar aqui, especialmente agora, é em si mesmo um ato de engajamento e propósito. Isso acrescenta um toque de heroísmo às nossas vidas. Morar onde os Klieman moravam – fincando pé numa terra contestada; ser parte da presença judaica que despertava pela manhã e cumpria suas tarefas diárias em seu pedaço desta antiga terra judaica era, em sua simplicidade, um ato heróico. A morte da filha deles confirmava isso. O selvagem que a matou teria ficado feliz apenas em matar qualquer judeu que estivesse saindo para trabalhar naquela manhã. Ele não estava tentando matar Esther Klieman, Em seu ódio arbitrário, ele estava tentando nos matar a todos.

Quando os Klieman se mudaram para Halamish, a situação quanto à segurança não era tão perigosa quanto agora. Sim, havia risco. Mas há somente três anos e meio, havia menos risco percebido de morte que hoje, do outro lado da Linha Verde.

Pergunto-me se qualquer um de nós morando em Israel hoje enfrenta a possibilidade de ser morto como conseqüência desta opção? Nós decidimos que nosso engajamento vale o preço de uma pessoa da nossa família, D’us não o permita?

Eu decidi, e não quero isso. Eu sei que há um risco, mas sinto alguma proteção contra o risco nas estatísticas. Eu confirmo o risco, mas acredito que a chance de eu ser atingido – D’us não o permita – é mínima. Faço uma opção estatística, em vez de simplesmente enfrentar se estou disposto a pagar o preço caso as estatísticas resolvam me colocar na coluna errada.
Eu não sei como ou se os Klieman enfrentaram este risco. Embora eu não creia que eles são guerreiros, eles se tornaram pessoas dispostas a colocar suas vidas na linha por aquilo em que acreditam.

É desolado e estéril aqui em Halamish. Colinas vazias, vales profundos, grandes espaços, um céu enorme, uma ou outra aldeia árabe. Bosques de oliveiras como manchas espetaculares de verde sobre verde nos terraços das colinas. Estradas vazias com menos veículos militares do que se poderia esperar, ou desejar. Rochas. Penedos ao longo da estrada, proporcionando excelentes esconderijos para ladrões e assassinos. Encostas altas onde a imaginação cria hordas de saqueadores irrompendo numa fúria assassina ou um atirador solitário espreitando ou, (dependendo da sua infância), enxames de índios atacando uma caravana de pioneiros indefesos.
No funeral, quase todos os homens portavam um revólver, mas, como os Klieman, nenhum deles parecia um guerreiro. A comunidade parecia ser de classe média. Bonita, com muita vegetação enfeitando as ruas. Jardins luxuriantes. Uma grande população de profissionais, aparentemente, como os Klieman; judeus com ideais sionistas vivendo nesta colina com vista espetacular.
A Sra. Klieman era uma mulher alquebrada que, à medida que andava do carro até uma cadeira, caía continuamente nos braços das amigas e vizinhas. Ela tinha perdido a filha apenas algumas horas antes. Esther tinha saído para trabalhar. Eu não conseguia imaginar o telefonema que eles receberam. Eu não queria imaginar.


Queremos pôr um fim no estilo de vida no qual as mães aplaudem o martírio de seus filhos e elogiam a matança de bebês judeus.

A sala estava vigiada por soldados vestidos para uma batalha. Eles estavam em toda parte, e estavam em guerra. Totalmente armados, preparados para qualquer eventualidade, estavam determinados a não deixar que mais tristeza atingisse este ishuv e esta família – pelo menos até que o funeral chegasse ao fim.

Os homens armados, aqueles sem uniforme mas com armas em defesa própria, suas famílias e a comunidade, todos estavam ali fortes e prontos. Confiantes. Enquanto eu ficava ali com eles, olhando para os Klieman, sentindo a dor daquela família, eu senti uma mudança ocorrendo dentro de mim. Minha tristeza e minha pena estavam se transformando em raiva e desafio. Eu podia sentir a mudança no meu corpo, nos meus músculos, na minha maneira de ficar em pé, no cerrar da minha mandíbula. E embora eu não tivesse um revólver, senti que se tivesse gostaria de qualquer desculpa para usá-lo, uma provocação para matar e punir aqueles que tinham perpetrado tamanho horror. Não me sentindo mais como vítima, eu queria ser o agressor, o vingador. Marquei este sentimento para lembrar-me dele, pensando que esta era uma parte integrante do caráter nacional que até então eu não tinha entendido. Era uma parte da força de Israel, e daqueles de nós que morávamos aqui. É a nossa recusa de sermos vítimas enquanto moramos nesta terra com propósito e engajamento.

O rabino da comunidade também falou de vingança. Mas falou de modo diferente, mais sabiamente que os sentimentos selvagens que fluíam pelo meu corpo. Era justiça, não vingança que buscamos, disse ele. Não ficamos fortes com ódio, mas ao exigirmos a igualdade. Imploramos a D’us para demonstrar que Seu mundo é justo, um mundo no qual os maus são punidos, os bons recompensados… ou pelo menos protegidos.

O assassino de Esther Klieman ainda não foi apanhado nem morto, ele enfatizou. Está vivo e livre. Porém, ele disse, não é para este assassino individual que buscamos a destruição, mas a cultura que o criou. Queremos um fim para esta sociedade que alimenta terroristas e assassinos, terroristas suicidas e aqueles que massacram crianças. Queremos pôr um fim no estilo de vida no qual as mães aplaudem o martírio de seus filhos e elogiam a matança de bebês judeus. Combatemos uma cultura que não entende a santidade da vida e procura dominar o mundo através do terror e da morte.


Combatemos uma cultura que não entende a santidade da vida e procura dominar o mundo através do terror e da morte.

Esther Klieman foi enterrada num bonito bosque. O túmulo estava cercado por pinheiros altos, pedras grandes e um cume com vista para as colinas circundantes. Havia centenas de pessoas presentes, e um grande contingente de soldados. Eles se postaram nas colinas ao redor do local onde o corpo de Esther foi colocado. E assim eles puderam ter uma visão clara do sangue que começou a sair do ferimento de Esther enquanto ela era carregada da maca para a sepultura. Foi a visão do sangue de Esther que fez a sua mãe gritar e cair desmaiada nos braços do marido. O sangue que ensopava as ataduras fez a mãe gritar: "Eu quero a minha Esther, eu quero abraçá-la."
Esther não foi coberta imediatamente com a terra. Como é o costume judaico que todas as partes do corpo sejam enterradas, especialmente qualquer sangue derramado, esperamos enquanto eles tentavam enxugar o sangue da maca com lenços. Quando aquilo se mostrou ineficaz, foi tomada a decisão de cortar a lona da maca e enterrar tudo junto com o corpo de Esther.

A mãe e o pai assistiam e esperavam. Em sua pressa, os carregadores e outros ajudantes trabalhavam desajeitadamente. Demorou para encontrarem tesouras que cortassem a lona grossa da maca, para arrancá-la das barras de metal. Foi horrível e frustrante, e durante tudo aquilo o corpo de Esther jazia perante seus pais.

Foram feitos mais discursos. O pai e os irmãos recitaram o cadish. Formamos duas filas que os Kliemans percorreram enquanto dizíamos: "Que você seja confortado entre os enlutados de Tzion e Jerusalém." Lavamos as mãos e rezamos as preces da tarde, guardados por metralhadoras e jovens soldados. Entramos no ônibus e voltamos para casa no escuro. O veículo estava em silêncio. E enquanto minha mulher olhava para as colinas e as serras que margeavam a estrada entre o ishuv e o portão de controle, ela disse:

"É um milagre que isso não aconteça com mais freqüência."

Nota: Quando terminei esta história, enviei-a aos Klieman para sua aprovação. Nachman e Ruchama responderam:

Agradecemos por uma história muito comovente e compassiva. Sua maneira de expressá-la foi linda. Ficamos muito comovidos… Para sua informação, recebemos relatórios de pessoas que estavam no ônibus de Esther, e o médico que confirmou sua morte disse que Esther morreu imediatamente quando uma bala perfurou seu coração. Quando a morte a atingiu, ela estava rindo com uma de suas amigas, e Esther morreu com um sorriso nos lábios. Acredite ou não, saber disso foi um conforto para nós, e o fato de que Esther morreu b’kedushat Hashem [como um judeu que deu a vida para D’us e seu povo, e a caminho de cumprir uma mitsvá].

Soubemos hoje que o assassino foi preso como parte da Operação Escudo de Defesa. Pelo menos sabemos que ele não matará novamente.

Com afetuosas lembranças, Ruchama e Nachman.
 
   
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