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  Um estágio em minha vida  
 
Por Sarah Esther Crispe
 

Cheguei à conclusão que D'us oferece períodos de experiência, estágios, sem risco e sem obrigações. Há vários pacotes disponíveis; alguns são promocionais com 90 dias de duração, outros demoram mais, outros menos. E os presentes são inacreditáveis. Você está me acompanhando? Pois bem, descobri que é assim que as pessoas que não foram criadas em lares ou ambientes judaicos observantes se tornam ativamente religiosas.

Esta revelação me atingiu recentemente, quando eu estava ensinando um grupo de garotas do seminário, todas criadas em lares religiosos. Elas queriam saber como me tornei interessada em levar uma vida observante. Quando comecei a descrever a transformação ocorrida em minha vida mais de dez anos atrás, percebi que este fora o "comercial" que a princípio me atraiu. Depois houve os bônus de presente, e quando meu período de experiência estava no fim, eu esquecera que meu cartão de crédito estava recebendo a fatura mensal. Originalmente eu tinha pensado que ficaria por ali o tempo suficiente para ganhar os brindes, e que me lembraria de cancelar a tempo, mas eu estava tão interessada que nem ao menos percebi que a experiência tinha terminado. Antes que eu me desse conta, era um membro pagante, cumprindo minhas obrigações e desfrutando benefícios que excediam minhas melhores expectativas.

Sim, estou convencida que D'us sabe mais sobre marketing que a maioria de nós. Ele sabe como vender bem os Seus produtos – é um tremendo profissional. Caso contrário, por que qualquer ser humano inteligente, saudável, bem-sucedido, escolheria trocar uma vida secular confortável por outra aparentemente ditada por leis, regulamentos e costumes?

Jamais tive a intenção de levar uma vida religiosa. Na verdade não tinha quaisquer intenções, sejam lá quais fossem. Apenas pensei que viveria um dia de cada vez, tomando decisões à medida que se apresentasse. Eu gostava da idéia de estar aberta a qualquer possibilidade, e temia todo tipo de restrição. Ora, eu estava na faculdade, portanto que época melhor para ter essa atitude?

Porém D'us tinha outros planos para mim (Ele não tem sempre?) e minha vidinha alegre tornou-se de repente difícil e confusa. Também não ajudava muito o fato de eu estar passando meu primeiro ano em Israel, longe dos amigos e da família, em meio a um conflito com minha família a ponto de não estarmos nos falando. Em reação ao meu voto de silêncio houve um corte de mesada, o que significava também que eu estava por minha conta quanto às necessidades financeiras.
Arrumei um emprego de garçonete num hotel. Eu era a única judia e a única mulher no meio de cinqüenta árabes. Trabalhava 45 horas por semana e estava matriculada em cinco matérias. Isso não me deixava muito tempo livre para uma vida social, mas pelo menos dava para pagar as contas.

Portanto, eu não estava exatamente numa condição de fazer uma busca espiritual. Estava simplesmente sobrevivendo. E embora eu tivesse sido criada numa família tradicional casher, freqüentando a sinagoga no Shabat, estava menos conectada ao Judaísmo desde que fora para Israel. Na verdade recebia salário extra por trabalhar no Shabat, portanto sempre era a primeira a me oferecer.

Foi então que vi o comercial. Conheci aquelas pessoas esclarecidas, desafiadas intelectualmente e emocionalmente realizadas. Fiquei com inveja. Eu tinha muitas perguntas, mas nenhuma resposta verdadeira. Aquelas pessoas, porém, estavam todas conectadas com a Torá e pareciam ter um relacionamento íntimo e pessoal com D'us.

Até aquela época, eu achava que Ele mal tinha conhecimento da minha existência. Eu nunca fizera um esforço para conhecê-Lo, e quando nos comunicávamos era um relacionamento unilateral. Quando eu precisava muito de alguma coisa, falava com Ele, e me comprometia a mudar certas coisas que estavam erradas em minha vida. Em troca, eu esperava ser salva de meus problemas.

O interessante é que eu sempre levara estes "acordos" muito a sério. Se eu fazia uma promessa a D'us, jamais a quebrava, e Ele também sempre cumpria Seu lado da barganha. Eu tentava não fazer muitas dessas promessas, mas quando o fazia, me apegava a elas. Lembro-me de um incidente em especial, quando eu estava perdida certa noite numa viela escura de um bairro perigoso de Los Angeles, num carro enguiçado. Lembro-me de ter me sentido indefesa. De repente, comecei a murmurar o Shemá, algo que eu não fazia desde criança quando tinha pesadelos e o recitava para espantá-los. E então fiz uma daquelas promessas inquebráveis.
Prometi que se Ele me salvasse daquela situação, eu jamais andaria naquele carro outra vez. E cumpri. Meus amigos pensaram que eu estava louca, mas nunca mais entrei naquele carro.
Mas então, depois que aqueles momentos tinham passado, eu mais ou menos me esquecia d'Ele. E, como pensava que era eu mesma quem tinha sempre iniciado nosso relacionamento ocasional, presumia que Ele também tinha me esquecido.

Por falar nisso, voltando àquele comercial, fui realmente afetada por todas aquelas pessoas que pareciam estar em tão bons termos com Ele. Porém mais que um relacionamento, eu queria mesmo eram respostas. Queria entender o significado e propósito em minha vida, e achei que não haveria lugar melhor para começar do que com Aquele que me colocara aqui.

E foi então que começou a experiência gratuita. Depois do comercial, não havia um compromisso imediato que precisasse ser cumprido, nenhum contrato a assinar, apenas uma solicitação de um pouco de interesse. E eu tinha interesse. Portanto, liguei para o número de telefone grátis, apresentei-me, mencionei que tínhamos estado em contato algumas vezes antes, e disse que gostaria de saber mais sobre este Criador. O problema era que a minha vida estava realmente ocupada, e eu não sabia como fazer para incluí-Lo dentro dela. Entre minhas horas de trabalho e a faculdade, não parecia haver um momento livre.

E foi então que aqueles brindes grátis começaram a pipocar. Eu fazia um pedido e BUM, lá estava a resposta. Era como o gênio na garrafa. Eu estava trabalhando demais? Odiava meu trabalho? Sem problemas. No dia seguinte uma amiga levou-me para almoçar, o local precisava de uma garçonete, e antes que eu me desse conta estava trabalhando a metade do número de horas pelo dobro do salário do meu emprego anterior. Só havia um problema – eu não poderia trabalhar no Shabat. Na verdade, eles não abriam no Shabat.

Os bônus continuaram a chegar. Quando as aulas de Judaísmo que eu pretendia assistir entraram em conflito com meu horário na faculdade, o horário mudou. Então agora eu estava ganhando bem, tinha os fins de semana livres, podia ir a refeições de Shabat com famílias locais (atividade muito popular entre os estudantes universitários de Jerusalém), e freqüentava aulas para aprender um pouco mais. Nada mau.

Comecei a ficar um pouco assustada. Se eu fazia um pedido, verbalmente ou apenas em pensamento, dentro de 24 horas via o resultado. A princípio achei aquilo muito bonito. Eu estava sendo merecedora de milagres diários. Sentia-me poderosa por ter um canal aberto com Ele. Mas então percebi que este não era mais um relacionamento puramente unilateral. Sim, eu estava recebendo o meu espaço, mas deveria retribuir de alguma forma.

A esta altura meu ano acadêmico estava para terminar, e eu tinha algumas opções sérias a fazer. Eu sabia que estava numa encruzilhada na minha vida; porém não estava certa sobre qual estrada iria percorrer.

Eu definitivamente tinha me apaixonado pelo Judaísmo. Nunca tinha me sentido mais viva ou mais sintonizada com minha vida e com o mundo ao meu redor. Porém eu ainda estava longe de fazer a transição de uma vida sem regras ou limites para uma vida com estrutura. A Festa de Shavuot – comemorando a Outorga da Torá no Monte Sinai – estava chegando e achei que poderia usar a oportunidade para reflexão e introspecção sérias.

Mas então novamente, meus planos e a minha realidade não eram exatamente os mesmos. Poucos dias antes de Shavuot, uma das minhas melhores amigas chegou a Israel para me fazer uma surpresa. Ela ficaria apenas uma semana e queria muito viajar ao Egito junto comigo. Eu não sabia como explicar a ela que eu tinha pretendido passar a noite estudando e depois caminhar até o Muro Ocidental ao nascer do sol. Ela não teria entendido e eu não estava preparada para explicar.

Portanto, lá estava eu, na véspera de Shavuot, em Dahab, Egito. A cidade de Dahab fica ao sudoeste do Deserto do Sinai, sendo conhecida pelas belas praias e a atmosfera descontraída. Devo admitir que não demorou muito para eu esquecer que não tinha desejado ir. Enquanto me banhava ao sol e apreciava a comida maravilhosa, Shavuot tornou-se uma lembrança distante. Isto é, pelo menos até que fui subitamente despertada pela mulher que estava perto de mim.

"E então, de onde você é?" ela perguntou de maneira simpática. Embora eu não estivesse muito a fim de conversar, respondi que estava estudando em Jerusalém por um ano. Para minha surpresa, seus olhos brilharam e ela começou a fazer perguntas sobre o Judaísmo. Comecei a partilhar meu limitado conhecimento e logo me vi intensa e apaixonadamente descrevendo como o Judaísmo era incrível, tanto sob o ponto de vista emocional e espiritual quando do intelectual. Conversamos por mais de cinco horas, até percebermos que estávamos sentadas no escuro. Ela tinha de ir embora, mas antes de fazê-lo, perguntou inocentemente se havia ou não um feriado judaico aquela noite. Meu coração deu um pulo. Era a véspera de Shavuot. Eu tinha esquecido completamente, e estava no Egito.

Pela primeira vez na minha vida, eu me importei. Senti que estava perdendo alguma coisa. Era como se eu tivesse sido convidada para um encontro muito especial com D'us, e simplesmente tivesse resolvido fazer outra coisa. Pelo que eu podia ver, o prejuízo era irreparável.

Fiquei deprimida e senti-me encurralada naquele tal "resort". Arrastei-me para o jantar com minha amiga e outras pessoas. Para minha surpresa, encontrei Mike, que freqüentava a Universidade Hebraica comigo. Embora ele não fosse alguém que pudesse ser chamado de religioso observante, ele era bastante espiritual. Fez-nos companhia no jantar, e então disse que precisava ir. Eu não conseguia imaginar o que ele poderia ter para fazer em Dahab, portanto perguntei.
Ele me disse que tinha ido a Dahab especificamente para Shavuot, pois esta cidade é muito próxima do local onde acredita-se que era o Monte Sinai. Ele queria passar a noite estudando e perguntou se eu gostaria de ir junto. Não consegui responder, mas as lágrimas que rolaram dos meus olhos expressaram o meu "sim". Despedimo-nos dos meus amigos e saímos.

Encontramos uma cabana iluminada à luz de velas. Mike tinha levado uma Bíblia Inglês/Hebraico, e decidimos que faríamos leituras alternadas. Não tínhamos a menor idéia do que estávamos fazendo, mas achamos que uma bênção se fazia necessária. Então lavamos as mãos como tínhamos visto as pessoas fazerem antes de comer pão, e pronunciamos a bênção da maneira que eu me lembrava: "Baruch Atá Hashem… al HaTorá."

Quando a vela começou a tremular, percebi que não precisávamos mais dela. O sol estava nascendo e tínhamos passado a noite toda estudando Torá. Resolvi que eu ficaria em Israel para o verão para me matricular num programa de tempo integral. Tomei a decisão de conversar com meus pais e reatar nosso relacionamento prejudicado. E resolvi que não veria mais o Judaísmo e sua observância do lado de fora, mas faria o máximo possível para cumprir a Torá de D'us e Seus mandamentos.

Era Shavuot e eu tivera o mérito de receber a Torá. Caminhara na direção do oceano e recitara o Shemá com toda a força do meu coração e minha mente. Eu sabia que D'us estava escutando, sempre estivera, e sempre estaria.

E assim meu período de estágio chegara ao fim. Não haveria mais devoluções e reembolsos. E era exatamente assim que eu queria.

     
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