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Como uma pessoa deve
ser julgada – por aquilo que é, ou por aquilo que pode ser?
Isso, dizem os mestres chassídicos, depende daquilo que a pessoa
é.
Se a pessoa é você mesmo, deve julgar-se por suas ações,
não pelo seu potencial. Você não pode dizer a si mesmo:
"Tudo bem, tenho sido um tanto preguiçoso ultimamente, tenho
feito algumas bobagens, mas sei que posso ser melhor que isso. Este é
o verdadeiro eu – não a pessoa que o resto do mundo vê."
Pelo contrário, se você sabe que pode fazer melhor, então
deveria fazer melhor. Por qual outra razão seus talentos e recursos
foram concedidos a você – para que apodrecessem por falta
de uso dentro de seus invólucros?
Se, no entanto, a pessoa em julgamento é outra que não você
mesmo, você deve tomar uma atitude diferente. Afinal, você
não tem como saber, e certamente nenhuma maneira de entender realmente,
as circunstâncias que estão impedindo aquela pessoa de realizar
seu potencial.
Portanto, se você vir alguém fazendo tudo errado, não
olhe àquilo que ele é – em vez disso,
concentre-se naquilo que a pessoa pode ser. Na verdade, disse Rabi Shneur
Zalman de Liadi em seu Tanya, quanto mais errada a pessoa é, maior
a admiração que você deveria ter por ela.
Por que é assim? Rabi Shneur Zalman baseia sua surpreendente declaração
num dito dos sábios do Talmud: "Quanto mais notável
a pessoa, maior sua má inclinação." De fato,
isso faz sentido: de outra forma, como poderíamos dizer que D’us
concedeu absoluto livre arbítrio a cada indivíduo?
Não vemos pessoas desafiadas por vícios e tentações
muito maiores que tudo aquilo pelo qual já passamos? Se esta pessoa,
também, recebeu o poder de controlar sua vida, isso significa que
ela foi também fortalecida com reservas espirituais muito além
daquelas que uma pessoa "comum"
possui. As implicações disso são duplas: se você
vê uma pessoa realmente notável, saiba que ela tem lutado
com demônios mais terríveis e mais poderosos que tudo aquilo
com que você já teve de lidar. E se você vir alguém
que desceu a abismos que você nem consegue imaginar, saiba que ele
foi abençoado com potenciais igualmente inimagináveis.
Isso, diz o Lubavitcher Rebe, é o significado mais profundo por
trás de um curioso comentário feito pelo Rashi (Rabi Shlomo
Yitschaki, 1040-1105, autor dos mais básicos e importantes comentários
sobre a Torá) nos versículos introdutórios da Parashá
de Toledot (Bereshit 25:19-28:9). Toledot se inicia: "E estas são
as toledot (gerações) de Yitschac, o filho de Avraham."
Rashi explica: quem são essas "gerações"?
Yaacov e Essav, sobre quem se fala na Parashá." Mas isso não
é óbvio? Por que Rashi considerou necessário explicar?
A explicação padrão é que, na Torá,
a palavra Toledot pode ter vários significados. Pode significar
"filhos" e "descendentes", e pode também exprimir
produtos" e "atos" (todos esses são "gerados"
por uma pessoa). Como a narrativa do nascimento de Yaacov e Essav não
segue imediatamente o versículo inicial da Parshá, e como
a Parashá de Toledot também descreve eventos e atos da vida
de Yitschac, pode persistir alguma dúvida quanto à tradução
da palavra toledot neste contexto.
Portanto, Rashi sente necessidade de nos dizer que, neste caso, refere-se
a "Yaacov e Essav sobre quem se fala na Parashá."
Porém, diz o Rebe, há também outro significado implícito
no comentário de Rashi. Num nível mais profundo, Rashi está
levantando a questão: Como pais tão justos e santos como
Yitschac e Rivca, num ambiente tão íntegro e puro como era
o lar deles, produz um homem perverso e violento como Essav? Afinal, Essav
era gêmeo de Yaacov, compartilhando os mesmos genes e a mesma criação.
Yaacov faz sentido. Mas de onde apareceu Essav?
De fato, diz Rashi, o perverso Essav não é um "produto"
de Yitschac e Rivca, mas um monstro criado por si mesmo. Quem são
os toledot de Yitschac? O Yaacov e Essav sobre quem se fala na Parashá.
O Essav da Torá é um homem com grande potencial para o bem
– tão grande quanto o mal a que ele se permitiu sucumbir.
A Essav isso diz: Veja aquilo que você poderia ser. Para nós,
isso diz: Da próxima vez que vir um Essav, olhe novamente.
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