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Existe um tipo diferente de escuridão, uma que é
simplesmente o oposto da luz. Não contrária à luz.
Apenas oposta.
Esta escuridão não é mais antagonista à luz
que a sombra é para a luz do sol, ou o sono à vigília.
Enquanto ela possa não conter sabedoria, está longe de ser
boba. Embora possa não ser boa, não há mal dentro
dela.
A escuridão de que falo não tem qualidades negativas como
tristeza, medo ou desespero, embora a tristeza, medo e desespero possam
ser entradas para estas trevas; assim como a escuridão pode ser
uma entrada para a tristeza, medo e desespero. Mas uma vez que tenhamos
descoberto que a escuridão é tão boa quanto a luz,
embora de uma qualidade diferente, isso não precisa ser assim.
Imagine aquela escuridão não como a ausência de luz,
mas como uma coisa em si mesma. Algo de uma consistência diferente
da luz. Para um propósito diferente, mas um propósito todo
seu. É ela que permite que você seja; é material do
qual você pode criar o mundo torna-se o playground da imaginação,
da criatividade, de seu ser mais profundo.
É seu amigo, um aliado que está disposto a ser tudo aquilo
que você deseja ou precisa. Às vezes ele se torna coisas
que você preferia que não se tornasse, mas que você
precisa que seja uma parte de si mesmo, mais profunda que o eu que pensa
que sabe o que você precisa.
As crianças conhecem bem esta escuridão. A partir dela,
criam monstros e anjos quando estão sozinhos num quarto escuro.
Criam companheiros para quando estão sozinhos e não querem
estar sozinhos. Algumas crianças, aquelas que estão sozinhas
com muita freqüência e por muito tempo, criam mundos inteiros,
povoados e esculpidos, nos quais vivem e encontram seu lugar. Algumas
crianças criam desta escuridão um mundo no qual encontram
o amor que não existe em seu mundo de luz, ou segurança
contra o perigo que a luz do dia traz, ou paz contra uma casa mais caótica
ou violenta que suas mentes podem tolerar. Adultos também fazem
isso.
Na escuridão, sentimentos e temores se libertam e criam forma.
Na escuridão, o ser cria uma realidade externa a si mesma, com
a qual pode se entender dentro de um mundo de luz pesado demais para tolerar.
Sem a escuridão, como você poderia saber que sua luz do dia
não contém amor? Onde você encontraria refúgio
contra o ódio, se a escuridão não lhe deixa espaço
para suas visões do paraíso? Como você poderia visualizar
o futuro, se a escuridão não deixa uma fuga para o desconhecido?
Em qual espaço você poderia projetar sua criatividade, se
a escuridão não deixa espaço para o que ainda não
foi criado?
Esta escuridão é densa, não arejada como a luz. É
uma substância que se presta à manipulação.
E você a manipula, a forma com sua mente e com seus sentimentos,
com sua imaginação e sua criatividade. Você a modela
com sua necessidade e com o seu desejo. Com sua ânsia e com sua
solidão. Você pode modelá-la com esperança
e com visão. Com ambição e com percepção.
Esta escuridão é tão benevolente que será
literalmente aquilo que você quiser que seja. Com ela você
pode criar o mundo. E a partir dela o mundo se tornará qualquer
coisa que você deseje ou precise que ele seja.
Se a escuridão não tem substância, então não
pode ser. Então seus pensamentos permanecerão pensamentos,
e sua imaginação trancada dentro de sua cabeça. Mas
como a escuridão tem substância, translúcida e opaca
como possa ser, ela permite que você crie sua forma, a forma que
projeta sua imaginação para o mundo exterior e lhe dá
substância.
Na escuridão, você pode ver tanto dentro quanto fora de si
mesmo, a forma e a textura que você visualiza em sua mente; um formato
e textura, uma forma e personalidade, caráter e alma que você
cria dentro de si mesmo e passa ao mundo da maneira que você o encontra.
E o mundo precisa que você o crie exatamente desta maneira, ou o
mundo não teria criado você.
Por causa da escuridão, o mundo precisa de você. Por causa
da escuridão, o mundo permite que você seja. Da escuridão
você foi formado. Da substância da escuridão, no espaço
que ela permite, você encontra sua individualidade, seu verdadeiro
ser. Pois se houvesse apenas luz, não haveria espaço para
você. O mundo simplesmente seria como é, com você ou
sem você. Todos os olhos veriam o mesmo, e onde haveria espaço
para você?
E então, benevolente, a luz que certa vez preencheu seu mundo contraiu-se
para dar espaço a você. E deixou em seu lugar a escuridão,
aquela bruma com a qual o mundo seria criado, com o qual você criou
o mundo.
A escuridão é o potencial para descobrir o eu e a individualidade,
o recurso interior e a força, coragem e curiosidade. É o
local onde estamos sozinhos e começamos a nos conhecer. Na luz,
estamos conectados, fundidos, somos um só. Na escuridão
nós existimos. Na luz, permanecemos receptivos, protegidos, amados.
Na escuridão, sozinhos, singulares e únicos. Na escuridão
devemos ser criativos e fortes, para não dissolver e entrar em
colapso, retirar-se da ameaça do desconhecido e dos sentimentos
que ele proporciona.
Na escuridão nossa criatividade e imaginação encontram
espaço. Na luz elas se dissolvem, superadas pela dura realidade
da existência, pela sólida e irrefutável realidade
e pela luz clara e brilhante que não deixa lugar para dúvida,
temor ou curiosidade, nem necessidade de coragem, flexibilidade ou interpretação.
Na luz, não há necessidade de nós. Na escuridão,
somos uma fonte de luz.
Porém a escuridão é boa somente quando vinculada
à luz. Sem o vínculo, a escuridão se torna má.
Transforma o playground da imaginação num pesadelo.
Incontida, a escuridão se torna tanto a causa de medo e desespero,
quanto o lugar onde eles agora existem.
Sem a luz – sem o momento no qual a luz penetra em nosso quarto
e vemos a cadeira como cadeira e não como um monstro, o abajur
como abajur e não como um anjo, o outro como o outro e não
simplesmente a projeção de nosso desejo e necessidade, o
mundo como mundo e não apenas um produto da nossa imaginação
– nós estaríamos tão incontidos e sem limites
quando sem capacidade de sobreviver à nossa própria criação.
Nós seríamos tão singulares e sozinhos que morreríamos,
D’us não permita, de tristeza e isolamento. Não haveria
um outro para amar e para nos amar. Nenhuma realidade compartilhada. Nenhuma
proteção ou segurança. Nenhuma verdade. Nenhum D’us.
Nenhum mundo para sermos singulares dentro dele.
E sem um mundo para se beneficiar da nossa singularidade, qual seria o
objetivo para nós existirmos, afinal?
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