Entre o bem e o mal
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  Por Rabi Dov Greenberg
 

"Vale a pena se apegar a alguns pedaços de terra às custas da paz com nossos vizinhos  árabes?"

Yaabdol: "Por que os israelenses pensam que são donos do mundo? Ursalam [Jerusalém] é o centro para Alah!"

"Desejo fazer algumas doações para as famílias das vítimas israelenses do terrorismo. Para quem posso enviar o cheque?"

O premiado Nobel Elie Wiesel certa vez foi perguntado se o mundo tinha aprendido alguma coisa com o Holocausto. Wiesel respondeu: "Sim – que se pode escapar impune." Se Wiesel estiver certo – e a fúria internacional contra a existência coletiva judaica em Israel nos últimos anos parece confirmar suas palavras – então para os judeus, a lição deve ser exatamente o oposto: jamais permitir que ocorra outro Holocausto. Isso significa antes de mais nada e acima de tudo que Israel deve ser forte no sentido espiritual, moral e militar.

Um lar e um poder


Os judeus detestam guerras. Talvez nenhum outro povo reze tanto e tão fervorosamente pela paz. Mas num mundo impenitente, às vezes precisamos pegar em armas para defendermos a própria vida.

Entre 1939 e 1945 o regime nazista, com ajuda de milhões de outros europeus, mataram quase todos os judeus daquele continente. Se na década de 1930 Israel já existisse, um número incontável de judeus poderia ter sido salvo. Eis porquê: A princípio, Hitler queria meramente expulsar os judeus; somente mais tarde ele decidiu matá-los. Quando as nações do mundo se reuniram em Evian na França em 1938, plenamente conscientes do perigo que ameaçava os judeus europeus, um país após o outro declarou: Não temos lugar para os judeus.

Desde o início da Segunda Guerra, o mundo foi dividido em dois tipos de países: aqueles que expulsaram ou assassinaram judeus, e aqueles que rejeitaram os judeus que tinham sido expulsos ou tinham fugido de algum outro lugar. Se Israel já existisse, teria havido um país disposto a aceitar os refugiados judeus quando os Estados Unidos, Inglaterra e outras nações se recusaram.

Um segundo motivo pelo qual a magnitude do Holocausto teria diminuído é que, ao contrário dos Aliados, que com toda a sua potência não conseguiram separar alguns aviões para bombardear os trilhos para Auschwitz e outros campos da morte, Israel o teria feito.

Em seu livro Uma Paz Duradoura, Benjamin Netanyahu colocou isso de maneira simples: "Até que fui a Birkenau, jamais percebi como aquilo tudo era pequeno e mundano. A fábrica da morte poderia ter sido posta fora de ação por uma única bomba. Na verdade os Aliados chegaram a bombardear alvos estratégicos a alguns quilômetros de distância. Se a ordem tivesse sido dada, teria bastado um piloto fazer uma ligeira correção na rota para acabar com a matança. Porém a ordem nunca foi dada."

A lição de Entebe

Em 4 de julho de 1946, quarenta e dois sobreviventes do Holocausto que tinham retornado a Kielce, sua aldeia de origem na Polônia, foram assassinados num brutal pogrom pelos seus vizinhos poloneses cristãos.


Há nações demais que parecem dispostas a deixar Israel assumir riscos potencialmente fatais em troca de uma paz regional incerta que elas próprias jamais assumiriam.

Trinta anos depois, 4 de julho de 1976, mais de cem judeus que estavam para ser mortos em Entebe, Uganda, foram salvos pelo exército israelense numa das missões de resgate mais ousadas da história. Mais que qualquer outra coisa, Entebe demonstrou a importância de uma Força de Defesa Israelense competente. Quando os judeus não têm força militar, são mortos com impunidade. Com forças armadas, pela primeira vez em 2000 anos, judeus que estavam no limiar da morte não precisaram confiar na boa vontade de outros.

Quando o Papa Paulo VI criticou a "violência" de Israel durante uma audiência privada com Golda Meir, ela respondeu: "Você sabe qual é minha lembrança mais antiga? Um pogrom em Kiev. Quando fomos piedosos e quando não tínhamos país e quando éramos fracos, fomos levados para as câmaras de gás."1

"Mama!"


Ao visitar Israel, um professor amigo meu encontrou um ministro americano que começou a lhe fazer perguntas e comentários hostis sobre Israel, e finalmente perguntou: "O que é que vocês judeus realmente desejam?"

Meu amigo respondeu com a seguinte história:

Em Stolpce, na Polônia, a 23 de setembro de 1942, o gueto foi cercado por soldados alemães. Fossos haviam sido cavados na aldeia próxima, aonde os judeus seriam levados e fuzilados. Os alemães entraram no gueto, procurando os judeus. Um sobrevivente, Eliezer Melamed, relembrou mais tarde como ele e sua namorada conseguiram entrar num local e se esconder atrás de uns sacos de farinha. Uma mãe com três crianças os seguiram para dentro da casa. A mãe se escondeu num canto e as três crianças no outro.

Os alemães entraram e descobriram as crianças. Uma delas, um menino pequeno, começou a gritar: "Mama! Mama!" enquanto os alemães os arrastavam para fora.

Porém outra criança, com apenas quatro anos, gritou para o irmão em yidish: Zog nit Mameh. Men vet ir oich zunemen. ("Não diga Mamãe. Eles a levarão, também.")

O menino parou de chorar. A mãe ficou em silêncio. Os filhos foram levados. A mãe foi salva.

"Eu sempre escutarei aquilo" – recorda Melamed – "especialmente à noite. 'Zog nit Mameh' – Não diga Mamãe.. E sempre me lembrarei daquela mãe. Seus filhos foram arrastados pelos alemães. Ela estava batendo a cabeça contra a parede, como se punindo a si mesma por ficar em silêncio, por desejar viver."2


Devemos todos tomar parte na defesa de Israel e do povo judeu, seja no campo de batalha físico ou na guerra de palavras e idéias.

Após concluir sua história, o professor contou ao ministro: "O que nós judeus queremos realmente? Bem, vou lhe dizer o que eu quero. Tudo que desejo é que nossos netos possam chamar 'Mama' sem medo. Tudo que quero é que o mundo nos deixe em paz."

Os judeus detestam guerras. Talvez nenhum outro povo reze tanto e tão fervorosamente pela paz. Mas num mundo impenitente, às vezes precisamos pegar em armas para defendermos a própria vida.

Lembre-se!


Em seu discurso da posse em janeiro de 1961, o Presidente John F. Kennedy declarou: "Não ousamos tentá-los [os inimigos dos Estados Unidos] com fraqueza. Pois somente quando nossas armas estiverem além da dúvida, podemos ter certeza de que elas jamais serão usadas."
O mesmo se aplica ainda com mais força ao minúsculo Estado Judeu. Israel é a única nação do mundo cuja própria existência é ameaçada por inimigos apoiados por uma maioria nas Nações Unidas. É o único país do mundo que enfrenta tanto ameaças constantes à sua existência quanto críticas por reagir contra estas ameaças. É a única nação no mundo ameaçada por genocídio, cujo propósito não é somente a vitória militar, mas a exterminação. Alguém pode duvidar que haveria um entusiasmo generalizado entre as massas árabes e islâmicas se, o Céu não o permita, o Oriente Médio ficasse livre de judeus?

Amos Oz, o novelista israelense, resumiu melhor a realidade da nossa situação atual: "Nos anos 1930s, nossos inimigos diziam: 'Os judeus para a Palestina.' Agora eles dizem: 'Judeus fora da Palestina.' Eles não nos querem aqui. Não querem que estejamos lá. Não querem que estejamos em lugar nenhum."

O mundo jamais deve se esquecer que um único erro estratégico israelense pode significar não apenas uma derrota militar, mas a aniquilação que o mundo não poderia, mesmo se quisesse, deter. Toda decisão israelense deveria ser considerada contra esta horrenda realidade.

Poucos dos críticos de Israel parecem entender a determinação judaica de evitar outro Holocausto, desta vez em seu próprio país. Poucos entendem por que Israel não pode, e não deveria, confiar sua sobrevivência a países que assistiram informalmente enquanto milhões de judeus inocentes foram dizimados. Há nações demais que parecem dispostas a deixar Israel assumir riscos potencialmente fatais em troca de uma paz regional incerta que elas próprias jamais assumiriam.

Obviamente, as arenas políticas, militares ou econômicas não são os únicos, ou sequer os mais importantes, fatores a garantir a continuidade judaica. Nossa solene fé em D'us e Sua Torá são o que nos sustentou durante quase quatro milênios. Sem isso, seríamos hoje pouco mais que uma peça de museu, junto com os canaanitas, moabitas e os outros povos do antigo Oriente Próximo que desapareceram. Porém sugerir que não precisamos de forte armamento para garantir a segurança do país é um erro. Um dos dogmas básicos do Judaísmo é que não confiamos em milagres, e que devemos empregar todos os meios naturais para proteger e salvar vidas humanas, ocasionalmente até as nossas.3

Estamos obrigados pela memória daqueles que morreram simplesmente por serem judeus a aceitar seriamente a perspectiva da vulnerabilidade judaica. Devemos todos tomar parte na defesa de Israel e do povo judeu, seja no campo de batalha físico ou na guerra de palavras e idéias. Honramos as vítimas recordando-as e dizendo: Aquilo pelo qual elas morreram, viveremos para perpetuar – o direito de ser, o direito de os judeus viverem como judeus e serem uma bênção para a humanidade. Para que as crianças judias vivam sem medo, para cultivar o tipo de comunidade que as crianças merecem. Uma comunidade na qual todo judeu, criança e adulto, tenha a oportunidade de ser exposto à grandeza e majestade da História Judaica, à fascinante percepção e sensibilidade especial do pensamento judaico, à santidade e significado da existência judaica, ao poder e profundidade da Torá e mitsvot.

Aqueles que não se lembram, disse Santayana, estão destinados a repetir. Sem memória, a história humana se torna um CD riscado, repetindo-se interminavelmente. A Bíblia hebraica está repleta de ordens para lembrar. A palavra zachor, lembra-te, ocorre em suas várias formas na Torá, em impressionantes 169 vezes. Consideramos a lembrança como um dever sagrado. Não porque vivemos no passado, mas exatamente porque precisamos aprender com ele se quisermos construir um futuro.

Que jamais esqueçamos a Shoah, assegurando que Israel seja forte para sempre. Quem nas futuras gerações nos perdoará se nós, que vivemos no século do Holocausto, não nos erguermos
para impedir a morte de judeus inocentes?

Vamos invocar o grande imperativo moral da lembrança. E que nosso grito "Nunca Mais" signifique "Nunca Mais".


Notas:

1 – Biografia de Golda Meir, My Life (GP Putnam NY 1975)
2 – Martin Gilbert, The Holocaust: The Jewish Tragedy (Fontana/Collins, 1986)
3 – Código da Lei Judaica (Shulchan Aruch) Orach Chayim, seção 329. Talmud Babilônico, Sanhedrin 72a; Eruvin 45a; Tosefta, Eruvin 3:5. Interessante é o Livro Macabeus I (2:32-38) que registra os primeiros estágios da revolta, um grande grupo de judeus.
 
   
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