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  Uma Visão Empresarial
 
Por Howard Schultz
 

Fui criado num conjunto habitacional subsidiado pelo Governo no Brooklyn. Fazia parte de uma geração de famílias cuja inspiração era o sonho americano. Meu pai teve uma série de empregos braçais. Um homem sem instrução, ele foi aparentemente derrotado pelo Sistema. Era um veterano da Segunda Guerra Mundial com grandes aspirações sobre a América, mas seu sonho não estava se tornando realidade.

Aos sete anos, cheguei em casa certo dia e encontrei meu pai esparramado no sofá em nosso apartamento de dois quartos, a perna inteira envolta em gesso: ele tinha caído quando trabalhava e quebrara a perna. Isso foi muito antes da invenção das fraldas descartáveis, e ele trabalhava como motorista entregador de fraldas de tecido. Odiava amargamente este emprego, mas neste dia em especial, ele gostaria de tê-lo de volta. Nos Estados Unidos em 1960, a maioria das empresas não tinha indenização para os empregados, e não pagava hospitalização a um operário que sofresse um acidente. Testemunhei de primeira mão o sofrimento da classe trabalhadora.

Aquela experiência teve um importante efeito na minha forma de encarar o mundo. Quando cheguei a um cargo de responsabilidade na Starbucks, o que eu queria tentar e fazer era construir o tipo de empresa na qual meu pai jamais tivera a chance de trabalhar.

Nós da Starbucks temos tentado criar uma indústria que não existia, e um tipo de marca bastante incomum. Uma verdadeira anomalia é que gastamos muito pouco com propaganda. Temos executivos associados que tentam entender como uma marca pôde tornar-se tão poderosa e onipresente com tão pouca promoção. A verdade é que não tínhamos dinheiro para anunciar, portanto tivemos de pensar em algo diferente. Dissemos a nós mesmos que se desejávamos construir uma grande companhia e uma marca que tivesse significado, relevância e confiança para todos seus clientes, primeiro tínhamos de desenvolver a confiança com nossos funcionários.

Então tentamos criar uma estratégia na qual aqueles que trabalhavam na empresa fossem realmente parte de alguma coisa. Como resultado, em 1989 começamos a fornecer igualdade na forma de opções na compra de ações para nossos empregados.

Quando tomamos esta atitude, tínhamos algumas centenas de funcionários e menos de 50 lojas. Atualmente, possuímos cerca de 50.000 funcionários a quem chamamos de sócios, e abriremos nossa 3.500º loja no fim deste mês. Construímos, creio eu, um negócio duradouro sobre uma premissa que diz que a experiência que criamos dentro de nossa companhia será o mecanismo definidor da construção de nossa marca. Dissemos que primeiro, precisávamos cuidar de nosso pessoal.

É extremamente importante para a construção de um negócio que cada decisão estratégica penetre na impressão daquela marca. Se você não diz a verdade a algum cliente, mais tarde não pode dizer que a decisão simplesmente não era importante. Tudo é importante. Um negócio deve ser construído sobre um conjunto de valores, um alicerce que seja autêntico, de forma a que você possa olhar no espelho e se orgulhar daquilo que está acontecendo.

Pouco tempo atrás, eu caminhava por uma rua em Londres que era um pedaço imobiliário da alta moda. Ao longo dela perfilava uma marca famosa após a outra: Armani, DKNY, Versace. Lojas caras, aluguéis altos. Pelo canto do olho, vi uma vitrine que simplesmente não se ajustava. Tinha uns quatro metros de frente, e a loja toda não media mais que uns 150m2. Em meio a todas aquelas placas extravagantes e lojas de alto luxo, esta casa ostentava somente uma palavra acima da porta: "Queijo." Não consegui entender o que era aquilo, portanto, curioso, entrei.

Atrás do balcão estava um sujeito pobremente vestido de uns 70 anos, e eu era o único freguês. Assim que entrei, ele pareceu ganhar vida. Eu disse: "Não conheço Londres muito bem, mas parece-me que esta loja realmente não combina com esta rua." Ele respondeu: "Muitas pessoas já me disseram isso, meu jovem. Porém a verdade é que ela está aqui há mais de cem anos."

Eu disse: "Certamente o senhor ganharia muito mais dinheiro com esta loja se a arrendasse ou se vendesse seu negócio." Ele replicou: "Bem, eu não a alugaria porque sou proprietário do prédio. O legado, responsabilidade e orgulho que tenho é pelas gerações de minha família que vieram antes de mim. É por isso que venho trabalhar todos os dias como fornecedor de queijo — para honrar aqueles que vieram antes de mim."

Com aquilo, ele começou a oferecer-me amostras de queijo, um pedacinho após o outro, em uma bandeja. Ele tinha uma descrição exata de cada um enquanto estava em minha boca. O queijo pareceu ganhar vida com suas palavras. Comprei o equivalente a 50 dólares de queijo, no meio da tarde, e puro!

Pense sobre todas as nossas experiências diárias. Quantas vezes alguém nos homenageia como consumidores? Raramente. Mas quando isso acontece, o poder do espírito humano realmente floresce. Ao final do dia, quando o negócio é realmente bom, não se trata de construir uma marca ou de ganhar dinheiro. Isso é um meio para um fim. Trata-se de honrar o espírito humano, honrar as pessoas que trabalham no negócio e honrar o cliente.

Quando estive em Israel, fui a Mea Shearim, a área ultra-ortodoxa em Jerusalém. Junto com o grupo de empresários com quem eu estava, tive a oportunidade de ir a uma audiência com Rabi Finkel, o diretor de uma yeshivá. Eu jamais ouvira falar dele, e não sabia nada a seu respeito. Entramos em seu estúdio e esperamos por ele de dez a quinze minutos. Finalmente, a porta se abriu.

O que não sabíamos era que Rabi Finkel estava gravemente afetado pelo Mal de Parkinson. Ele sentou-se à cabeceira da mesa e, naturalmente, nossa tendência foi olhar para o outro lado. Não queríamos constrangê-lo.

Estávamos todos olhando para outro lado, e ouvimos uma grande batida na mesa: "Cavalheiros, olhem para mim, e olhem para mim agora." Agora seu problema com a fala era pior que seu tremor físico. Era realmente difícil ouvi-lo e observá-lo. Ele disse: "Tenho apenas alguns minutos para vocês porque sei que são todos ocupados empresários americanos." Você entende, isso era uma alfinetada.

Então ele perguntou: "Quem pode dizer-me qual é a lição do Holocausto?" Chamou um indivíduo, que não sabia o que fazer — era como ser chamado no quinto ano do primário e não ter a resposta. E o sujeito diz algo benigno como: "Jamais, jamais esqueceremos…" E o rabino o dispensa completamente.

Senti-me muito mal pelo cara, até que percebi que o rabino estava pronto para chamar outra pessoa. Todos nós estávamos quase indo para debaixo da mesa, olhando para longe — sabe como é, por favor, não me chame. Ele não me convocou. Eu estava suando. Ele chamou um outro, que tinha uma resposta fantástica: "Não seremos jamais, nunca mais, vítimas ou espectadores."

O rabino disse: "Parece que vocês não entenderam. Tudo bem, cavalheiros, deixem-me contar-lhes a essência do espírito humano.

"Como sabem, durante o Holocausto, as pessoas eram transportadas por trem da maneira mais desumana e pior possível. Eles pensavam que estavam se dirigindo a uma campo de trabalho. Todos sabemos que estavam indo para um campo da morte.

"Após horas e horas neste curral desumano frio, sem luz, sem banheiro, eles chegavam aos campos. As portas eram completamente abertas, e eles eram cegados pela luz. Os homens eram separados das mulheres, as mães das filhas, os pais dos filhos. Iam até os catres para dormir.

"Conforme chegavam à área de dormir, somente uma pessoa em seis recebia um cobertor. Aquele que recebia o cobertor, quando ia para a cama, tinha de decidir.: 'Abro o cobertor para cobrir as outras cinco pessoas que não ganharam um, ou puxo-o todo para mim e fico aquecido?'"

E Rabino Finkel disse: "Era durante este momento decisivo que aprendíamos sobre o poder do espírito humano, porque nós abríamos o cobertor para os outros cinco."

E com isso, ele levantou-se e disse: "Peguem seu cobertor. Leve-o de volta para os Estados Unidos e abra-o para cinco outras pessoas."

     
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