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Responsabilidade ecológica

 
  Pelo Rabino Chefe da Inglaterra, Professor Jonathan Sachs
 

Sufocando ao sol de verão no mês passado, era possível sentir o aquecimento global, não apenas pensar sobre ele. Uma coisa é ler sobre as geleiras derretendo nas montanhas distantes, e icebergs desprendendo-se no Ártico e na Antártida. Outra coisa é sentir o impacto sufocante do julho mais quente na Inglaterra desde o início dos registros em 1659.


Seis dos oito anos mais quentes já registrados ocorreram no ainda jovem Século Vinte e Um. Em 2003, a onda de calor em toda a Europa levou 30.000 vidas.

Foi um lembrete – se é que precisamos disso – dos limites estreitos dentro dos quais vivemos. No universo conhecido há trilhões de galáxias, cada qual com bilhões de estrelas. Porém, até agora conhecemos apenas um planeta, a Terra, capaz de suportar organismos vivos, principalmente aquela espécie dotada, o Homo sapiens, à qual pertencemos. Estamos danificando a atmosfera, de cujo equilíbrio delicado dependemos, numa velocidade irresponsável.

Numa conferência recente na Califórnia, o vice-presidente americano Al Gore abordou o peso avassalador do impacto do aquecimento global. Especialistas há muito debatem se isso realmente existe, mas a evidência cumulativa é difícil de negar. Seis dos oito anos mais quentes já registrados ocorreram no ainda jovem Século Vinte e Um. Em 2003, a onda de calor em toda a Europa levou 30.000 vidas.

As emissões de dióxido de carbono criam o efeito estufa, pelo qual o calor fica preso na atmosfera terrestre. À medida que a neve e o gelo derretem nos pólos da terra, menos luz do sol é refletida de volta. Condições de tempo enlouquecidas, incluindo furacões e tornados, tornam-se mais comuns. O nível dos mares se eleva. A vida se torna um sinistro reminiscente da história narrada na Bíblia sobre Nôach e o Dilúvio – um eco que pode ser encontrado em muitas literaturas antigas. Enfrentamos um risco global que clama por uma reação global.

É nesse ponto que precisamos reunir nossa sabedoria religiosa, bem como nossa inteligência científica. A Torá contém uma das primeiras legislações ambientais do mundo. Não destrua as árvores sob o pretexto de fazer guerra, diz Devarim. Deixe os campos descansarem a cada sete anos, ordena Vayicrá. Diversas outras proibições intrigantes – como misturar carne e leite ou semear cereal misturado – podem agora ser vistas como substantivas ou advertências ambientais simbólicas cuja mensagem é: respeite a integridade da natureza. Não ultrapasse os limites. Cada forma de vida tem seu papel a desempenhar na complexa ecologia da terra.


A Torá contém uma das primeiras legislações ambientais do mundo.

Uma das instituições mais poderosas no sentido de aumentar a conscientização é o Shabat bíblico, o lembrete semanal de que não somos apenas criadores; somos também criações. A proibição do trabalho estabelece limites à nossa liberdade de manipular e explorar recursos naturais. Os judeus observantes não dirigem no Shabat nem ligam aparelhos elétricos. O Shabat é um exemplo de autocontrole ecológico.

Existe uma expressão altamente significativa no segundo capítulo de Bereshit que se perde quando traduzida. Afirma que D'us "pegou o homem e o colocou no Jardim do Éden para trabalhar e tomar conta dele". No original hebraico, estes dois verbos são termos técnicos designando tipos específicos de responsabilidade.

A palavra traduzida como "trabalhar" na verdade significa "servir". É o termo que a Torá usa em outras partes para descrever o relacionamento entre a humanidade e D'us. Isso significa que dentro do mundo criado somos servos, não amos. O verbo traduzido como "tomar conta de" tem o sentido legal de vigilância. Não somos donos do mundo. D'us o colocou temporariamente aos nossos cuidados como guardiães para o benefício das futuras gerações.


Os judeus observantes não dirigem no Shabat nem ligam aparelhos elétricos. O Shabat é um exemplo de autocontrole ecológico.

A história da habitação humana na terra está marcada por capítulo após capítulo de destruição ecológica: de espécies caçadas até a extinção, terra trabalhada à exaustão, e recursos naturais usados até se esgotarem. O dano não é novo, mas seu ritmo e impacto é sem precedentes. Isso me recorda o discurso folclórico do político que disse: "Ontem estávamos à beira do abismo, mas hoje demos um enorme passo adiante!"

Há quinze séculos os Sábios do Judaísmo disseram que quando D'us fez o primeiro homem, levou-o para ver todas as árvores do Jardim do Éden. D'us disse a ele: "Veja como são lindas as Minhas obras. Tudo aquilo que Eu criei, fiz para você. Mas seja cuidadoso para não arruinar o Meu mundo, pois se o fizer, não há ninguém para arrumar o que você destruir." Como essas palavras soam fatídicas agora! Estamos consumindo hoje o amanhã de nossos filhos. Antes que seja tarde demais, devemos aprender hábitos ambientais de reverência, responsabilidade e moderação.

     
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