A ligação do Rebe com os judeus do Irã começou muitos anos atrás. O Rebe enviava emissários de tempos em tempos para despertar e dar atenção a todos os assuntos religiosos e isso era feito com certa frequência. Estes traziam consigo muitos objetos religiosos e livros, o que dava a todos renovado ânimo a respeito da religião. De maneira única lembramos o Rebe, como aquele que trouxe a cura antes da doença.
     
  Dois emissários e um livro
índice
   
 

Um ano antes da revolução islâmica, chegaram de repente dois emissários do Rebe para se ocupar exclusivamente da emigração das crianças judias do Irã. Organizaram e fizeram todos os preparativos e depois que viajaram, chegaram através do Rabino Yaacov Hecht, milhares de vistos americanos que possibilitaram a retirada de milhares de crianças. Através dessa campanha eles conseguiram tirar mais de 3.000 crianças judiais.

O recebimento dos vistos parou obviamente logo ao inicio da revolução. Porém com a ajuda de D'us conseguimos organizar, apesar de todas as portas fechadas, a retirada de jovens de 14 a 20 anos de forma clandestina. Assim, além das milhares de crianças que saíram com o visto, conseguimos retirar mais 2.700 jovens judeus.

Mas, além de todo o trabalho especial de Chabad, lembro-me especificamente de uma história impressionante que os judeus de Teerã e eu, principalmente, não esqueceremos por toda a nossa vida. Aproximadamente uma ano antes da revolução, chegaram ao Irã dois emissários do Rebe, trazendo consigo o livro Tanya, enviado especialmente para nós para que pudéssemos imprimi-lo no nosso país. Os dirigentes da comunidade decidiram imprimir o Tanya, uma edição com muitos exemplares, para que pudesse ser distribuída a todos os judeus da comunidade.

O livro foi enviado à gráfica e o processo da impressão demorou tanto, que a revolução estourou. Quando os dirigentes se reorganizaram, e eu, como responsável pela parte espiritual da comunidade, empenhei-me para tirar da gráfica todos os livros Tanya já impressos, e trazê-los para a biblioteca da comunidade. Foram armazenados, de forma não organizada, no salão principal da biblioteca.

     
  A lei da "purificação"
     
 

Naquela época o novo governo revolucionário decretou o que chamaram de "purificação". Isto significava que todo cidadão iraniano e todas organizações civis iranianas tinham o prazo de um mês para se desfazer de documentos, livros que possuíssem símbolos do reinado do Xá, brasões, etc.

O decreto determinou que a pessoa encontrada com um desses objetos, livros, etc., seria duramente penalizada. E se fosse descoberto que a preservação de tais objetos era proposital, a pena seria capital.

Nós, diretores da comunidade, estávamos diante de um dilema. Tínhamos em nosso poder o arquivo da comunidade, com mais de 100 anos de idade. A grande maioria desses documentos e dos livros ostentava o símbolo da coroa e o nome do Xá no cabeçalho. Tínhamos também muitas medalhas de ouro, especialmente confeccionadas pela comunidade, em comemoração à coroação do Rei e aos 2500 anos do reinado do Rei Ciro. Esta moeda tinha numa das faces o símbolo da menorá e no outro o brasão da coroa.

Se considerássemos o valor histórico, seria difícil concordarmos com a eliminação de tudo, dado o grande acervo que possuíamos. Porém, mesmo após concordar com o decreto por falta de opção, não havia tempo hábil para colocar em prática tal lei.

     
  O fiscal iraniano e o Tanya
   
  No fim do mês, antes que conseguíssemos colocar em prática essa determinação, meu secretário entrou de repente em meu escritório, avisando-me que dois fiscais do governo haviam chegado e gostariam de fazer uma inspeção no prédio para constatar se havíamos cumprido tal determinação.
   
 

Logo na entFiquei apavorado. Sabia que estava correndo grande perigo, bem como toda a comunidade judaica. Rezei o Vidui (última reza antes de morrer) e o Shemá Yisrael, preparando-me para o pior.

Quando os fiscais entraram na minha sala, eu tremia de medo; tive a idéia de repente, quando pediram para começar a busca, de levá-los em primeiro lugar à biblioteca.

rada da biblioteca, o que mais se destacava eram as pilhas de livros, jogados sem nenhum critério. Um dos fiscais abaixou-se e apanhou um desses livros, por acaso o Tanya.

Perguntou-me que livro era aquele. Contei-lhe sobre o autor do livro, e também sobre o movimento Chabad e o Baal Shem Tov, fundador do movimento chassídico, dizendo que esse livro era a base do movimento.

Abriu o livro e pediu que eu lhe explicasse o que estava escrito na página que abrira. Traduzi e expliquei tudo a ele, do inicio ao fim. Quando terminei, o fiscal fechou o livro, beijou-o, e em voz alta disse: "Um local que tenha livros como este, e uma pessoa responsável por tal local, não precisa de mais nada".

Estávamos como que delirando. Quando me acalmei um pouco, disse a ele que se ele assinasse nosso livro de visitas, seria para nós uma grande honra. O fiscal concordou imediatamente e escreveu no livro: no dia tal e tal, visitei os escritórios da comunidade judaica, constatando que tudo está conforme determina a lei.

No Shabat seguinte, na sinagoga, toda a comunidade festejou esse milagre da salvação pelo mérito do santo livro Tanya.

Passou-se muito tempo até que eu saísse do Irã e vim a Nova York pela primeira vez. Fui visitar o Rabino Yaacov Hecht - que havia organizado, em nome do Rebe, a salvação das crianças, e ele levou-me a um Farbrenguen (encontro chassídico). No dia seguinte tive uma audiência particular com o Rebe, e esse dia foi o mais importante e feliz de toda a minha vida, não tenho como descrever os meus sentimentos.

Naquela ocasião, dei ao Rebe o Sidur que eu traduzi para o persa e o Rebe o recebeu calorosamente, com muito amor e carinho, agradecendo-me e desejando que eu pudesse imprimir muitas coisas boas como esta. Pedi ao Rebe que orasse pelos judeus do Irã, tanto os que ainda lá permaneciam, como também pela situação espiritual dos que já haviam saído. O Rebe deu então sua bênção. Na segunda edição do Sidur traduzido, descrevi na introdução meu encontro comovente com o Rebe.

     
  Mais uma história de salvação
     
 

Isso ocorreu no segundo ano da revolução. Estavam na prisão, naquela época, os famosos reféns da embaixada americana. Após várias tentativas diplomáticas, uma comissão especial da ONU conseguiu entrar no país; esta comissão incluía três padres e um rabino. O rabino no caso era Avraham Hershberg, do México. Como responsável espiritual pela comunidade, fui designado para acompanhá-lo.

Rabino Hershberg me contou o seguinte fato interessante. Três meses atrás, no inicio do ano judaico (Tishrei) ele fora visitar o Rebe, dizendo então que gostaria de viajar ao Irã para que pudesse auxiliar os judeus que lá se encontravam.

O Rebe, contou Rabino Hershberg, encorajou-o muito, dando-lhe várias missões. Por fim, disse-lhe para não esquecer de lá acender as velas de Chanucá.

Rabino Hershberg escutou essas palavras com grande espanto. Chanucá ainda seria três meses adiante, e seu plano era viajar por uma ou duas semanas, voltando para casa bem antes de Chanucá. Porém, ele já estava habituado a receber do Rebe missões estranhas como esta, que a princípio não conseguira entender.

No último instante antes de viajar, o governo iraniano cancelou a permissão recebida e assim se passaram dois meses. De repente, dois dias antes de Chanucá, ele recebeu um comunicado: uma delegação da ONU conseguira permissão para visitar os reféns americanos; se quisesse visitar a comunidade do Irã, ele poderia fazer parte dessa delegação.

Quando chegaram ao Irã, os padres receberam permissão para visitar os presos americanos na noite de Natal. A noite de Natal naquele ano coincidiu com a primeira noite de Chanucá e o Rabino Hershberg solicitou se poderia acompanhar os padres que estariam visitando a prisão, já que a festa de Chanucá era na mesma data; quem sabe entre os prisioneiros houvesse algum judeu. As autoridades concordaram, e Rabino Hershberg descobriu que havia 3 judeus entre os prisioneiros. Não há palavras no dicionário que possam descrever a alegria que sentiram ao encontrar o rabino. Após tirar da maleta uma linda chanukiyá, este acendeu com eles as velas de Chanucá e sentiu que naquele momento estava cumprindo uma missão "inexplicável" dada pelo Rebe.

Dois dias após o ocorrido, uma sexta-feira, na praça central de Teerã houve uma grande cerimônia religiosa com a presença de Khomeini. Nessa ocasião, mais de 1 milhão de pessoas participaram. Após a visita ao presidio com os padres, o rabino tornou-se parte oficial da delegação - e foram convidados pelas autoridades a ficarem sobre o palanque das autoridades durante as orações. Eu, como acompanhante oficial do Rabino Hershberg, também estava lá, mas fiquei num canto do palco. Durante a cerimônia religiosa os mulçumanos se ajoelham e curvam-se várias vezes. A cena era singular. Um milhão de pessoas, inclusive todos em cima do palco, se ajoelhando e se curvando. O único homem do palco que manteve todo o tempo a sua postura, de forma destacada, que não se curvou e nem se ajoelhou foi o Rabino Hershberg.

Após a reza aproximou-se de mim um oficial religioso mulçumano e me perguntou porque o Rabino Hershberg não se ajoelhara e se curvara durante a reza, como todos, inclusive os padres. Respondi que não tinha autoridade para responder e que deveria fazer a pergunta diretamente ao Rabino Hershberg. Traduzi a pergunta para o Rabino Hershberg e ele respondeu: diga a eles em meu nome as seguintes palavras: "Sou um judeu e acredito nas Leis de Moisés, onde consta: 'não ajoelharás diante dele e não servirá'. Não entendo o que foi dito na vossa reza e não sabia em quais palavras vocês estavam se ajoelhando. Como para mim isso é profano, então eu estava proibido de me curvar. Os padres com certeza entenderam sua reza e portanto se curvaram e se ajoelharam."

   
  Dois encontros com Khomeini
   
 

Eu traduzi para o oficial religioso mulçumano e em seguida ele se aproximou de Khomeini. Após alguns minutos, ele voltou e disse que gostaria de conhecer o Rabino Hershberg. Aproximei-me de Khomeini, junto com Rabino Hershberg - com tanto pavor que minhas pernas tremiam. Khomeini pediu que dissesse ao rabino que este o havia conquistado com sua resposta, até porque ele demonstrou não ser um bajulador. Traduzi a resposta para o Rabino e ele me pediu para dizer a Khomeini: "Já que obtive esse mérito, gostaria muito de ter um breve encontro com ele."

Traduzi as palavras do Rabino para Khomeini, que se virou para seu filho Mohamad a seu lado e disse-lhe: " na segunda-feira estarei na minha residência na cidade de Kum; agende uma visita do rabino

Quando chegamos na segunda-feira à residência de Khomeini na cidade de Kum, de repente houve um ataque terrorista do grupo Mujadeim e eles começaram a atirar para todos os lados (foi uma tentativa famosa de matar Khomeini). Derrubei depressa o Rabino Hershberg e deitei-me sobre ele. Foi uma matança terrível, com dezenas de mortos e feridos. Mas graças a D'us os mensageiros de mistvot não foram prejudicados e saímos ilesos. Ao entrarmos para nossa audiência com Khomeini, este achou que não era a hora certa para conversarmos, pois Khomeini estava muito tenso e assustado. Pediu se poderíamos marcar uma outra audiência e seu pedido foi aceito.

Falamos com ele numa residência em Teerã dois dias mais tarde. Rabino Hershberg pediu que a perseguição contra os judeus acabasse. Disse a Khomeini que todo judeu que fosse encontrado com um talit ou algo com um símbolo com a estrela de David era acusado de ter em seu poder um símbolo sionista e seu destino era amargo. Por causa disso, muitos foram mortos. Não há nenhuma ligação entre a estrela de David e o sionismo, disse Rabino Hershberg. Assim continuou sua conversa, pedindo que os judeus no Irã não fossem discriminados. Khomeini prometeu que isso não se repetiria e que ainda naquela semana ele mandaria uma carta a todos oficiais religiosos dizendo que nada fosse feito contra os judeus encontrados com uma estrela de David; que eles possam seguir sua religião sem que sejam incomodados.

É bom notar que Khomeini cumpriu sua promessa. A tal ponto que meses mais tarde, foi decretado um toque de recolher em Teerã; qualquer um que saísse a noite seria morto. As autoridades anunciaram que os judeus portando talit ou tefilim poderiam sair às 4 horas da madrugada, para fazer a reza diária de Selichot no mês de Elul.

   
  Uma forte impressão sobre milhares de judeus
   
  No Shabat após o encontro com Khomeini, avisei a todos em nome da diretoria da comunidade, que Rabino Hershberg faria suas preces na sinagoga principal. A notícia do encontro com Khomeini chegou aos ouvidos dos judeus e quando chegamos à sinagoga para a reza de Cabalat Shabat, todas as ruas pelo caminho estavam lotadas com milhares de judeus. Com muita dificuldade, conseguimos passagem para que o Rabino Hershberg chegasse à sinagoga, tamanha era a multidão nas ruas. Rabino Hershberg subiu na Bimá e contou aos judeus sobre sua "missão misteriosa" do Rebe para acender as velas de Chanucá e todos os sucessos e milagres que vieram depois. "Encontramo-nos em um país em que o slogan é Allah Akhbar, cuja tradução para o hebraico é Hashem hu Haelokim (parte das preces do Yom Kipur). Com isso, temos algo em comum, portanto caros judeus não precisam ficar assustados." As suas palavras calorosas e muito animadoras deixaram uma forte impressão que jamais será esquecida por milhares de judeus.
   
 
Judeus no Irã em anos recentes
Quando Khomeini subiu ao poder em 1979, viviam no país aproximadamente 100.000 judeus. Desde então, a maioria saiu, principalmente para os Estados Unidos e também para Israel, onde hoje encontra-se a maior comunidade de judeus iranianos.No Irã, restaram aproximadamente 27.000 judeus, embora o governo de Teerã demonstre franca hostilidade a Israel. O Irã é o país muçulmano com maior número de judeus. Um dos motivos é que durante anos, muitos não receberam permissão para emigrar além das fronteiras do país.
   
 
top