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A história
de Don Joseph Nassi é fascinante. É rica em aventura, coragem
e resistência, mas também nos traz à mente a vida
trágica que os judeus tinham naqueles tempos, quase no fim da Idade
Média.
Joseph nasceu na Espanha, quando a cruel Inquisição estava
no poder. Os judeus não tinham permissão de rezar segundo
a fé dos seus pais. A maioria daqueles que desejavam permanecer
fiéis à sua fé – e isso incluía quase
todos os judeus espanhóis – tinham sido expulsos em 1492.
Algumas famílias, no entanto, tinham fingido aceitar o Catolicismo,
e tiveram permissão de ficar. Secretamente, num temor constante
da Inquisição, eles praticavam e observavam os costumes
e a fé judaica. Dentre eles estava a família de Nassi, que
tinha mudado o nome para Mendez.
A família consistia de três irmãos. O mais jovem era
o pai de Joseph. Ele faleceu quando Joseph ainda era criança. O
órfão foi criado por dois tios que tinham adotado nomes
espanhóis, Francesco e Diego. Considerando insuportável
a vida na Espanha, os dois irmãos fugiram para Lisboa, Portugal,
levando com eles o sobrinho. Eles também conseguiram salvar sua
enorme fortuna.
Em Portugal eles também tinham de fingir que não eram judeus,
mas em segredo se apegavam ardorosamente à sua fé, e assim
criaram seu sobrinho Joseph.
O menino aprendeu sobre a grandeza de seus ancestrais, e junto com os
tios ele nutria a esperança de que um dia eles poderiam se livrar
daquele odioso disfarce e voltar abertamente à fé de seus
antepassados. Assim poderiam devotar a vida a ajudar seus irmãos
pobres e indefesos que viviam num mundo hostil.
Os membros da família Mendez eram banqueiros de reputação
mundial. Eles abriram uma filial de seu banco na Antuérpia com
a ajuda de um membro da família, Rabi Abraham Benveniste. A vida
era mais fácil para os judeus na Antuérpia, e a família
Mendez acreditava que talvez um dia tivesse de procurar refúgio
ali. Este dia não tardou a chegar. A temida Inquisição
começou a espalhar-se também em Portugal, tornando a vida
insuportável para os marranos. A família Mendez decidiu
mudar-se para Antuérpia. Nesse meio tempo Francesco, o irmão
mais velho, faleceu. Sua esposa, Donna Gracia, mulher inteligente e famosa,
assumiu a gerência dos negócios da família e a casa
bancária. Sob seus cuidados e carinho, o jovem Joseph cresceu como
um homem de educação refinada e atitude gentil.
Logo após estabelecer-se em Antuérpia, o último dos
irmãos Nassi-Mendez, Diego, também faleceu. Don Joseph Nassi
Mendez agora já tinha idade suficiente para assumir a administração
da grande casa bancária, que tinha renome mundial. No decorrer
dos seus negócios Don Joseph fazia contato com a mais alta nobreza
e até casas reais de muitos países europeus. Seu encanto
pessoal e sua sabedoria lhes eram muito úteis. O Rei da França
pediu uma grande quantia emprestada ao banco Mendez. Outro cliente era
a Rainha Mary, regente da Holanda (irmã do Imperador Charles V),
que concedeu muitas honrarias a Don Joseph.
Porém Don Joseph e sua tia não acreditavam estar em segurança.
A Inquisição tinha longos braços. Seus agentes eram
ativos também na Bélgica, mantendo os marranos aterrorizados.
A família Mendez detestava aquele disfarce. Secretamente, tinham
fundado sua própria sinagoga e apoiavam os refugiados da Espanha
e Portugal.
No decorrer dos seus negócios, a família Mendez teve a oportunidade
de aprender como os judeus viviam nos diferentes países. Assim,
souberam que no Império Otomano, sob o domínio dos príncipes
muçulmanos, os judeus viviam melhor que em outros lugares. Os judeus
estavam entre os conselheiros mais respeitados do Sultão, e os
mercadores judeus gozavam de grande liberdade.
Donna Gracia e Don Joseph Nassi decidiram se mudar para a Turquia, onde
teriam permissão de voltar abertamente à fé dos seus
ancestrais.
Não foi fácil cumprir esta decisão. Foram necessários
muitos anos para organizar os negócios de modo a poderem deixar
Antuérpia sem provocar uma ruína financeira. Mesmo assim,
isso lhes custou uma boa parte da sua fortuna, até conseguirem
se mudar para Veneza em 1549. Eles tinham mantido seus planos sob o mais
estrito sigilo, mas fosse como fosse, Charles V tinha suspeitado. Ele
estava a ponto de abocanhar toda a fortuna dos Mendez, quando Don Joseph
e sua tia conseguiram escapar para Antuérpia na calada da noite,
levando com eles grande parte de seus bens e ativos financeiros.
Chegaram sãos e salvos a Veneza, sob os nomes falsos de Juan Miguel
e Beatrice de Luna. Ali eles tentaram ajudar seus desafortunados irmãos
judeus a comprar uma das ilhas próximas a Veneza. Porém,
através de uma declaração descuidada feita por um
parente de Donna Gracia, sua identidade tornou-se conhecida. Não
era mais segredo que a família Nassi-Mendez praticava secretamente
o Judaísmo e Donna Gracia foi presa e teve toda sua fortuna confiscada.
Don Joseph, com o restante da família, conseguiu escapar para Ferrara,
que era governada pelo bondoso Duque D'Este.
Houve uma comoção geral nos altos círculos de muitos
países quando a história de Donna Gracia e Don Joseph tornou-se
conhecida. O Rei da França, que devia ao banco dos Mendez uma enorme
quantia em dinheiro, declarou seu débito anulado; ele tinha emprestado
dinheiro de 'cristãos", disse ele, e não de judeus.
Outras pessoas importantes que tinham recebido empréstimos da casa
bancária Mendez fizeram a mesma coisa vergonhosa.
Na época Don Joseph tinha assuntos mais importantes a tratar que
se preocupar com seus devedores faltosos. Mandou chamar seu bom amigo
Rabi Moshe Hamon, médico particular do grande Sultão Suleiman,
pedindo-lhe que implorasse ao Sultão para salvar Donna Gracia.
Suleiman percebeu como seria bom para seu país ter estes nobres
judeus em seu meio. Enviou um embaixador a Veneza e ameaçou atacar
se Donna Gracia e sua fortuna não fossem liberadas.
O Conselho de Veneza libertou Donna Gracia de imediato, porém demorou
dois anos para devolver os tesouros confiscados da família Mendez.
Enquanto isso, a família inteira voltou à fé judaica,
e livrou-se dos nomes falsos. Muitas outras famílias de marranos
que viviam perto deles seguiram o exemplo. O duque, justo e liberal, os
protegia, e não deixaria que a Inquisição cumprisse
sua obra infame no seu domínio. Em 1552 toda a comunidade dos outrora
marranos fretou navios e foram para as terras hospitaleiras da Turquia.
Uma nova vida começou para Don Joseph na Turquia. Não mais
como Don Juan Miguel ou Mendez como era conhecido antes, mas sob seu próprio
nome judaico. Joseph Nassi, o brilhante jovem banqueiro, casou-se com
sua prima, a bondosa e justa Reyna, filha de Donna Gracia. Não
demorou muito para ele reassumir seus negócios internacionais que
tinham sido interrompidos após sua fuga da Antuérpia. Excelentes
cartas de apresentação, reforçadas pela sua personalidade
cativante, abriram para ele as portas de todas as pessoas influentes na
Turquia, incluindo a corte do Sultão Suleiman.
Don Joseph Nassi já tinha corrido riscos demais no ramo bancário,
e transformou seus negócios em comércio. Criou uma próspera
empresa de importação e exportação entre os
países do Velho e do Novo Mundo. O Sultão logo notou o grande
gênio deste novo súdito e dedicava-lhe muita atenção.
Don Joseph usou sua influência com o Sultão para ajudar seus
irmãos que estavam sofrendo muito sob as perseguições,
encorajadas pelo Papa Paulo IV em Roma.
Surgiu uma grande amizade entre Don Joseph e o Príncipe Selim,
filho mais velho do Sultão. Quando Bayazhid, filho mais novo do
Sultão, começou a tramar para conseguir a sucessão
ao trono, Don Joseph apoiou Selim. Além disso, conseguiu persuadir
o Sultão que a causa de Selim era justa. Na guerra que irrompeu
entre os dois irmãos, Bayazhid foi derrotado e fugiu para a Pérsia.
Ali ele e seus filhos foram assassinados, e a sucessão ao trono
foi decidida enquanto Suleiman ainda estava vivo e no controle total de
seu grande império.
Selim, vitorioso, ficou grato a Don Joseph e o fez membro de sua Guarda
de Honra. Persuadiu o Sultão, seu pai, a conceder a Don Joseph
um pedaço de terra ao redor do Lago Tiberíades na Terra
Santa, que estava sob o governo do Sultão.
Don Joseph sempre tinha esperado fazer algo substancial para ajudar seus
irmãos perseguidos, e agora viu esta oportunidade. Decidiu transformar
o presente do Sultão num local de refúgio para judeus em
busca de um lar. Enviou seu amigo de confiança Joseph ibn Adreth
(descendente de Rabi Shlomoh ibn Adreth) a Tiberíades, para organizar
ali uma colônia de judeus. Enviou um chamado a todos os judeus perseguidos
para irem ao novo assentamento e ali construírem um lar. Ofereceu
seus próprios navios para transportá-los.
Um grupo de judeus de Campagna, que tinham sofrido perseguição
e exílio, respondeu de bom grado. Mas embora tivessem sofrido com
o ódio, e pensassem que seus inimigos estivessem felizes por se
ver livre deles, foram impedidos de emigrar. Muitos, porém, conseguiram
uma maneira de viajar ao porto prometido. Porém naqueles tempos
eram enormes os perigos da viagem para judeus indefesos. A pirataria dominava
os grandes mares, e muitos caíam nas mãos de piratas e eram
vendidos como escravos. Este, por exemplo, foi o destino de 102 judeus
de Pesaro que estavam a caminho de Tiberíades quando foram capturados
por piratas e mantidos como reféns em troca de um resgate.
Don Joseph Nassi conseguiu libertar a maior parte deles, mas o plano de
forma geral teve este e outros obstáculos, e não foi muito
bem-sucedido. Uma das dificuldades foi prover um meio de sustento para
os novos colonos. Don Joseph tentou fundar uma indústria da seda
ali, com a plantação de amoreiras (árvores nas quais
os bichos da seda se alimentam). Outro problema foi a violenta inimizade
de um xeque árabe vizinho que apregoava que o estabelecimento da
colônia judaica colocaria o Islã em perigo. Por este motivo,
o projeto terminou por fracassar.
O auge da carreira diplomática e comercial de Don Joseph foi quando
seu amigo Selim II tornou-se Sultão com a morte do pai. Um dos
primeiros atos oficiais do novo Sultão foi retribuir os serviços
leais de seu amigo judeu. Nomeou Don Joseph como Duque da Ilha de Naxos.
Diversas outras ilhas foram concedidas a ele como propriedade. As ilhas
eram habitadas por cristãos gregos, e Don Joseph não estava
ansioso por residir entre eles. Delegou um amigo seu como governador das
ilhas, enquanto ele próprio morava no lindo castelo Belvedere em
Constantinopla, a capital do Império Otomano.
Don Joseph Nassi tinha grande influência sobre Selim II, embora
o grão-vizir Sokolli, um bósnio de caráter duvidoso,
fizesse todo o possível para contrariá-lo em tudo, e para
minar a confiança do Sultão em seu conselheiro judeu. Os
governantes da Europa logo perceberam a grande importância de Don
Joseph no poderoso império do Sultão e buscavam sua amizade.
Assim, o Imperador Maximiliano II procurou selar a paz com o Sultão
e instruiu seu embaixador a conquistar as boas graças de Don Joseph.
Não somente Don Joseph recusou todos os subornos, como ainda concedeu
um empréstimo pessoal ao embaixador.
Outro monarca que estabeleceu relações de amizade com Don
Joseph Nassi foi o Rei Sigismundo da Polônia. Graças a esta
amizade, o Rei da Polônia tratava seus súditos judeus com
bondade.
Don Joseph tentava agora recuperar o dinheiro que tinha emprestado ao
Rei da França. Este se recusara a pagar depois que Don Joseph retornará
à fé judaica. O Sultão Selim deu permissão
a Don Joseph para abordar todos os navios que portassem a bandeira francesa
e confiscar suas mercadorias. O Rei da França, furioso, instruiu
seu embaixador a tramar a queda de Don Joseph.
Grandchamp, um dos mais inescrupulosos diplomatas, quase conseguiu, através
de suborno e mentiras, arruinar Don Joseph. A trama consistia em fazer
Don Joseph parecer culpado de alta traição e de conspirar
contra o Sultão. Felizmente, Don Joseph pôde provar que todas
as acusações eram falsas, e sua amizade com o Sultão
não se alterou.
Após a morte do amigo Sultão Selim II, a sorte de Don Joseph
mudou. O novo governante era o cruel Murat, que estava sob a influência
do pior inimigo de Don Joseph, Mohammed Sokolli. Os serviços de
Don Joseph não eram mais exigidos pelo novo Sultão, e Don
Joseph retirou-se a uma vida pacífica de estudo e boas ações
em seu lindo castelo de Belvedere.
Don Joseph apoiava a yeshivá em Constantinopla, que tinha sido
fundada por sua tia Donna Gracia. Ele estabeleceu uma imprensa judaica
em sua casa, que passou a publicar muitas obras importantes. Sua extensa
biblioteca estava aberta a todos os eruditos. Muitos desses estudiosos
eram seus hóspedes e eram sustentados por ele.
Don Joseph escreveu uma defesa da religião judaica em espanhol,
que depois foi traduzida ao hebraico por um de seus protegidos, sob o
título "Ben Poroth Joseph".
Quando Don Joseph Nassi, Duque de Naxos, faleceu em Constantinopla no
verão de 1579, todo o mundo judaico lamentou sua morte. Somente
uma pessoa ficou contente com a morte deste grande homem. Foi o Sultão.
Ele confiscou toda a fortuna do falecido estadista que tanto fizera não
apenas por seus irmãos, como também pelo país em
geral. Até a viúva de Don Joseph, a generosa Reyna, teve
de deixar o lindo castelo. A imprensa hebraica fundada por Don Joseph
foi fechada.
Assim, a morte de Don Joseph colocou um fim à obra de sua vida,
mas a lembrança de seus grandes feitos, e a honra que ele desfrutou,
permanecem através dos tempos.
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