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  Diferença, Anti-Semitismo e o Choque de Civilizações
  Rabino Jonathan Sacks, Rabino-Chefe da Inglaterra
 

Quando as civilizações se chocam, judeus morrem. Assim tem sido durante a maior parte da história ocidental. Por que, de uma ou de outra forma, o anti-semitismo é o "ódio mais duradouro"? O que isso nos diz sobre o choque de civilizações como um todo?

Se pensarmos no anti-semitismo como uma crença, isso permanecerá para sempre um mistério. Não é uma crença; é uma série de contradições. Nos séculos dezenove e vinte, os judeus eram odiados porque eram ricos e porque eram pobres; porque eram capitalistas e porque eram comunistas; porque ficavam na deles e porque se infiltravam em toda parte; porque acreditavam numa fé antiga e porque eram cosmopolitas sem raízes que não acreditavam em nada. Não é uma crença. Então o que é?

Centenas, se não milhares, de livros têm sido escritos sobre as causas do anti-semitismo. No entanto, a explicação mais simples – que encerra todas as outras – foi dada no Livro de Esther por Haman, um dos primeiros a tentar o genocídio contra o povo judeu: "Existe" – disse ele – "um certo povo disperso e espalhado entre os povos… cujas leis são diferentes daquelas de todos os outros povos."


O desafio para a humanidade é como, nesta era ainda não messiânica, podemos viver pacificamente juntos, apesar das diferenças.

O anti-semitismo é o caso típico: os judeus foram odiados porque eram diferentes.

Para ter certeza, toda nação é diferente. Os judeus, no entanto, eram inusuais no sentido de que estavam preparados para lutar e se necessário morrer pelo direito (e dever) de ser diferente. Como uma minoria solitária entre os povos, os judeus resistiram à assimilação para a cultura dominante ou a se converteram à fé dominante. No quarto século, Augustine não conseguiu reprimir uma nota de assombro perante este fenômeno:

"É um fato dos mais notáveis que todas as nações subjugadas por Roma adotaram as cerimônias do culto romano; porém a nação judaica, seja sob monarcas pagãos ou cristãos, jamais perdeu o sinal de sua lei, pela qual se distingue de todas outras nações e povos. "

Posteriormente, Rousseau escreveu ainda com maior eloqüência:

"Um espetáculo surpreendente e singular é ver um povo expatriado, que não teve um lugar ou país por quase dois mil anos… um povo espalhado, disperso pelo mundo, escravizado, perseguido, zombado por todas as nações, e apesar disso preserva suas características, leis e costumes quando todos os laços parecem rompidos. Os judeus nos proporcionam um espetáculo assombroso; as leis de Numa, Licurgo, Solon estão mortas; as leis muito mais antigas de Moshê ainda estão vivas. Atenas, Esparta, Roma, pereceram e não têm mais filhos nessa terra; Tzion, destruído, não perdeu seus filhos.

"Como deve ser a força da legislação capaz de operar tamanhas maravilhas, capaz de conquistas corajosas, dispersões, revoluções, exílios, capaz de sobreviver aos costumes, leis e impérios de todas as nações, e que finalmente lhes promete que, com estas provações, os sustentará a todos, para conquistar as vicissitudes das coisas humanas, e durará tanto quanto o mundo?
"Qualquer homem, seja ele quem for, deve reconhecer isso como uma maravilha única, cujas causas, humanas ou divinas, certamente merecem o estudo e admiração dos sábios, de preferência a todos que a Grécia e Roma oferecem, daquilo que é admirável na maneira de instituições políticas e estabelecimentos humanos."

Os judeus foram convocados por D’us para muitas coisas: tornar-se um reino de sacerdotes e uma nação sagrada, serem testemunhas de D’us e o meio através do qual Sua luz se reflete no mundo. Por promover a fidelidade em tempos de promiscuidade, por justiça quando o poder usurpou o direito, e por compaixão quando a justiça tornou-se desumana. Não menos que estas acusações, porém, tem sido representar em seu próprio ser a dignidade da diferença em épocas dominadas por impérios com aspirações universais. Isso levou a cinco confrontações – com os impérios Alexandrino e Romano, com o Cristianismo e o Islã medievais, e com o Iluminismo europeu. O primeiro culminou no brutal reinado de Antíoco IV, o segundo na destruição do Segundo Templo, o terceiro e quarto nas perseguições religiosas da Idade Média. O quinto atingiu seu desenlace no Holocausto.

Como o anti-semitismo é o caso exemplar de ódio à diferença, e como a diferença (singularidade, impossibilidade de substituir) é essencial ao nosso conceito de pessoa (e assim da santidade da vida humana) – um ataque aos judeus – ou a qualquer outro grupo étnico ou religioso – é um ataque à humanidade. Sua cura virá somente quando aprendermos a respeitar e reconhecer a dignidade da diferença.

Existem aqueles que, compreensivelmente, acreditam que o anti-semitismo é inevitável e incurável e que qualquer tentativa de se cuidar dele (que não seja a autodefesa) está destinada a falhar. No entanto, se isso fosse verdade, ofereceríamos todas as nossas preces para a paz – e praticamente não há uma prece judaica que não termine com um pedido pela paz – inútil e em vão.

A reação básica para a falta de harmonia no mundo e no Judaísmo é que uma multiplicidade de forças está exercendo sua influência simultaneamente. A antiga maneira de escolher um caminho e segui-lo pacientemente não pode mais prevalecer. Temos de ir além disso: abranger todos os caminhos e integrá-los numa harmonia completa e segura.

Vejo na matança sustentada contra Israel e no crescente anti-semitismo global – comunicado pela moderna tecnologia mas dirigida por um ódio tão velho como o tempo – um perigo claro e presente a todos nós. O ataque pode começar com judeus mas nunca termina com judeus. Porque, no decorrer dos tempos, os judeus têm sido odiados por serem diferentes, e como a diferença é a condição básica de toda a humanidade, o anti-semitismo é em última análise um ataque à própria humanidade.

A melhor cura para o ódio à diferença é o princípio de que "os piedosos das nações do mundo terão seu quinhão no Mundo Vindouro". Isso significa que a salvação de outros (e portanto seus direitos iguais e sua dignidade) não dependem do fato de eles partilharem minha fé. Esta é a única alternativa irrefutável à teologia "super-sessionista" ou "de substituição": a idéia de que uma religião possa substituir, desbancar ou superar outra. Este pensamento tem manchado as páginas da história com sangue derramado em nome de D’us. Aliada às armas de destruição em massa, ela põe em risco o futuro da vida humana sobre a terra.

Ao fazer um pacto com o povo judeu ("o povo que mora sozinho"), D’us propôs dois desafios à humanidade; um para os judeus, outro para as nações em cujo meio eles vivem. D’us pediu aos judeus para terem a coragem de ser diferentes. Pediu aos não-judeus para terem a generosidade de espírito de fazer espaço para a diferença. O desafio a ambos é como, nesta era ainda não messiânica, podemos viver pacificamente juntos apesar das diferenças.

Deixo a palavra final para Maimônides. Um dos maiores conflitos das civilizações na História Judaica foi aquela dos Macabeus contra os Gregos Selêucidas, comemorada todos os anos na Festa de Chanucá. Dizemos em nossas preces que foi um triunfo de poucos contra os muitos, do fraco contra o forte. Permitiu aos judeus rededicarem seu Templo e recuperar sua liberdade religiosa e soberania política. A ordem de acender luzes em Chanucá é tão preciosa que "mesmo que alguém não tenha comida, exceto aquela que recebe por caridade, deve mendigar – ou vender suas roupas para comprar – azeite e lamparinas, e acendê-las."

Surge porém a questão: quando alguém se encontra apenas com óleo suficiente para uma luz na tarde da sexta-feira. Deve acendê-la como luz de Chanucá ou como uma vela de Shabat?
Maimônides decreta o seguinte:

Se um homem pobre precisa de óleo tanto para a lâmpada do Shabat quanto para a lâmpada de Chanucá, a do Shabat tem prioridade, pelo mérito da paz no lar, pois até mesmo um nome Divino pode ser apagado para promover a paz entre marido e mulher. Grande é a paz, pois todo o propósito da Torá é trazer paz ao mundo, como está escrito: (Mishlê 3:17): "Seus caminhos são caminhos agradáveis, e todas suas trilhas são de paz."

       
  Estes princípios estão baseados nos textos sagrados da Torá, do Talmud e da Lei Judaica, com os comentários dos Rebes de Chabad em referência ao Holocausto.
       
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