|
Quando
as civilizações se chocam, judeus morrem. Assim tem sido
durante a maior parte da história ocidental. Por que, de uma ou
de outra forma, o anti-semitismo é o "ódio mais duradouro"?
O que isso nos diz sobre o choque de civilizações como um
todo?
Se pensarmos no anti-semitismo como uma crença, isso permanecerá
para sempre um mistério. Não é uma crença;
é uma série de contradições. Nos séculos
dezenove e vinte, os judeus eram odiados porque eram ricos e porque eram
pobres; porque eram capitalistas e porque eram comunistas; porque ficavam
na deles e porque se infiltravam em toda parte; porque acreditavam numa
fé antiga e porque eram cosmopolitas sem raízes que não
acreditavam em nada. Não é uma crença. Então
o que é?
Centenas, se não milhares, de livros têm sido escritos sobre
as causas do anti-semitismo. No entanto, a explicação mais
simples – que encerra todas as outras – foi dada no Livro
de Esther por Haman, um dos primeiros a tentar o genocídio contra
o povo judeu: "Existe" – disse ele – "um certo
povo disperso e espalhado entre os povos… cujas leis são
diferentes daquelas de todos os outros povos."
O
desafio para a humanidade é como, nesta era ainda não
messiânica, podemos viver pacificamente juntos, apesar das
diferenças.
|
O anti-semitismo
é o caso típico: os judeus foram odiados porque eram diferentes.
Para ter certeza, toda nação é diferente. Os judeus,
no entanto, eram inusuais no sentido de que estavam preparados para lutar
e se necessário morrer pelo direito (e dever) de ser diferente.
Como uma minoria solitária entre os povos, os judeus resistiram
à assimilação para a cultura dominante ou a se converteram
à fé dominante. No quarto século, Augustine não
conseguiu reprimir uma nota de assombro perante este fenômeno:
"É um fato dos mais notáveis que todas as nações
subjugadas por Roma adotaram as cerimônias do culto romano; porém
a nação judaica, seja sob monarcas pagãos ou cristãos,
jamais perdeu o sinal de sua lei, pela qual se distingue de todas outras
nações e povos. "
Posteriormente, Rousseau escreveu ainda com maior eloqüência:
"Um espetáculo surpreendente e singular é ver um povo
expatriado, que não teve um lugar ou país por quase dois
mil anos… um povo espalhado, disperso pelo mundo, escravizado, perseguido,
zombado por todas as nações, e apesar disso preserva suas
características, leis e costumes quando todos os laços parecem
rompidos. Os judeus nos proporcionam um espetáculo assombroso;
as leis de Numa, Licurgo, Solon estão mortas; as leis muito mais
antigas de Moshê ainda estão vivas. Atenas, Esparta, Roma,
pereceram e não têm mais filhos nessa terra; Tzion, destruído,
não perdeu seus filhos.
"Como deve ser a força da legislação capaz de
operar tamanhas maravilhas, capaz de conquistas corajosas, dispersões,
revoluções, exílios, capaz de sobreviver aos costumes,
leis e impérios de todas as nações, e que finalmente
lhes promete que, com estas provações, os sustentará
a todos, para conquistar as vicissitudes das coisas humanas, e durará
tanto quanto o mundo?
"Qualquer homem, seja ele quem for, deve reconhecer isso como uma
maravilha única, cujas causas, humanas ou divinas, certamente merecem
o estudo e admiração dos sábios, de preferência
a todos que a Grécia e Roma oferecem, daquilo que é admirável
na maneira de instituições políticas e estabelecimentos
humanos."
Os judeus foram convocados por D’us para muitas coisas: tornar-se
um reino de sacerdotes e uma nação sagrada, serem testemunhas
de D’us e o meio através do qual Sua luz se reflete no mundo.
Por promover a fidelidade em tempos de promiscuidade, por justiça
quando o poder usurpou o direito, e por compaixão quando a justiça
tornou-se desumana. Não menos que estas acusações,
porém, tem sido representar em seu próprio ser a dignidade
da diferença em épocas dominadas por impérios com
aspirações universais. Isso levou a cinco confrontações
– com os impérios Alexandrino e Romano, com o Cristianismo
e o Islã medievais, e com o Iluminismo europeu. O primeiro culminou
no brutal reinado de Antíoco IV, o segundo na destruição
do Segundo Templo, o terceiro e quarto nas perseguições
religiosas da Idade Média. O quinto atingiu seu desenlace no Holocausto.
Como o anti-semitismo é o caso exemplar de ódio à
diferença, e como a diferença (singularidade, impossibilidade
de substituir) é essencial ao nosso conceito de pessoa (e assim
da santidade da vida humana) – um ataque aos judeus – ou a
qualquer outro grupo étnico ou religioso – é um ataque
à humanidade. Sua cura virá somente quando aprendermos a
respeitar e reconhecer a dignidade da diferença.
Existem aqueles que, compreensivelmente, acreditam que o anti-semitismo
é inevitável e incurável e que qualquer tentativa
de se cuidar dele (que não seja a autodefesa) está destinada
a falhar. No entanto, se isso fosse verdade, ofereceríamos todas
as nossas preces para a paz – e praticamente não há
uma prece judaica que não termine com um pedido pela paz –
inútil e em vão.
A reação básica para a falta de harmonia no mundo
e no Judaísmo é que uma multiplicidade de forças
está exercendo sua influência simultaneamente. A antiga maneira
de escolher um caminho e segui-lo pacientemente não pode mais prevalecer.
Temos de ir além disso: abranger todos os caminhos e integrá-los
numa harmonia completa e segura.
Vejo na matança sustentada contra Israel e no crescente anti-semitismo
global – comunicado pela moderna tecnologia mas dirigida por um
ódio tão velho como o tempo – um perigo claro e presente
a todos nós. O ataque pode começar com judeus mas nunca
termina com judeus. Porque, no decorrer dos tempos, os judeus têm
sido odiados por serem diferentes, e como a diferença é
a condição básica de toda a humanidade, o anti-semitismo
é em última análise um ataque à própria
humanidade.
A melhor cura para o ódio à diferença é o
princípio de que "os piedosos das nações do
mundo terão seu quinhão no Mundo Vindouro". Isso significa
que a salvação de outros (e portanto seus direitos iguais
e sua dignidade) não dependem do fato de eles partilharem minha
fé. Esta é a única alternativa irrefutável
à teologia "super-sessionista" ou "de substituição":
a idéia de que uma religião possa substituir, desbancar
ou superar outra. Este pensamento tem manchado as páginas da história
com sangue derramado em nome de D’us. Aliada às armas de
destruição em massa, ela põe em risco o futuro da
vida humana sobre a terra.
Ao fazer um pacto com o povo judeu ("o povo que mora sozinho"),
D’us propôs dois desafios à humanidade; um para os
judeus, outro para as nações em cujo meio eles vivem. D’us
pediu aos judeus para terem a coragem de ser diferentes. Pediu aos não-judeus
para terem a generosidade de espírito de fazer espaço para
a diferença. O desafio a ambos é como, nesta era ainda não
messiânica, podemos viver pacificamente juntos apesar das diferenças.
Deixo a palavra final para Maimônides. Um dos maiores conflitos
das civilizações na História Judaica foi aquela dos
Macabeus contra os Gregos Selêucidas, comemorada todos os anos na
Festa de Chanucá. Dizemos em nossas preces que foi um triunfo de
poucos contra os muitos, do fraco contra o forte. Permitiu aos judeus
rededicarem seu Templo e recuperar sua liberdade religiosa e soberania
política. A ordem de acender luzes em Chanucá é tão
preciosa que "mesmo que alguém não tenha comida, exceto
aquela que recebe por caridade, deve mendigar – ou vender suas roupas
para comprar – azeite e lamparinas, e acendê-las."
Surge porém a questão: quando alguém se encontra
apenas com óleo suficiente para uma luz na tarde da sexta-feira.
Deve acendê-la como luz de Chanucá ou como uma vela de Shabat?
Maimônides decreta o seguinte:
Se um homem pobre precisa de óleo tanto para a lâmpada do
Shabat quanto para a lâmpada de Chanucá, a do Shabat tem
prioridade, pelo mérito da paz no lar, pois até mesmo um
nome Divino pode ser apagado para promover a paz entre marido e mulher.
Grande é a paz, pois todo o propósito da Torá é
trazer paz ao mundo, como está escrito: (Mishlê 3:17): "Seus
caminhos são caminhos agradáveis, e todas suas trilhas são
de paz."
|