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Há
alguns dias, estive numa reunião com alguém cujo marido
tinha falecido há menos de um ano. No meio da reunião alguém
contou uma piada, e a mulher que mencionei desatou numa risada. Eu fiquei
chocado. "Como pode rir?" pensei. "Seu marido faleceu há
menos de um ano, e você está rindo!" E então
ocorreu-me um pensamento alarmante: "Somos todos descartáveis
e tão fáceis de substituir? Nossos entes queridos conseguem
rir tão pouco tempo depois que os deixamos?"
Agora
mesmo e antes de escrever mais uma palavra, quero esclarecer quaisquer
equívocos: Alguns segundos pensando sobre isso, e eu sabia que
não era o que eu realmente pensava. Minha mulher sugeriu que talvez
minha própria condição tivesse algo a ver com a minha
reação. Estar em remissão de um linfoma não
significa que eu acredite 100% que estou fora de perigo.
Geralmente, sou bastante otimista. Mas não sou exatamente o Sr.
Esperança o tempo todo. E sempre que ouço falar de alguém
que morreu de alguma versão daquilo que eu tenho (ou, por favor,
D’us, tinha) isso reabre desagradáveis pensamentos e temores.
Infelizmente, é muito comum ouvir falar sobre pessoas assim nos
dias de hoje.
Somos
tão insubstituíveis quanto o amor que damos. Nossa
marca indelével é gravada de maneira invisível
no coração dos nossos filhos e entes queridos.
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Minha
mulher assegurou-me: "Era uma risada com o coração
partido, que jamais estará inteiro outra vez."
Nós somos descartáveis? Soa ridículo, não?
E é claro que não somos. Porém a morte não
é o único lugar no qual encontro provas de que nossas vidas
são rapidamente esquecidas e substituídas não apenas
pelo riso, mas por outras.
Veja o divórcio. As pessoas se casam. As pessoas se divorciam.
O cônjuge casa-se novamente. E então vem alguém que
toma o seu lugar. Em alguns casos, ele ou ela faz o papel de pai ou mãe
para os filhos. Uma hora você o vê, depois não vê
mais. Parece haver este espaço – marido, pai, seja lá
o que for – que pode ser preenchido por uma variedade de candidatos.
Talvez não da mesma maneira, mas mesmo assim… preenchido.
Qual é a mensagem para nossos filhos? Ele era seu pai. Mas ele
também pode ser seu pai.
Estou assumindo um risco aqui. Sei que isso que estou escrevendo é
um exagero, e com certeza não é o raciocínio mais
sábio. Estou convidando você a uma jornada com meu lado mais
sombrio. Meu lado temeroso. O lado que emerge quando meus piores pesadelos
e pensamentos dominam meu ser mais elevado e melhor. Posso confiar em
você para me fazer companhia, sem muito julgamento? Você ficará
comigo um pouco mais, enquanto me desfaço disso?
Se os pais são substituíveis, o mesmo se aplica aos filhos?
Num mundo descartável, substituível, precisamos ponderar
muito por que as crianças às vezes se perguntam se suas
vidas têm algum valor? Por que algumas vezes nos perguntamos o mesmo?
Mas, quando perdemos alguém em nossa vida, há um dilema.
Por um lado devemos lamentar. Por outro, precisamos continuar com nossa
vida. E, no mundo moderno de hoje, parece que quanto mais depressa e mais
completamente fizermos isso, mais saudáveis nós somos. Raramente,
hoje, vê-se um viúvo ou viúva cuja perda é
ostentada constantemente na manga da roupa. Cuja tristeza se torne indelével
nos olhos e na tensão da face. E embora alguém tenha sido
certa vez o "amor da minha vida", no mundo de hoje parece que
depois da perda nós nos levantamos e começamos vida nova.
Mas se alguém cria uma nova vida, não pode também
ter um novo "amor da minha vida?" Nova vida, novo amor. Vida
descartável, amor substituível.
Minha viagem continua cada vez mais descendente. Você consegue sentir
isso? Já fiz isto antes, mas é diferente tendo você
comigo. E nem ao menos sei quem você é: sem face, confidente
desconhecido!
Terei eu chegado ao ponto de confiar tanto em todos vocês? Ou é
apenas a quimio e os últimos meses de batalha que me deixaram assim,
sem me importar com o que você pensa?
Talvez se eu pensasse mais sobre os meus pais. Talvez se eles ocupassem
mais os meus pensamentos e as minhas palavras? Talvez se eu sentisse que
a minha vida tinha continuado tão facilmente depois que ambos se
foram? Eles foram descartáveis? Claro que não. Foram substituíveis?
Impossível. E apesar disso…
Não, eu não desejo que ninguém sofra depois de uma
perda. Ninguém na minha família, nem na sua. Eu quero que
haja risos outra vez. Vidas plenas. Felicidade. Alegria. Canções.
Uma mesa de Shabat calorosa e animada, repleta de filhos e netos, bisnetos.
Até aqueles que eu jamais conhecerei.
Mas…como eu não queria ser esquecido. Pois a vida será
como se eu jamais tivesse sido. Você consegue entender isso? Já
se sentiu assim? Alguém me disse recentemente que nunca pensa sobre
não estar aqui um dia, mas para mim, não se passa um dia
sem que eu pense sobre isso.
Eles dizem: "Yaacov viveu através das boas ações
dos seus filhos." Mas esse foi Yaacov. E olhe quem foram os seus
filhos. Mas e quanto a mim?
Você já teve estes pensamentos? Nunca sentiu esse medo? Nunca
foi apanhado na espiral do seu próprio eu sombrio, sem vislumbrar
nenhuma saída? Nunca desejou ser capaz de subir até o ponto
de luz que você sabe estar lá, em algum lugar… mas
onde?
Tenho a sorte de ter em minha vida uma pessoa que me motiva a alcançar
um ponto mais alto, e me ajuda a chegar algumas vezes. Seu nome é
Rabino Glucowsky. Ele é a pessoa da comunidade que atua como meu
mestre e guia. É alguém com quem eu aprendo não somente
numa aula, mas pela maneira que ele vive a sua vida.
Muitas pessoas o chamam pelo primeiro nome, mas eu prefiro chamá-lo
"Rav Glucowsky", embora sejamos bons amigos e eu seja bem mais
velho que ele. Talvez seja porque somos amigos que eu o chamo "Rav".
Gosto de dar coisas aos meus amigos. E neste caso, quero dar respeito
a alguém de quem gosto muito. O respeito e a honra que dou a ele
de maneira alguma diminuem a familiaridade e o conforto que sinto quando
estou com ele. Ele é meu Rav e somos amigos.
Nunca conheci o pai de Rav Glucowsky. E mesmo assim, ele acompanha Rav
Glucowsky a quase todos os lugares e certamente em todas as reuniões
que tive com ele. Não há uma palestra feita por Rav Glucowsky
em que ele não cite seu pai. Outro dia estávamos falando
sobre nossos filhos cantando no coro e ele mencionou que bela voz seu
pai tinha. Na semana passada fui a um farbrenguen de aniversário
e Rav Glucowsky foi convidado a contar uma história. "Deixem-me
contar uma história sobre o Rebe Anterior, que meu pai costumava
contar…" Ele não apenas contou a história em
nome do seu pai, como seu pai estava impregnado em toda a história.
Um quadro com a foto do pai está num local de destaque em sua sala
de estar. Somos convidados à sua casa diversas vezes por ano para
comemorar algum evento da vida do pai. E tem-se a sensação
de que a vida toda de Rav Glucowsky está dedicada ao pai, que ele
está conscientemente sendo o filho que seu pai queria que ele fosse.
Na sinagoga, todos nós sabemos que muitas das melodias que ele
canta durante as preces vêm do seu pai. E em nossa comunidade, todos
sabemos que somos os beneficiários do homem maravilhoso que o pai
de Rav Glucowsky deve ter sido. Nós, também, estamos melhor
porque o pai de Rav Glucowsky abençoou a terra.
A Festa de Sucot seria Sucot sem as histórias das sucás
que Rav Glucowsky construiu com seu pai e seus irmãos? Quantas
vezes ouvimos aquela sobre o passeio de carro no último minuto
com a polícia atrás, apenas minutos antes da hora do acendimento
das velas? A escola de nossos meninos seria a mesma se não estivesse
repleta com os adágios educacionais do pai de Rav Glucowsky, um
educador que deu aulas da primeira à oitava série em Toronto
durante quarenta anos?
E não adoraríamos dizer aos nossos filhos, como Rav Glucowsky
disse para os seus: "Como eu ficaria orgulhoso se você crescesse
para ser um professor como o Zeidy, um homem que, por meio dos seus ensinamentos,
melhorou a vida de tantas pessoas!"
É engraçado, mas quando finalmente vi um vídeo do
pai de Rav Glucowsky, ele parecia um homem comum. Um professor. Alguém
como você e eu. Mas alguém que tinha atingido tamanha estatura
mística através do amor, respeito e devoção
por parte do filho. Escutando Rav Glucowsky eu, este pai comum, pude imaginar-me
algum dia sendo elevado a tais alturas pelos meus próprios filhos.
E estas fantasias me enchem de calor e coragem. Elas acalmam os meus temores.,
e me impelem a levar uma vida repleta de ações que darão
aos meus filhos algo para falar a respeito um dia, para os seus filhos
e suas comunidades.
Se o pai de Rav Glucowsky não é descartável, eu também
não sou. Você também não. Somos tão
insubstituíveis quanto o amor que damos. Nossa marca indelével
é gravada de maneira invisível no coração
dos nossos filhos e entes queridos. Nossa marca é contida não
apenas no riso deles, mas no riso que eles partilham com outros. A risada,
como diz minha mulher, que vem de um coração partido. Mas
um coração repleto de amor se parte e depois cresce mais
forte quando se refaz. Sua força vem da sua suavidade, uma suavidade
feita com o amor que deixamos para trás, talvez ainda mais suave,
até, através da perda que nossos filhos sentem depois que
partimos.
A mulher que riu foi até meu escritório um dia desses. Ela
contou-me sobre o evento promovido em sua comunidade na noite anterior,
para comemorar o primeiro aniversário de falecimento do marido.
Ela descreveu a cerimônia durante um longo tempo, e depois falou
sobre o ponto alto da noite.
"Minha filha leu uma carta que ela tinha escrito para seu Aba"
– começou ela. "Na carta, ela descreveu todos os eventos
familiares do ano passado. Ela descreveu-os em detalhes para que meu marido,
seu pai, pudesse ter nachas com seu recital de piano, do primeiro passeio
de bicicleta do irmão, do primeiro dia em que mamãe conseguiu
voltar ao trabalho após meses de tanta tristeza que nem sequer
saía de casa…"
Enquanto ela falava, seus olhos encheram-se de lágrimas. Mas ela
não as derramou. Era como seu coração estivesse repleto
de tanto amor que ela tinha de aliviar-se através dos olhos. Ela
permaneceu um longo tempo ali de pé na porta, relatando todos os
eventos que a filha tinha contado na carta para o pai. Ela contou-me até
como a filha tinha descrito para o pai que sabia como seriam as reações
dele. "Você teria achado tão engraçado, Aba…Você
teria nos contado suas famosas histórias sobre aquela vez em que
você… Oh, Aba, você teria adorado a música…"
Não me cansava de ouvir aquela mulher contar sobre esta noite de
recordações. Muito tempo depois da hora de voltar ao trabalho,
eu ainda escutava atentamente sobre os filhos dela e seu amor pelo pai
e pela sua memória. Quando ela finalmente terminou e saiu, eu senti
que poderia ter ouvido muito mais.
Em vez disso, sentei-me e escrevi este artigo. Talvez algum dia meus filhos
o leiam. Ou, melhor ainda, talvez eles o leiam para seus filhos algum
dia.
Que eu viva até os 120 anos.
Nota
do Editor:
Jay enviou este artigo há dois anos e meio, numa época em
que – como ele escreve no parágrafo de abertura – ele
estava bastante otimista sobre o seu prognóstico. Porém
logo depois, enquanto ainda estávamos trabalhando no artigo, um
exame de sangue revelou que sua doença tinha voltado, ainda mais
agressiva. Na verdade, estes altos e baixos ocorreram muitas vezes durante
sua corajosa batalha de quatro anos contra a doença.
Devido ao triste desenrolar dos acontecimentos, Jay sentiu que o tema
deste artigo era muito "próximo, doméstico" para
publicar.
Agora, depois de ter ocorrido o pior, a família de Jay decidiu
que tinha chegado a hora de compartilhar a história com nossos
leitores.
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