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  Estamos Derretendo?
 
Por David Zaklikowski
 

Haverá um futuro?

Grande parte daquilo que fazemos é baseado na noção de que há um futuro. Ter filhos, por exemplo. Preocupar-se com o efeito a longo prazo de nossas ações. Preocupar-se com qualquer coisa que seja.

Há alguns anos, havia basicamente um tipo de pessoa que saía por aí proclamando que "o mundo está chegando ao fim". O tipo que recebia um olhar alarmado e de comiseração, e talvez uma moedinha para tomar um café. Hoje, há uma noção seriamente debatida por cientistas, lobistas e líderes mundiais.

Somos alimentados diariamente por uma dieta de gritantes relatos sobre o aumento dos gases na atmosfera que provocam o efeito estufa, o gelo ártico derretendo, a desaparição dos ursos polares e o aumento do nível dos mares, tudo isso com previsões de que o mundo logo será um deserto estéril, que estará submerso no oceano, ou ambas as alternativas.

À medida que estas previsões catastróficas começarem a penetrar em nossa consciência, uma nuvem de desespero começará a toldar nossas ações? Nossa fé na certeza da vida começará a fraquejar? A determinação necessária para enfrentar os desafios da vida começará a esmorecer?

Dúvida no Egito

Egito, 1.394 AEC. O faraó decreta que todos os judeus recém-nascidos devem ser atirados ao Nilo. Isso efetivamente tornaria os hebreus um povo extinto, uma relíquia da História. Sem qualquer futuro, aparentemente não havia qualquer objetivo na vida, e certamente não havia por que procriar. Esta era a linha lógica de raciocínio adotada por Amram e sua esposa Yocheved, que decidiram se divorciar. Não havia motivo para continuarem casados.

Miriam, a jovem filha deles, admoestou-os a não desistir. Há um plano mestre do qual não estamos a par, insistia ela. Não há motivo para desespero, quando somente D'us sabe o que nos reserva o futuro; o que o destino reservou para nós.

Eles viram a sabedoria nas palavras dela e se casaram novamente, os corações repletos de confiança em D'us. Seu ato de coragem foi recompensado; nasceu Moshê. Havia um futuro, e que brilhante futuro!

Kidush sobre uma migalha de pão

David Henoch Zaklikowski, meu xará, em sua juventude.

Auschwitz, 1945. Meu avô, Reb Henoch como era conhecido antes da guerra, está na fila das infames câmaras de gás de Auschwitz. Seu sorriso de costume desvaneceu-se durante os meses que passou em Auschwitz, substituído agora por um olhar preocupado e deprimido. Ele sabia exatamente para onde ia a fila, não havia segredos ali. O mundo estava terminando exatamente aqui, agora mesmo. Não havia como voltar. Não havia futuro – não para ele, e não para seu povo.

Era noite da sexta-feira; o sagrado Shabat que tinha cuidado da nação judaica desde sua redenção do Egito. Henoch procurou alguma coisa no bolso, e encontrou; eram umas migalhas do pão duro que tinha juntado durante toda a semana. Racionara esta magra porção do pão diário para que ao final da semana pudesse santificar o Shabat, recitando o kidush sobre algumas migalhas.

Estava determinado a cumprir esta única mitsvá, mesmo que fosse a sua última. Para assombro daqueles que estavam na fila, e apesar dos seus protestos frenéticos, ele começou a recitar o kidush como se estivesse de pé defronte à mesa do Shabat. Comeu uma migalha e repartiu o restante com os outros judeus ao seu redor.

Naquela noite os céus se abriram para ouvir o kidush do meu avô. E naquele exato momento, o mecanismo que operava a câmara da morte apresentou defeito. Trinta anos depois ele ainda estava conosco para contar a história daquele fatídico Shabat em Auschwitz.

Seu Shabat vive em meu filho pequeno, quando ele fica ao meu lado e santifico o Dia de Repouso com um copo de vinho à minha mesa do Shabat no Brooklyn. Henoch não desistiu, e houve um futuro.

Nós iremos derreter?
Assim é o judeu. Nunca desiste. Há sempre um futuro, e será bom. Abrir mão do futuro é um fracasso em si mesmo.

Os acadêmicos continuarão a debater se nosso destino está nas mãos do clima em mutação. Nós, de nossa parte, continuaremos a fazer aquilo que precisamos fazer, querendo tornar este mundo um lugar melhor, com menos poluição, menos violência e trevas.

De uma coisa, porém, jamais duvidaremos. Existe um futuro.

     
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