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  Um Judeu em Curaçao  
 
por Eli Groisman
  O Cresci em Curaçao, uma ilha caribenha que faz parte das Antilhas Holandesas, onde não havia escolas judaicas. As leis do governo exigiam que todos freqüentassem uma das únicas escolas na cidade, a católica ou a protestante. O aluno era obrigado a participar de todas as atividades escolares, incluindo aulas e serviços religiosos.

Havia mais uns poucos estudantes judeus, e eles basicamente seguiam a regra. Eu me recusei. Com uma teimosia atípica num garoto criado em lar não-religioso, resisti a todas as tentativas de me fazerem participar, e isso me saiu caro. Os estudantes não-judeus lutavam comigo diariamente, sob os auspícios do diretor, e não era raro que o próprio diretor me ameaçasse.
Quando cheguei à 7ª série, as coisas chegaram ao auge. A vida não estava ficando mais fácil.
Pelo contrário, as lutas eram mais freqüentes e mais ferozes. O diretor não escondia sua opinião de que eu merecia aquilo que estava levando, por recusar-me a obedecer as regras da escola. Eu sabia que o futuro somente me traria mais ameaças e mais altercações físicas sérias.

Comecei a faltar às aulas. Passava meus dias jogando golfe num campo próximo, voltando às dependências da escola a tempo de encontrar meu pai, que me levava de carro para casa todos os dias.

Certo dia, o diretor chamou meu pai para descobrir por que eu não tinha ido à escola nas últimas semanas. Encontrando-me como de hábito depois das aulas, meu pai perguntou: "Como estava a escola hoje?" Respondi: "O mesmo de sempre." Meu pai então perguntou: "Você foi à escola hoje? Na semana passada? Nas últimas semanas?" Não querendo mentir, respondi que não.
Meu pai deu-me uma opção: ceder e fazer como os outros meninos, ou deixar a escola e ir trabalhar com ele – e trabalhar duro – todos os dias. Não precisei pensar muito. Fui até o escritório do diretor, coloquei meus livros sobre a mesa dele, e corri de volta para meu pai.

O governo enviou cartas de advertência à minha casa, declarando que a lei exigia que todas as minorias, incluindo judeus, deviam freqüentar a escola, fosse católica ou protestante, e que todos os estudantes deveriam participar das atividades escolares. Minha família estava sendo excomungada da comunidade, mas eles não cederam.

Meu pai estava muito contrariado com a minha situação, mas ele não sabia o que fazer. Uma noite teve um sonho. Viu-se aos três anos, antes de seu ophshernish, sentado no colo da avó. Ela lhe dizia: "Liuvu (expressão russa para ‘meu amor’), toda vez que tiver problemas, aquele que pode ajudá-lo é o Lubavitcher Rebe." Esta foi a primeira vez que ele ouvia falar do Rebe.

Na manhã seguinte meu pai foi à sinagoga, um edifício pequeno e discreto perto de casa. Pediu ao zelador para destrancar a porta para ele e foi até o Aron HaCôdesh (Arca), abriu seu coração a D’us, e voltou para casa.

Num dia de janeiro em 1984, Rabi Moshe Kotlarsky, assistente de Rabi Hodakov, o secretário do Rebe, recebeu um telefonema em casa de Rabi Hodakov. "Lave as mãos" – instruiu Rabi Hodakov, usando um termo em código indicando a Rabi Kotlarsky que o Rebe estava na linha, escutando. "O Rebe deseja que você vá imediatamente a Curaçao."

Quando o Rebe diz a um chassid para entrar em ação, ele não faz perguntas; age. Rabino Kotlarsky escolheu um acompanhante para a viagem, um aluno da yeshivá com dezessete anos, Levi Krinsky, e ambos tomaram o vôo para Curaçao. Chegando ao aeroporto e não sabendo aonde ir ou o que fazer ali, eles pegaram um táxi, pedindo para serem levados até a sinagoga.

Os motoristas de táxi em Curaçao estão acostumados a estes pedidos, e geralmente levam o passageiro à maior sinagoga da ilha, famosa como a mais antiga do Hemisfério Ocidental, Mikvah Israel Emanuel. Esta sinagoga, na qual os serviços são conduzidos apenas no Shabat, funciona também como museu durante a semana. Possui um aspecto fora do comum: o piso é coberto de areia branca, possivelmente por causa de seus fundadores, que escaparam da Inquisição, cobrindo os degraus que levavam às suas casas de oração em Portugal com areia para abafar o som de seus passos.

O motorista do táxi, no entanto, levou Rabino Kotlarsky a uma sinagoga pequena. Assim que o veículo parou na porta, Rabino Kotlarsky viu um homem deixando o edifício. Pensando que aquele homem pudesse ser uma fonte convenientes de informação sobre a comunidade judaica local, aproximou-se dele e falou: "Fomos enviados pelo Lubavitcher Rebe. Queremos conhecer os judeus da localidade. Estaremos no Plaza Hotel. Poderia vir conosco e nos falar sobre a comunidade?" O homem, que não era outro senão meu pai, saindo da sinagoga, quase desmaiou.

Meu pai contou a Rabino Kotlarsky a provação de nossa família, e apresentou-me a ele. Minha primeira pergunta ao Rabino foi: "Você tem permissão de se defender se alguém vem e lhe dá um soco?" Eu tinha formado uma impressão, pelos filmes e programas de TV sobre o Holocausto que assistira, que os judeus eram fracos e não reagiam quando atacados. Rabi Kotlarsky respondeu: "Você deve se defender, e provocar um dano tal que eles jamais voltem a atacá-lo!" Achei que este Rabino era gente boa.

Rabino Kotlarsky convidou-me a ir para Nova York e freqüentar o Acampamento Gan Israel nas Catskills naquele verão, e mais tarde ir à yeshivá que começaria em setembro. Esta foi a resposta às minhas preces, e aceitei imediatamente a oferta.

Eu gostaria de agradecer ao Rebe por se preocupar comigo e com minha família. Devemos todos seguir seu exemplo sobre como se deve cuidar de um irmão judeu. Não é preciso ser um judeu na distante Curaçao; poderia ser alguém bem ali na esquina. Certamente, ao seguir o exemplo do Rebe, mereceremos todos a revelação de Mashiach.

(Abaixo está a carta que meu pai recebeu do Rebe logo depois dessa história:)

Pela graça de D’us
3 de Nissan, 5744
Brooklyn, NY

Sr. Chaim Yosef Groisman
Curaçao, A.H.

Saudações e bênção:

Fiquei feliz ao receber seus cumprimentos através de nossos estimados amigos mútuos.
Devo, no entanto, fazer uma observação sobre a referência que faz a si mesmo como "um pequeno judeu de Curaçao". Não há necessidade de enfatizar que todo judeu, homem ou mulher, possui uma Nêfesh Elokim, que é "uma parte do D’us Acima".

Portanto, não existe tal coisa como "um pequeno judeu", e um judeu jamais deve subestimar seu imenso potencial.

Com a aproximação de Pêssach, aproveito esta oportunidade para estender-lhe meus votos sinceros de que a Festa de Nossa Liberdade leve a você e aos seus a verdadeira liberdade, liberdade da ansiedade material e espiritual, de tudo que possa distraí-los de servir a D’us com sinceridade e júbilo, e de levar esta liberdade e este júbilo no decorrer de todo o ano.

Desejando a você e aos seus um Pêssach feliz e casher,
Com bênção

(assinatura do Rebe)

 

 

 
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